Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0276289-73.2012.8.26.0000
Requerente:
Prefeito Municipal de Sorocaba
Requerido:
Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 10.298, de 09 de outubro de 2012, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre implantação de temporizadores nos semáforos equipados com radares e dá outras providências”.
2) A instituição de programas e serviços administrativos, por órgãos do Poder Executivo, é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional lei de iniciativa parlamentar, maculada ainda pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da Constituição Estadual).
3) Disciplinar forma de funcionamento de semáforos é matéria de competência privativa do Executivo, que por seu órgão executivo de trânsito, tem o poder de regulamentar e operar o trânsito de veículos, implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário.
4) Violação do princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado). Procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial
Senhor Desembargador
Relator
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade,
tendo como alvo a Lei nº 10.298, de 09 de outubro de 2012, do Município de
Sorocaba, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe
sobre implantação de temporizadores nos semáforos equipados com radares e dá
outras providências”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por conter vício de iniciativa e violação do princípio da separação dos poderes. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos arts. 5º e 144, da Constituição Estadual.
Foi deferido o pedido de liminar para suspender, com eficácia ex nunc, a vigência do ato normativo impugnado.
Citado regularmente (fl. 66), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 68/69).
Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações, defendendo a validade do ato normativo impugnado, (fls. 71/75).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.
Procede o pedido.
A Lei nº 10.298, de 09 de outubro de 2012, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após derrubada do veto do executivo, tem a seguinte redação:
Art.
1º Fica obrigado a instalação de temporizadores nos semáforos que contarem com
radares detectores de avanço do sinal vermelho no município de Sorocaba.
Parágrafo
único. Nos mesmos locais de que trata o “caput” também serão instalados
temporizadores para pedestres.
Art.
2º O custo com implantação dos temporizadores será arcado pela receita de
multas de trânsito pagas pelos condutores.
Art.
3º As despesas com as execuções da presente Lei correrão por conta de verba
orçamentária própria.
Art.
4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Verifica-se que a Lei Municipal impugnada determina a instalação de temporizadores nos semáforos da cidade que são equipados com radares.
O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, e art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5º - São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 – Compete privativamente ao
Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
II – exercer, com o auxílio dos
Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
XIV – praticar os demais atos de
administração, nos limites da competência do Executivo;
Art. 144 – Os Municípios, com
autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.”
A matéria disciplinada pela Lei
encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município, cuja direção
superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.
A providência determinada pela
lei é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de
gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais
coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder
Executivo e inserida na esfera do poder
discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita a disciplina legislativa. O poder Legislativo não pode
através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.
Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da determinação de instalação de temporizadores nos semáforos do Município, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da providência determinada pela lei. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e
art. 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável
na órbita municipal por obra de seu art. 144), por serem privativas do Chefe do
Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria de
gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo,
quando ele mesmo não pudesse discipliná-la por decreto nos termos do art. 47,
XIX da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao determinar providência administrativa, de um lado, viola o art. 47,
II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração
e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada
da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na
medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.
Importante ainda consignar que a matéria objeto da lei está relacionada, como se pode verificar da sua exposição de motivos, a fluidez e segurança no trânsito.
As regras de trânsito no âmbito municipal a este respeito, atendidas as regras gerais do Código de Trânsito Brasileiro, encontram-se na gestão administrativa da Cidade, privativa do Poder Executivo.
Nos termos do art.21, II, do Código de Trânsito Brasileiro, compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;
Regulamentar e operar o trânsito de veículos implica em disciplinar locais de instalação e forma de funcionamento de semáforos
De outro lado, a atividade de regulamentação da via – definida no Código de Trânsito Brasileiro (Anexo I - Dos conceitos e definições) como “implantação de sinalização de regulamentação pelo órgão ou entidade competente com circunscrição sobre a via, definindo, entre outros, sentido de direção, tipo de estacionamento, horários e dias” cabe ao órgão executivo de trânsito.
Neste sentido dispõe o Código de Trânsito Brasileiro ao estabelecer que:
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
(...)
II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;
III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;
Evidente que se trata de atribuição conferida a órgão do Poder Executivo, pela própria dicção do termo utilizado “órgão executivo de trânsito”, portanto, inviável sua regulamentação por iniciativa do Poder Legislativo.
Os problemas decorrentes do trânsito nas cidades exigem estudo e planejamento para a adequada solução dos transtornos que podem provocar aos munícipes, atividades relacionadas à gestão administrativa.
Por este motivo, cabe essencialmente ao Poder Executivo, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da instalação de temporizadores nos semáforos. Atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
De outro lado, e não menos importante, a lei local contestada colide frontalmente com o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
A norma combatida não indicou de forma adequada os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordena atividade nova na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a genérica menção à arrecadação de multas de trânsito e dotações orçamentárias próprias.
Diante
do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.298, de 09
de outubro de 2012, do Município de Sorocaba.
São Paulo, 20 de março de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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