Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0276286-21.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Sorocaba

Requerida: Câmara Municipal de Sorocaba

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.130, de 10 de julho de 2012 (art. 5º, parágrafo único), do Município de Sorocaba. Distância mínima de postos revendedores e de abastecimento de petróleo e outros combustíveis para fins automotivos. Alegações de violação à liberdade de concorrência, à competência normativa federal, e à Separação de poderes, insubsistentes. Emenda parlamentar a projeto de lei de autoria do Chefe do Poder Executivo. Observância dos limites. Improcedência da ação.1. É lícito ao Poder Legislativo aprovar emendas parlamentares a projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo desde que tenham pertinência temática e não gerem aumento de despesa, sem receio de ofensa à separação de poderes (art. 24, § 5º, CE/89). 2. Inaplicabilidade dos arts. 180, V, e 181, CE/89 por demandar cotejo da norma impugnada com o direito infraconstitucional e o exame de questão de fato, sem embargo de eles não restringirem o poder de emenda e não exigirem planejamento técnico prévio. 3. Distância mínima entre postos revendedores de combustíveis (parágrafo único do art. 5º da Lei n. 10.130/12) caracteriza limitação administrativa ao comércio que não implica invasão da esfera de competência normativa federal nem ofende desarrazoadamente a livre concorrência. 4. Competência municipal proclamada pelo STF. 5. Improcedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Sorocaba impugnando o parágrafo único do art. 5º da Lei n. 10.130, de 10 de julho de 2012, do Município de Sorocaba, que, resultante de emenda parlamentar a projeto de lei de autoria do Chefe do Poder Executivo, estabeleceu a distância mínima de 500 (quinhentos) metros entre postos de revenda e abastecimento de combustíveis, sob alegação de violação aos arts. 5º, 47, II, 144, 180, V e 191 da Constituição Estadual e ao art. 170 da Constituição Federal (fls. 02/22).

2.                Indeferida a liminar (fls. 231/233), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado (fls. 242/243).

3.                A Câmara Municipal de Sorocaba defendeu a constitucionalidade da lei apoiando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do exercício da competência municipal lastreada no art. 30, I, da Constituição Federal, e ponderando que a emenda parlamentar não encontra óbice no art. 63, I, da Constituição Federal (fls. 246/261).

4.                É o relatório.

5.                Não prospera a alegação de vício de iniciativa. O projeto de lei foi da autoria do Chefe do Poder Executivo e o dispositivo impugnado decorre de emenda parlamentar.

6.                Ainda que, na espécie, a iniciativa legislativa fosse concorrente, seu exercício pelo Chefe do Poder Executivo elimina qualquer discussão à luz dos arts. 5º e 47 da Constituição Estadual.

7.                E nos projetos de lei iniciados pelo Chefe do Poder Executivo é lícito aos parlamentares apresentarem e aprovarem emendas desde que tenham pertinência temática e não causem aumento de despesa.

8.                A Constituição Estadual limita as emendas parlamentares, com a seguinte regra:

“Art. 24. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, a Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 5º. Não será admitido o aumento da despesa prevista:

1 – nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º; (...)”.

9.                O preceito repete o quanto disposto no art. 63, I, da Constituição da República.

10.              Este panorama não indica que ao Poder Legislativo é vedada a inclusão em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo senão nos casos em que faltar pertinência temática ou houver aumento da despesa prevista (art. 24, § 5º, 1, Constituição Estadual), o que desabona a arguição de inconstitucionalidade porque a previsão controvertida não gera acréscimo à despesa originariamente prevista e nem falece pertinência temática.

11.              Cumpre enfatizar como destacado pelo Supremo Tribunal Federal que:

“(...) O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa. (...)” (RTJ 210/1.084).

“(...) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). Hipóteses que não se fazem presentes no caso dos autos. Vício de inconstitucionalidade formal inexistente. (...)” (STF, ADI 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, 13-10-2010, v.u., DJe 24-02-2011).

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PODER DE EMENDA PARLAMENTAR: PROJETO DE INICIATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: TETO. C.F., art. 96, II, b. C.F., art. 37, XI. I. - Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30.09.93; ADIn 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, ‘DJ’ 14.12.90; ADIn 865-MA, Celso de Mello, ‘DJ’ 08.04.94. II. - Remuneração dos servidores do Poder Judiciário: o teto a ser observado, no Judiciário da União, é a remuneração do Ministro do S.T.F. Nos Estados-membros, a remuneração percebida pelo Desembargador. C.F., art. 37, XI. III. - R.E. não conhecido” (STF, RE 191.191-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 12-12-1997, v.u., DJ 20-02-1998, p. 46).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AUMENTO DE DESPESA. 1. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondente ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, 12 anos. 2. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de 15 para 12 anos. 3. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, ‘a’ e ‘c’ combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto. 4. Se a norma impugnada for retirada do mundo jurídico, desaparecerá qualquer limite para a concessão da complementação de aposentadoria, acarretando grande prejuízo às finanças do Município. 5. Inteligência do decidido pelo Plenário desta Corte, na ADI 1.926-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 6. Recurso extraordinário conhecido e improvido” (RTJ 194/352).

“(...) Não havendo aumento de despesa, o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, mas esse poder não é ilimitado, não se estendendo ele a emendas que não guardem estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo pelo Executivo e que digam respeito a matéria que também é da iniciativa privativa daquela autoridade. (...)” (STF, ADI 546-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 11-03-1999, m.v., DJ 14-04-2000, p. 30).

12.              A Suprema Corte reconhece a validade de leis cujas emendas parlamentares não ultrapassaram a pertinência temática objetiva e não resultaram aumento de despesa prevista:

“Servidores da Câmara Municipal de Osasco: vencimentos: teto remuneratório resultante de emenda parlamentar apresentada a projeto de lei de iniciativa reservada ao Poder Executivo versando sobre aumento de vencimentos (L. mun. 1.965/87, art. 3º): inocorrência de violação da regra de reserva de iniciativa (CF/69, art. 57, parág. único, I; CF/88, art. 63, I)). A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar desde que pertinente à matéria da proposição e não acarrete aumento de despesa: precedentes” (STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004, m.v., DJ 12-11-2004, p. 06).

13.              Também não procede a ação sob o prisma dos arts. 180, V e 181 da Constituição Estadual.

14.              O inciso V do art. 180 da Constituição Estadual ao invocar no desenvolvimento urbano a observância de normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida, não torna obrigatória a existência de planejamento técnico prévio e, ademais, a prospecção em torno da compatibilidade ou não da norma local com esse parâmetro afigura-se, na espécie, inviável por demandar o seu cotejo com o direito infraconstitucional e empenhar o exame de questão de fato, o que é impossível em sede de controle objetivo de constitucionalidade.

15.              Idêntica premissa se estabelece ao art. 181, caput, da Constituição Estadual, que impõe a conformidade com o plano diretor da legislação municipal sobre zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas.

16.              Aliás, esses parâmetros não tem o alcance de impedir o exercício do poder de emendamento conferido aos parlamentares.

17.              Tampouco é cogitável violação à competência normativa federal ou à livre concorrência.

18.              Condicionamentos à liberdade econômica são admissíveis no sistema constitucional brasileiro, competindo ao Município no âmbito da predominância do interesse local (art. 30, I, Constituição de 1988) inerente à polícia de construções e de estabelecimentos comerciais, ao zoneamento, e ao uso e ocupação do solo urbano estabelecer providências normativas como a de fixar distância mínima entre postos revendedores de combustíveis.

19.              Neste sentido enuncia a jurisprudência:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO MUNICÍPIO PARA FIXAR A DISTÂNCIA ENTRE POSTOS DE REVENDA DE COMBUSTÍVEIS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (STF, ED-RE 566.836-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 30-06-2009, m.v., 14-08-2009).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO MUNICÍPIO PARA FIXAR A DISTÂNCIA ENTRE POSTOS DEREVENDA DE COMBUSTÍVEIS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RT 889/199).

“Município: competência: Lei municipal que fixa distanciamento mínimo entre postos de revenda de combustíveis, por motivo de segurança: legitimidade, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal (v.g. RE 204.187, 2ª T., Ellen Gracie, DJ 2.4.2004; RE 204.187, 1ª T., Ilmar Galvão, DJ 5.2.2000)” (STF, RE 199.101-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14-06-2005, m.v., DJ 30-09-2005, p. 24).

20.              A adoção da distância fixada na norma não se revela desproporcional. O efeito da norma administrativa, de ordem pública, é imediato e não tolhe o livre exercício de atividade econômica. Novos estabelecimentos, para obtenção da competente licença de localização e funcionamento, deverão observar a restrição normativa, vedando-se apenas o efeito retroativo.

21.              A norma afina-se com o interesse público na medida em que evita a concentração de estabelecimentos do ramo em uma mesma região, impondo a atomização mais vantajosa ao consumidor.

22.              Opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 05 de abril de 2013.

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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