Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0269094-37.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Macatuba

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Macatuba

 

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.469, de 12 de novembro de 2012, do Município de Macatuba, de iniciativa parlamentar, que “Regulamenta a cobrança sobre serviços prestados do consumo de água no Município de Macatuba”.

2)      Irregularidade na representação processual. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório com poderes específicos.

3)   É de competência privativa do Poder Executivo a fixação de regras relativas a forma de cobranças de tarifas de serviço público. Violação ao princípio da separação dos poderes (arts. 5º, 47, II e XIV, 117, 120, 122, e 144 da Constituição Estadual).

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 2.469, de 12 de novembro de 2012, do Município de Macatuba, de iniciativa parlamentar, que “Regulamenta a cobrança sobre serviços prestados do consumo de água no Município de Macatuba”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por usurpação da competência do chefe do executivo, uma vez que regulamentou matéria relativa a serviços públicos e fixação de tarifas e preços públicos, cuja iniciativa é privativa do Chefe do Executivo. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos arts. 5º, 25, 47, II e XIV, 120, 144 e 159 da Constituição Estadual.

Foi deferido o pedido de liminar (fl. 57).

Citado regularmente (fl. 66), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 68/70).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 72/74).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.

PRELIMINARMENTE

A petição inicial é subscrita apenas por procurador do município (fl. 13), com mandato outorgado pelo Município de Macatuba (fl. 14).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

No caso dos autos, figurou no polo ativo o Prefeito Municipal, porém a inicial foi assinada por procurador, com poderes outorgados pelo Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

NO MÉRITO

Procede o pedido.

A Lei nº 2.469, de 12 de novembro de 2012, do Município de Macatuba, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do Executivo tem a seguinte redação:

Verifica-se que a Lei Municipal impugnada disciplinou a forma de cobrança da tarifa de consumo de água no Município, extinguindo a cobrança pelos critérios taxas mínima e comercial, estabelecendo ainda que as propostas de aumento da referida tarifa e de qualquer outro serviço prestado pelo SISAM deveriam ser deliberados pela Câmara Municipal.

A matéria disciplinada pela Lei, fixação de regras para o cálculo de tarifa de serviço público, encontra-se no âmbito de competência do Poder Executivo.

Assim sendo, o ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por conter vício de iniciativa e por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Importante ressaltar que acerca dos serviços públicos dispõe a Constituição Estadual que:

Artigo 119 - Os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e fiscalização do Poder Público e poderão ser retomados quando não atendam satisfatoriamente aos seus fins ou às condições do contrato.

Parágrafo único - Os serviços de que trata este artigo não serão subsidiados pelo Poder Público, em qualquer medida, quando prestados por particulares.

Artigo 120 - Os serviços públicos serão remunerados por tarifa previamente fixada pelo órgão executivo competente, na forma que a lei estabelecer.  

Cabe privativamente ao Poder Executivo a regulamentação, quer dos serviços públicos, quer do regime tarifário estabelecido para sua contraprestação.

Ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa, tal inclui alterações, isenções, forma de cálculo, etc., e, portanto, a regulamentação da forma de cálculo e a extinção de modalidade de cobrança por taxas mínimas e comercial por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual.

Trata-se de reserva de ato da Administração à luz do art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, corroborado pelos arts. 119, 120 e 122, da Carta Polícia Paulista, todos aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual.

O Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo edita regulamentando, ainda que parcialmente, forma de cálculo de tarifa de serviço público , extinguindo algumas modalidade de cobrança, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

Se a Constituição Estadual reserva a fixação da tarifa ao órgão executivo competente, na forma que a lei estabelecer, não é dado ao Poder Legislativo se imiscuir nessa seara para regulamentar a cobrança do consumo de água com fixação da forma de seu cálculo.

No Município de Macatuba, o SISAM (Sistema de Saneamento Ambiental de Macatuba) é a Secretaria responsável pelo gerenciamento de todo o serviço público de distribuição e tratamento da água, do tratamento do esgoto.

Assim, é este órgão que detém informações e dados técnicos que permitem aferir a mais adequada forma de tarifação, razão pela qual a iniciativa para a regulamentação da matéria é do Poder Executivo.

A regulamentação tarifária pelo Poder Legislativo, bem como a abolição do critério de cobrança por taxas mínima e comercial, compromete o equilíbrio econômico financeiro que deve ostentar a remuneração do serviço público industrial ou comercial (art. 117, Constituição Estadual), além de violar a cláusula da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual), pela invasão da esfera reservada de ato da Administração que lhe foi conferida para gestão do serviço público direta ou indiretamente executado.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

A propósito do tema vale conferir algumas decisões desse Colendo Órgão Especial:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Complementar n. 534/10 - Município de Catanduva - Limitação da tarifa de água e esgoto – Origem parlamentar - Iniciativa reservada ou exclusiva do Chefe do Poder Executivo - Violação à Constituição Estadual, arts. 5º, 47, II, 120 e 144 - Inconstitucionalidade formal - Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei impugnada - Implicação negativa na arrecadação - Renúncia à receita - Gastos não previstos - Ausência de previsão de fontes - Violação ao art. 25 da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade Material – Pedido Procedente (ADIn n. 0297508-16.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Bedaque, j. 02 de março de 2011)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal alterando a forma de remuneração do serviço de água e esgoto concedido. Iniciativa legislativa de vereador. Inadmissibilidade. Violação do princípio da independência e harmonia dos Poderes Públicos. Iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo. Violação dos arts. 5°, 47, inc. I I e XIV, 117, 119 e 120, c.c. art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Procedência decretada. (ADIn n. 0091132-95.2010.8.26.0000 , Rel. Des. Boris Kauffmann, j. 13 de outubro de 2010)

Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei nº 11.492/07 do Município de Ribeirão Preto, que dispõe sobre o valor máximo para tarifação referente a corte e religação do fornecimento de água no Município, pelo DAERP, conforme especifica e dá outras providências. Norma de iniciativa parlamentar. Matéria relativa à organização administrativa e execução de serviços públicos, atribuição exclusiva do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação julgada procedente. (ADIn n. 9046800-55.2008.8.26.0000, Rel. Des. Penteado Navarro, j. 01 de abril de 2009)

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).

Está, portanto, evidente que a iniciativa em regulamentar a forma de cobrança pelos serviços de fornecimento de água é do Poder Executivo.

A propósito, oportuno ressaltar que nos termos do parágrafo único do art. 159 da Constituição Estadual:  Os preços públicos serão fixados pelo Executivo, observadas as normas gerais de Direito Financeiro e as leis atinentes à espécie”.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade Lei nº 2.469, de 12 de novembro de 2012, do Município de Macatuba.  

 

São Paulo, 8 de abril de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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