Parecer
Processo n. 0276316-56.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Sorocaba
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba
Ementa: Constitucional. Tributário. Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei n. 9.923, de 10 de janeiro de 2012, do
Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar. Lei tributária benéfica.
Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder
Executivo. Improcedência. Não
há reserva de iniciativa legislativa ao chefe do Poder Executivo em matéria
tributária. Competência concorrente. Ausência de constatação de
inconstitucionalidade. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 9.923, de 10 de janeiro de 2012, do Município de Sorocaba, que concedeu desconto de 10% (dez por cento) sobre o IPTU- Imposto Predial e Territorial Urbano, incidente sobre o imóvel onde as empresas certificadas pela norma ISSO 14001, se encontram instaladas, sob alegação de ofensa aos arts. 5º; 25; 111; 160, § 1º; 163, II e 174, da Constituição Estadual (fls. 02/16).
O pedido de medida liminar foi indeferido (fl. 68). Contra referida decisão, o Prefeito Municipal interpôs agravo regimental (fls. 74/79), cujo provimento foi negado (fls. 93/94).
Citado regularmente, o Senhor Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 86/89).
Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 97/107).
É o relatório.
A ação é improcedente.
Com
efeito, a Lei n. 9.923, de 10 de janeiro de 2012, do Município de Sorocaba, que
“Concede incentivo fiscal às empresas certificadas pela norma ISSO 14001 e dá
outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica concedido um incentivo fiscal às empresas
certificadas pela norma ISSO 14001, consistente num desconto de 10% (dez por
cento) sobre o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano incidente sobre o
imóvel onde se encontra instalada a empresa.
Art. 2º - Para a concessão do benefício de que trata esta
Lei, o interessado deve protocolizar o pedido junto à Prefeitura, acompanhado
da comprovação da certificação da ISSO 14001, até a data de 30 de setembro do
ano anterior àquele em que será concedido o benefício.
Parágrafo único. O incentivo será concedido anualmente,
mediante comprovação da manutenção da certificação por auditoria.
Art. 3º - As despesas com a execução da presente Lei correrão
por conta das verbas próprias consignadas no orçamento.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor em 1º de janeiro do ano em
que a estimativa da renúncia por ela acarretada tiver sido considerada na lei
orçamentária anual”
Em que pesem as argumentações que ensejaram a propositura da presente ação, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.
A legislação impugnada tem a natureza de norma tributária benéfica.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.
Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.
Colhe-se,
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).
Essa orientação tem apoio em Carraza.
O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).
A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da Constituição Federal e art. 24 da Constituição Estadual).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).
Os seguintes julgados comprovam essa assertiva:
“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA
MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO
EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao conceder desconto no valor do IPTU, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Por fim, não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa ao art. 174 da Constituição Estadual. Neste sentido:
“EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE
ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE
LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO.
IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO
PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem
sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os
membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre
matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz
à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III –
Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).
Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 24 de maio de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb