Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0275720-72.2012.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP

Requerido: Prefeito do Município de Barra Bonita

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto o parágrafo único do art. 84 da Lei Orgânica do Município de Barra Bonita.   Restrições ao direito de licença para o exercício de mandato eletivo em sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão.  Norma parâmetro (art. 125, § 1º, Constituição Estadual) aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais. O parâmetro constitucional estadual violou a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo dispondo sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 24, § 2º, 4, Constituição Estadual), considerando-se que as normas sobre processo legislativo do âmbito federal (art. 61, § 1º, II, c, Constituição Federal) constituem modelo de observância simétrica e reprodução obrigatória nos Estados.Parecer pela improcedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto o parágrafo único do art. 84 da Lei Orgânica do Município de Barra Bonita.

Sustenta o autor que a lei em foco é inconstitucional por afronta ao parágrafo primeiro do art. 125 da Constituição Estadual, que prevê o direito do afastamento do servidor público municipal para ocupar cargo em sindicato de categoria, sem prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens e, não apenas, para ocupar o cargo de Presidente do Sindicato, como estabelece a norma impugnada.

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 111/113).

Concedida a liminar (fl. 96), o Prefeito Municipal prestou informações às fls. 115/117, defendendo a constitucionalidade do dispositivo atacado.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação é improcedente.

Assim dispõe a norma impugnada (fls. 56):

“Art. 84- (...)

Parágrafo único- Fica assegurado ao servidor municipal eleito para ocupar o cargo de Presidente em sindicato da categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos nos termos da lei”.

A irresignação do autor é contra a criação de barreiras para o afastamento do servidor público municipal para o exercício das funções de administração sindical, não previstas na Constituição Estadual.

A previsão da Constituição Bandeirante é a seguinte:

“Artigo 125 - O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.

§ 1º- Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.”

A lei municipal contestada assegura ao servidor público municipal, eleito para ocupar cargo de presidência em sindicato representativo de sua categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos nos termos da lei.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade de norma que condiciona a licença para o desempenho de mandato classista por servidor público:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. 1. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL. REGISTRO. LEGITIMIDADE ATIVA: 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).

A Constituição Federal ao assegurar a liberdade sindical, inclusive aos servidores públicos (arts. 8º e 37, VII), não garante o direito ao afastamento remunerado, pois a matéria é remetida à liberdade de conformação do legislador infraconstitucional.

Em verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade na presente ação é que se afigura inconstitucional, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo, sendo, por isso, admissível a este egrégio Tribunal aferir a constitucionalidade incidenter tantum do parâmetro, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“- Reclamação. - Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIN 347, porquanto, no caso, a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual, e não à Federal, e julgada procedente por ofensa ao artigo 180, VII, da Carta Magna do Estado de São Paulo. - Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Carta Magna Federal. Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade. Competência do Tribunal de Justiça. Reclamação improcedente” (STF, Rcl 526-SP, Rel. Min. Moreira Alves, 11-11-1996).

Ora, é pacífico no Supremo Tribunal Federal que não é dado à Constituição Estadual disciplinar o regime jurídico dos servidores públicos para além das normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. VENCIMENTOS E PROVENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EQUIPARAÇÃO E VINCULAÇÃO. REGIME JURÍDICO: PODER DE INICIATIVA DE LEI. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO INCISO XIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROPOSITURA DA ADI PELO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO, COM POSTERIOR RATIFICAÇÃO PELO GOVERNADOR: LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O texto impugnado assegura ao funcionário ativo e inativo da Secretaria das Finanças, que, na conformidade da legislação então vigente, tenha exercido as funções de Tesoureiro ou de Tesoureiro-auxiliar das Recebedorias de Rendas de João Pessoa ou de Campina Grande, até a data da promulgação da Constituição, os vencimentos ou proventos correspondentes aos atribuídos ao Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1. Trata-se de equiparação e vinculação proibidas pelo inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, mesmo com a nova redação dada pela E.C. n° 19/98. 2. Basta observar que, aumentados os vencimentos do cargo de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1, estarão automaticamente aumentados os vencimentos e proventos dos servidores referidos na norma em questão. 3. Além disso, não pode a Constituição Estadual, segundo pacífica jurisprudência desta Corte, retirar do Governador do Estado sua competência privativa para iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração (art. 61, II, ‘a’, da C.F.) ou sobre regime jurídico dos servidores estaduais (art. 61, II, ‘c’). 4. Ação Direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 71 do ADCT da Constituição Estadual da Paraíba. 5. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.977-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 78 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES ESTADUAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. Sendo os dispositivos impugnados relativos ao regime jurídico dos servidores públicos fluminenses, resulta caracterizada a violação à norma da alínea c do inciso II do § 1.º do art. 61 da Constituição Federal, que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de observância obrigatória para os Estados, inclusive no exercício do poder constituinte decorrente. Ação julgada procedente” (STF, ADI 250-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 15-08-2002, v.u., DJ 20-09-2002, p. 87).

“I. Processo legislativo: modelo federal: iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, em termos, ao poder constituinte dos Estados-membros. 1. As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito - como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada - ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República. 2. Essas orientação - malgrado circunscrita em princípio ao regime dos poderes constituídos do Estado-membro - é de aplicar- se em termos ao poder constituinte local, quando seu trato na Constituição estadual traduza fraude ou obstrução antecipada ao jogo, na legislação ordinária, das regras básicas do processo legislativo, a partir da área de iniciativa reservada do executivo ou do judiciário: é o que se dá quando se eleva ao nível constitucional do Estado-membro assuntos miúdos do regime jurídico dos servidores públicos, sem correspondência no modelo constitucional federal, a exemplo do que sucede na espécie com a disciplina de licença especial e particularmente do direito á sua conversão em dinheiro” (STF, ADI 276-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13-11-1997, v.u., DJ 19-12-1997, p. 40).

Na espécie, o tratamento da matéria pela Constituição Estadual, concessa venia, foi além do que lhe seria permitido – como, verbi gratia, estabelecer que o afastamento de servidor público eleito para mandato classista seria disciplinado em lei. A norma constitucional estadual garantiu, de pronto, o afastamento sem remuneração nessa hipótese, consumindo a maior parte da futura legislação estadual ou municipal, de maneira a extrapolar sobre o regime jurídico dos servidores públicos.

Se é certo que a lei pode implantar condicionamentos ou restrições, a verdade é que a Constituição Estadual conferiu direito subjetivo ao servidor público, assunto que é do domínio de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Basta tomar em consideração, a guisa de exemplo, o quanto disposto no âmbito normativo federal, em que a licença, nesse caso, é gratuita (sem remuneração), nos termos do art. 92 da Lei n. 8.112/90.

Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 12 de junho de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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