Processo n. 0269422-64.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei n. 5.026, de 23 de junho de 2010, do Município de Catanduva. Criação do Programa Remédio em Casa. Iniciativa parlamentar. Violação da Separação de Poderes. Criação de despesa pública sem indicação de sua cobertura financeiro-orçamentária. Procedência da ação. Inconstitucional lei municipal, de iniciativa parlamentar, que cria o “Programa Remédio em Casa” para encaminhamento de remédios de uso contínuo, prescritos em tratamento regular, à residência de idosos, pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e portadoras de doenças crônicas, usuárias do SUS por (a) criação de despesa pública sem cobertura financeiro-orçamentária e (b) ofensa ao princípio da separação de poderes ao vulnerar a reserva de iniciativa legislativa e a reserva da Administração na organização e funcionamento dos órgãos públicos do Poder Executivo.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
movida em face da Lei n.
5.026, de 23 de junho de 2010, do Município de Catanduva, por sua
incompatibilidade com os arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado de São
Paulo (fls. 02/10). As informações foram prestadas (fls. 23/26).
2. É
o relatório.
3. Preliminarmente,
opino pela citação do douto Procurador-Geral do Estado em atenção ao disposto
no art. 90, § 2º, da Constituição do Estado.
4. No
mérito, a ação é procedente.
5. É
impróprio para o desate da lide o
contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da
Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da
Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos
termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.
6. Qualquer alegação fundada em
norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece
cognição, tendo em vista que é “inviável
a análise de outra norma municipal para aferição da alegada
inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias
Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
7. A
lei local impugnada cria obrigações para o Poder Executivo sem indicação
precisa dos recursos orçamentários necessários para o desempenho das tarefas
nela prescritas.
7. Destarte,
houve ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual.
8. Tendo a lei local contestada iniciativa parlamentar, ela violou o princípio da separação de poderes que cunha a reserva da Administração em matéria de gestão e a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo acerca da organização e funcionamento da Administração Pública, como previsto nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, porquanto a lei impôs atribuições a órgãos do Poder Executivo, invadindo aspectos da administração ordinária que se situa no juízo exclusivo do Chefe do Poder Executivo.
9. É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente
as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância
obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
10. Como desdobramento particularizado do princípio da separação
dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São
Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do
Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para
“a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração
pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou
alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.
11. Também prevê no art. 47 (aplicável
na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do
Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do
Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão
que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de
sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
12. A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da
administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da
competência do Poder Executivo.
13. A inconstitucionalidade transparece
exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos
da Constituição Estadual.
14. Pois, ao instituir programa ou
serviço administrativo, de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que
respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do
Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de
outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao
Poder Executivo.
15. Neste sentido, é
pacífica a jurisprudência invocada na petição inicial (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 3.254-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02; STF,
ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ
14-12-2001, p. 23; STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).
16. Opino
pela procedência da ação.
São
Paulo, 08 de março de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj