Parecer
Processo n. 0276291-43.2012.8. 26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Sorocaba
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba
Ementa: Constitucional. Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.10.241, de 03 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar. Lei tributária benéfica. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Improcedência. Não há reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em matéria tributária. Competência concorrente. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 10.241, de 03 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba, que concedeu desconto de 5% (cinco por cento) do IPTU- Imposto Predial e Territorial Urbano, para os proprietários de imóveis que mantiverem suas calçadas arborizadas, sob alegação de ofensa aos arts. 5º, 25, 174 e 176, caput e inciso I, da Constituição Estadual (fls. 02/18).
O pedido de medida liminar foi indeferido (fl. 63). Contra referida decisão, o Prefeito Municipal interpôs agravo regimental (fls. 69/75), cujo provimento foi negado (fls. 84/87).
Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 90/101).
Citado regularmente, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 143/146).
É o relatório.
A ação é improcedente.
Com
efeito, a Lei n. 10.241, de 03 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba,
que “Dispõe sobre incentivo ao plantio e manutenção de árvores mediante
desconto no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e dá outras
providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica garantido o desconto
de 5% (cinco por cento) no IPTU, para os proprietários de imóveis que
mantiverem suas calçadas arborizadas.
Parágrafo Único. Deverá constar nos
carnês do IPTU, a frase: “Plante árvores e goze dos benefícios da Lei Municipal
nº...”.
Art. 2º - Para obter o desconto de
que trata o artigo anterior, o contribuinte deverá ter sua calçada arborizada
nas seguintes condições:
I- A espécie arbórea deverá estar em
perfeita condição de sanidade vegetal;
II- Para árvores plantadas em locais
sem fiação, o diâmetro do caule (tronco) à altura do peito (DAP) da árvore
deverá ter no mínimo de 15 cm de altura da copa mínima de 4 metros;
III- para cada árvore plantada sob
fiação, o diâmetro do caule (tronco) à altura do peito (DAP) da árvore deverá
ter no mínimo 10 cm e a altura da copa mínima de 3 metros;
Art. 3º - O desconto será concedido
mediante requerimento do proprietário junto com a foto da fachada do imóvel que
comprove a existência da árvore.
§1º - O desconto somente será
concedido ao contribuinte que cumprir integralmente as exigências desta Lei,
declarado por escrito o fiel cumprimento pelo proprietário.
§2º - A declaração do contribuinte,
não supre eventual fiscalização.
§3º - Em caso de corte, queda ou
remoção da árvore, o proprietário fica obrigado a comunicar o evento à
Prefeitura, perdendo o benefício no exercício seguinte ao evento.
Art. 4º - Na hipótese do contribuinte
por qualquer artifício, tentar burlar o disposto nesta Lei, sofrerá pena no
valor equivalente ao do IPTU integral.
Art. 5º - As despesas com a execução
da presente Lei correrão por conta das verbas próprias consignadas no
orçamento.
Art. 6º - Esta lei entra em vigor na
data de sua publicação”.
Em que pesem as argumentações que ensejaram a propositura da presente ação, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.
A legislação impugnada tem a natureza de norma tributária benéfica.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.
Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do orçamento.
Colhe-se, em recente acórdão, a comprovação dessa assertiva:
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).
Essa orientação tem apoio em Roque Antonio Carraza.
O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).
A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:
“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).
Os seguintes julgados comprovam essa assertiva:
“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA
MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO
EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao conceder desconto no valor do IPTU, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Por fim, não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa ao art. 174, da Constituição Estadual. Neste sentido:
“EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE
ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE
LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO.
IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO
PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem
sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os
membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre
matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz
à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III –
Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).
Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 27 de maio de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb