Parecer
Processo n. 0271639-80.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Taubaté
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de
Taubaté
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.601, de 09 de fevereiro de 2012, do Município de Taubaté. Parâmetro do contencioso de constitucionalidade de lei municipal. Instalação do “Banheiro Família” em estabelecimentos particulares de acesso público. Lei de iniciativa parlamentar. Separação de Poderes. Recursos financeiros. Improcedência da ação. 1. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, que obriga estabelecimentos particulares de acesso público (shoppings centers, academia, lanchonetes, parques, teatros e supermercados) à instalação de “banheiro família”. 2. Princípio da separação de poderes (arts. 5º e 47, II, CE/89) não vulnerado por não revelar o conteúdo da norma contestada violação da reserva da Administração ou da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, uma vez que a polícia do comércio e de estabelecimentos particulares de acesso público é matéria da iniciativa comum ou concorrente. 3. Inconsistência de violação aos arts. 25 e 176, I, CE/89, porque a norma não cria direta e imediatamente obrigações financeiras para o poder público, impondo deveres somente aos particulares, não bastasse veicular questão de fato dependente de prova. 4. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
promovida pelo Prefeito do Município de Taubaté em face da Lei n. 4.601, de 09
de fevereiro de 2012, do Município de Taubaté, que obriga estabelecimentos
particulares de acesso público (shoppings
centers, academia, lanchonetes, parques, teatros e supermercados) à
instalação de “banheiro família”, sob alegação de incompatibilidade com o art.
30, I e VIII, da Constituição Federal, os arts. 5º, 25, 47, II, 144 e 176, I,
da Constituição do Estado (fls. 02/21).
2. A liminar foi negada e dispensada a citação do douto
Procurador-Geral do Estado (fls. 25/26).
3. O Presidente da Câmara Municipal de Campinas sustentou
a constitucionalidade da norma nas informações (fls. 32/34).
4. É o relatório.
5. É
impróprio para o desate da lide o
contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da
Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da
Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos
termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.
6. Como o art. 144 da Constituição
Estadual é norma remissiva da Constituição Federal torna-se possível nesta sede
o exame da alegação de violação aos incisos I e VIII do art. 30 da Constituição
de 1988.
7. Essa alegação merece exame
conjunto com a de incompatibilidade da lei local com os arts. 5º e 47, II, da
Constituição Estadual, na medida em que foi suscitada pelo requerente a título
de ofensa ao princípio da separação de poderes, até porque a matéria é,
evidentemente, de predominante interesse local.
8. Contudo, ela não merece amparo.
9. A iniciativa
parlamentar não ofende o quanto contido nos arts. 5º e 47, II, da Constituição
Estadual, por não veicular matéria inserida na reserva da Administração nem na
reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.
10. A lei local não ventila em seu
conteúdo a disciplina da organização e do funcionamento da Administração
Pública ou de serviço público nem a atribuição de órgãos do Poder Executivo ou
atos da gestão ordinária.
11. A
polícia de segurança, conforto, asseio, higiene etc. dos estabelecimentos
comerciais de acesso público é matéria que não está arrolada nos preceitos
constitucionais que cunham a reserva de iniciativa legislativa em favor do
Chefe do Poder Executivo, situando-se na iniciativa comum ou concorrente.
12. Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa
categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume.
Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa
legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
13.
Fixadas estas premissas, as
reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos
públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas
restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo
legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros.
Neste sentido, colhe-se
da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
14. Tampouco se capta
competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O art. 47 da Constituição do
Estado consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando
suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada
reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva,
imunes à interferência do Poder Legislativo.
15. A norma local impõe obrigação a particulares,
no âmbito da polícia administrativa e demanda, por isso mesmo, a observância de
reserva formal de lei. Não é possível mero ato normativo da Administração
Pública, por manifestar o conteúdo da norma o poder extroverso do Estado,
exigente do princípio da legalidade em sentido estrito ou absoluto.
16. Também
não há incompatibilidade
da lei local com os arts. 25 e 176, I, da Constituição Estadual.
17. A lei não cria obrigações para o Poder Executivo, estabelecendo deveres a particulares.
18. O
art. 25 da Constituição do Estado tem aplicação circunscrita ao “projeto de lei
que implique a criação ou o aumento de despesa pública”, como explicita a
própria norma com nítido intuito de responsabilidade fiscal ao exigir que,
nessa circunstância, conste a indicação de recursos disponíveis, próprios para
atendimento dos novos encargos.
19. Sua incidência é adstrita a leis
que diretamente importem repercussão positiva na despesa pública, e não em
qualquer lei. Em se tratando de lei que manifestamente não produza esse
impacto, é descabida sua arguição por traduzir matéria de fato e de prova
inadmissível no seio do controle objetivo de constitucionalidade.
20. A lei prescreve obrigação não se
podendo cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem
despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária, pois, já são precedentemente
absorvidas pela polícia administrativa preexistente.
21. Idênticos motivos afastam ofensa ao
art. 176, I, da Constituição Estadual. A exigibilidade nele contida de previsão
orçamentária é restrita a programas, projetos e atividades da Administração
Pública que imponham encargos a ela, e não a terceiros.
22. A alegação, ademais, é imprópria
nesta via por demandar exame de fato e de prova.
23. Opino pela improcedência da ação.
São
Paulo, 08 de março de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj