Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.0381614-08.2010.8.26.0000

Requerente: Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Santos

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 682, de 21 de maio de 2010, do Município de Santos, que obriga os estabelecimentos bancários e postos bancários avançados de atendimento a observarem a privacidade e a segurança dos usuários de seus serviços.

2.      Ilegitimidade da requerente. Entidade de classe de âmbito nacional. Legitimação, nos termos do art. 90, V, da Constituição Paulista, que abrange apenas “entidades sindicais ou de classe de atuação estadual ou municipal.” Precedentes do Col. STF.

3.      Impossibilidade de exame da norma à luz de parâmetros contidos na Constituição da República. Precedentes do STF.

4.      Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. Norma que não cria, diretamente, nenhum encargo para a administração pública (como criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços).

5.      Constitucionalidade da lei. Diploma que não interfere no sistema financeiro. Correta interpretação do art. 48, XIII, e do art. 192 da CR/88. Diploma editado no âmbito do interesse local (art. 30, I, da CR/88). Disciplina do poder de polícia municipal e do atendimento aos consumidores dos serviços bancários.

6.      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, tendo como alvo a Lei Municipal nº 682, de 22 de maio de 2010, do Município de Santos, que obriga os estabelecimentos bancários e postos bancários avançados de atendimento a observarem a privacidade e a segurança dos usuários de seus serviços.

 

 

A alegação de inconstitucionalidade assenta-se, supostamente: (a) na necessidade de criação ou alteração de cargos e funções dos serviços públicos da Administração Pública Indireta; (b) no acréscimo ou nova remuneração de servidores públicos ocupantes de cargos e funções de fiscalização, sem indicação da respectiva fonte de custeio; (c) na iniciativa parlamentar, considerando que a lei gera necessidade de reorganização ou reestruturação administrativa; (d) na existência de limitações constitucionais à competência legislativa dos Municípios em “matéria de segurança bancária e sistema financeiro nacional”; (e) na afronta ao ato jurídico perfeito, segurança jurídica, legalidade e irretroatividade da lei; (f) na contrariedade à proporcionalidade e à razoabilidade.

Aponta, assim, para a contrariedade ao disposto no art. 25, art. 47, II, c.c. o art. 144 da Constituição Paulista, bem como com relação aos seguintes dispositivos da Constituição da República: art. 1º; art. 2º; art. 5º, II, XXXVI, LIV e LV; art. 18; art. 37, caput; art. 48, XII; art. 61, § 1º, II, e; art. 144, § 8º; e art. 192.

Foi deferida a liminar (fl. 111v°).

Contra referida decisão o Prefeito do Município de Santos  interpôs agravo regimental (fls. 120/125), cujo provimento foi negado (fls. 130/133).

Irresignado, igualmente, com mencionada decisão, o Prefeito do Município de Santos, interpôs recurso extraordinário (fls. 187/193), cujo seguimento foi negado (fls. 286/287).

 

 

Foram juntadas informações da Câmara Municipal de Santos (fls. 313/319).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa em relação ao ato normativo impugnado (fls. 309/311).

Preliminarmente, deve a ação ser extinta sem exame do mérito, por falta de legitimidade da entidade requerente para mover ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual.

De acordo com o art. 90, V, da Constituição Paulista, são legitimadas para propor ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entidades de atuação local:

“(...)

Art. 90.

V – as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando o interesse jurídico no caso;

(...)”

A requerente é entidade de classe de âmbito nacional, como afirma expressamente na inicial, e nos termos do art. 1º de seu Estatuto Social.

Dessa forma, embora seja reconhecida sua legitimidade para propor ações diretas perante o Col. STF (por prever o art. 103, IX, da CR a iniciativa de “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”), não está ela, com a devida vênia, habilitada a figurar como autora no controle de constitucionalidade no plano estadual.

Esse raciocínio está calcado na simetria das questões jurídicas a serem examinadas no âmbito do controle de constitucionalidade feito pelo Col. STF, de um lado, e pelos tribunais estaduais, de outro: para o controle em face da Constituição da República, o art. 103, IX, legitima entidades de âmbito nacional; enquanto para o controle em face da Constituição do Estado, o art. 90, V, da Carta Paulista legitima entidades de âmbito municipal ou estadual.

Não faz sentido, dentro dessa sistemática constitucional - e considerando que as regras constitucionais não são compostas por palavras ou expressões inúteis – imaginar que uma entidade de âmbito nacional possa atuar no controle estadual, ou mesmo a situação inversa, ou seja, que uma entidade local (municipal ou estadual) possa atuar no controle nacional de constitucionalidade da lei.

É por essa razão que a jurisprudência do Col. STF é firme no sentido de só admitir a iniciativa, em ações diretas, de sindicatos ou entidades de classe se forem de âmbito nacional. Confira-se: ADI 3.153-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de 9-9-2005; ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de 19-12-2006; ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007; entre outros.

Ora, se o entendimento pacífico do Col. STF é de que só entidades de âmbito nacional podem propor ações diretas junto à Suprema Corte, é natural que, no plano do controle estadual só possam fazê-lo entidades de representação local (municipais ou estaduais).

 

Assim, será necessária a extinção do feito sem exame do mérito, por ilegitimidade da autora.

Caso não seja aceita a alegação de ilegitimidade da autora, no mérito, a ação não deverá ser acolhida.

Em que pese a bem elaborada argumentação contida na inicial, não se apresenta inconstitucionalidade material ou formal no diploma impugnado.

A Lei Municipal nº 682, de 21 de maio de 2010, do Município de Santos, que obriga os estabelecimentos bancários e postos bancários avançados de atendimento a observarem a privacidade e a segurança dos usuários de seus serviços, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º As agências bancárias e os postos bancários avançados de atendimento em estabelecimentos comerciais situados no Município ficam obrigados a proporcionar atendimento reservado a seus clientes, nos caixas onde haja movimentação de valores.

Parágrafo único- O local destinado aos usuários que aguardam atendimento deverá ser visualmente isolado dos caixas de atendimento mencionados no “caput” deste artigo.

Art. 2º - As instituições bancárias deverão adaptar as suas agências e postos bancários avançados de atendimento no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da publicação desta lei complementar.

Parágrafo Único. A inobservância do prazo denominado no “caput” deste artigo implicará na aplicação das seguintes sanções:

I- Multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) retroativa à data em que se escoe o prazo para que os estabelecimentos bancários se adaptem à presente lei complementar;

II – No caso de reincidência, a multa diária passará a ser de R$ 400,00 (quatrocentos reais), a ser cobrada retroativamente a partir da expedição da multa anterior;

III- No caso de nova reincidência, a agência bancária ou posto de atendimento sofrerá a cassação do alvará de funcionamento.

Art. 3º - Essa lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente.                                  Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

(...)”

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

 

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Mas não é só.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal ora questionada impôs obrigações às instituições financeiras e não ao Município.

Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal.

E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

 

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível, como sustentou a autora na inicial, a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

A exigência, prevista na lei em exame, de atendimento reservado para clientes de agências bancárias e postos de atendimento bancários  avançados, dirige-se às instituições financeiras, e não ao Poder Público local. São aquelas, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.

Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia a negar vigência ao art. 48, caput, da CR/88, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I, da CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local. Será necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Acrescente-se que afirmar que haverá aumento de despesas sem indicação de receita, no quadro delineado no caso em exame, implicará exame de situação de fato, o que é vedado em sede de controle de constitucionalidade.

Note-se também que o art. 125, § 2º, da CR apenas autoriza a Constituição do Estado a regular a ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual. E, tratando-se de processo objetivo, a cognição do tribunal é limitada ao confronto entre o texto infraconstitucional e a Constituição, sem exame de questões de fato.

Assim, admitir o exame de questão de fato em ação direta, nesse caso, significará contrariedade ao art. 125, § 2º, da CR, o que se afirma para fins de prequestionamento.

Ademais, há ainda outras considerações a fazer.

 

 

É necessário observar, inicialmente, a impossibilidade, na ação direta de inconstitucionalidade estadual, de adoção de dispositivos da Constituição da República como parâmetros para o controle abstrato.

Foi por essa razão que na ADI 347/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/09/2006 (DJ 20/10/2006) foi declarada a inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo, que permitia a adoção de parâmetro constitucional federal no controle de constitucionalidade estadual. Eis a ementa do julgado:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente.

(...)”

 

 

Nada obstante, por apego ao debate, cabe-nos, com a devida vênia, refutar a alegação de inconstitucionalidade da lei por inexistente contrariedade à Constituição da República.

A atual redação do art. 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro nacional, decorre da dicção que lhe foi conferida pela EC nº 40/03, de sorte que nele permaneceu o caput, mas foram eliminados (revogados) os respectivos incisos e parágrafos.

Ainda que assim não fosse, mesmo o antigo (ora revogado) inciso IV do art. 192 da Constituição Federal não renderia ensejo à conclusão de que a lei aqui examinada seria inconstitucional. Tal inciso apenas previa que a lei complementar deveria dispor sobre “a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas.

Daí não seria possível extrair que os Municípios não pudessem editar leis afetando de algum modo os procedimentos de atendimento ao público por parte de instituições financeiras.

Também não se chegaria a conclusão diferente, consultando a Lei Federal nº 7.102/83, que “Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências”, sob o argumento, utilizado na inicial, que o exercício da competência federal de fixação de normas gerais pelo legislador federal geraria “bloqueio de competência” do legislador estadual e do municipal nessa matéria.

 

 

A Lei Federal nº 7.102/83 apresenta dispositivos que interessam ao exame realizado neste feito e seguem transcritos:

“(...)

Lei Federal nº 7102/83.

(...)

Art.1º. É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei. (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

 §1º. Os estabelecimentos financeiros referidos neste artigo compreendem bancos oficiais ou privados, caixas econômicas, sociedades de crédito, associações de poupança, suas agências, postos de atendimento, subagências e seções, assim como as cooperativas singulares de crédito e suas respectivas dependências. (Renumerado do parágrafo único com nova redação, pela Lei nº 11.718, de 2008)

§2º. O Poder Executivo estabelecerá, considerando a reduzida circulação financeira, requisitos próprios de segurança para as cooperativas singulares de crédito e suas dependências que contemplem, entre outros, os seguintes procedimentos: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

I – dispensa de sistema de segurança para o estabelecimento de cooperativa singular de crédito que se situe dentro de qualquer edificação que possua estrutura de segurança instalada em conformidade com o art. 2º desta Lei; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

II – necessidade de elaboração e aprovação de apenas um único plano de segurança por cooperativa singular de crédito, desde que detalhadas todas as suas dependências; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

III – dispensa de contratação de vigilantes, caso isso inviabilize economicamente a existência do estabelecimento.  (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

§3º. Os processos administrativos em curso no âmbito do Departamento de Polícia Federal observarão os requisitos próprios de segurança para as cooperativas singulares de crédito e suas dependências. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

 Art.2º. O sistema de segurança referido no artigo anterior inclui pessoas adequadamente preparadas, assim chamadas vigilantes; alarme capaz de permitir, com segurança, comunicação entre o estabelecimento financeiro e outro da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo; e, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos:

I - equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes;

II - artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e

III - cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento.

(...)

 Art. 6º. Além das atribuições previstas no art. 20, compete ao Ministério da Justiça: (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

I - fiscalizar os estabelecimentos financeiros quanto ao cumprimento desta lei; (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

II - encaminhar parecer conclusivo quanto ao prévio cumprimento desta lei, pelo estabelecimento financeiro, à autoridade que autoriza o seu funcionamento; (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

III - aplicar aos estabelecimentos financeiros as penalidades previstas nesta lei.

Parágrafo único. Para a execução da competência prevista no inciso I, o Ministério da Justiça poderá celebrar convênio com as Secretarias de Segurança Pública dos respectivos Estados e Distrito Federal. (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

(...)”

Como se percebe, a Lei Federal nº 7.102/83, especialmente nos dispositivos acima transcritos, trata de requisitos e aspectos relacionados aos padrões básicos do sistema de segurança dos estabelecimentos bancários.

Essa matéria, de fato, exige tratamento uniforme em todo o território nacional, e, por isso, teria mesmo que estar disciplinada em lei federal.

Não é o que ocorre, entretanto, como será visto a seguir, no que diz respeito às regras relacionadas ao atendimento ao consumidor de serviços bancários e ao exercício do poder de polícia do Município, que podem ser veiculadas por meio de lei municipal.

Como é cediço, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os temas de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais nessa matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

 

 

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante.

A propósito, confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros.

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados, bem como ao exercício do poder de polícia nos Municípios (art. 30, I, da CR/88).

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

Oportuno ainda transcrever a seguinte ementa:

(...)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

 No julgado acima, ao emitir seu voto, o i. Min. Relator, Eros Grau, formulou as seguintes ponderações:

“(...)

Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o   Município exerceu competência a

 

ele atribuída pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art. 22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art. 48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.

(...)”

Há outros julgados, nesse mesmo sentido, tanto do Colendo STJ como do Colendo STF. Confira-se:

“(...)

3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).

“(...)

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).

(...)”

 

Por identidade de razões, os precedentes do Colendo STF são aplicáveis ao caso em exame.

Acrescente-se que, em outros casos, o Colendo STF reconheceu diretamente a competência dos Municípios para legislar quando está em jogo o exercício do poder de polícia relativo ao uso das edificações urbanas, bem como quanto ao estabelecimento de diretrizes de atendimento aos clientes de instituições financeiras, inclusive no aspecto relacionado à segurança. Confira-se:

“(...)

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município. Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).

(...)

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

(...)”

É irrelevante, para o funcionamento da instituição e do próprio sistema financeiro (este sim objeto de lei federal), a previsão, em lei municipal, de instalação de isolamento ou atendimento reservado para clientes.

 

 

A lei, ao criar melhores condições de segurança em agências bancárias, a rigor diz respeito apenas à qualidade do atendimento ao consumidor dos serviços bancários, e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes.

Esse aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

Entendimento diverso significará contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 30, I, art. 48 XIII, art. 192 red. EC nº 40/03, CR/88), sendo necessário que esse E. Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Por último e não menos importante, é necessário consignar que a argumentação contida na inicial com relação à suposta violação de outros dispositivos constitucionais (art. 1º, art. 5º, II, XXXVI, LIV e LV, art. 37, caput, art. 144, § 8º, todos da CR/88), nada obstante o esmero do ilustre patrono que a subscreveu, não resiste à crítica no sentido da impossibilidade de seu acolhimento.

Reitere-se, ainda uma vez, que não é possível o acolhimento da alegação de inconstitucionalidade, em sede de ação direta estadual, com amparo em parâmetros constitucionais federais.

Mas não é só.

Anote-se, por apego ao debate, que não há qualquer ofensa ao ato jurídico perfeito, à segurança jurídica, à legalidade, à irretroatividade da lei, ou mesmo contrariedade à proporcionalidade e à razoabilidade.

O só fato de as instituições financeiras que atuam no Município terem obtido autorização para funcionamento em determinado momento, não significa que a legislação não possa ser alterada para passar a exigir o cumprimento de outros requisitos, aos quais tais entidades devam se adaptar para que continuem a funcionar.

Aliás, tal fenômeno – alteração legislativa e necessidade de submissão de todos aos novos desígnios legislativos – ocorre diariamente, em todos os campos da atividade, seja ela pública ou privada, sem que seja possível vislumbrar em tal circunstância qualquer motivo para perplexidade, ou mesmo, diretamente, ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido, ou à segurança jurídica.

Ademais, a autorização para funcionamento de certa atividade é ato unilateral e precário por excelência. Se a lei passa a exigir novos requisitos, e fixa prazo para adaptação, é necessária a observância dos novos parâmetros sob pena da incidência das consequências previstas no ato normativo (sanções, cassação da autorização, etc.).

Acrescente-se que a experiência comum de qualquer cidadão permite concluir, sem maior dificuldade, que a imposição de tapumes, biombos ou estruturas similares, localizados de forma a impedir a visualização pelos demais clientes das operações financeiras realizadas pelos clientes que estão nos caixas de atendimento pessoal situados no interior das agências e postos, isolando-os e preservando a intimidade e a segurança destes clientes após terem realizado suas operações bancárias não gerará gastos excessivos ou mesmo transtornos extraordinários que inviabilizem a atividade desenvolvida em tais instituições.

É público e notório que as instituições financeiras desenvolvem atividade que lhes assegura sólida situação no que diz respeito aos lucros decorrentes dos serviços por elas prestados. Não nos parece inadequada, excessiva, ou arbitrária, de sorte a caracterizar ofensa à razoabilidade ou à proporcionalidade, a exigência legislativa que impõe providência mínima e, com a devida vênia, até mesmo simples que visa, singelamente, melhorar a condição de atendimento dos clientes dos serviços bancários.

Por último e não menos importante, o Col. Órgão Especial já reconheceu a constitucionalidade de lei municipal que disciplinou questões relativas à segurança de agências bancárias situadas no Município.

Trata-se do julgamento da ADI 0422133-25.2010.8.26.0000, em 02 de fevereiro de 2011, relator Des. Ruy Coppola, com a seguinte ementa:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal de Nova Odessa. Obrigação de instalação de sistema   de   monitoramento por câmeras de vídeo

 

nas instituições bancárias do Município, disciplinando penalidades na hipótese de descumprimento. Alegação de afronta a dispositivos da Constituição Estadual e Federal. Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança, pela não interferência com as normas constitucionais que regulam as instituições financeiras. Precedentes do STF no sentido da competência do Município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar dispositivos de segurança em suas agências. Matéria de interesse local. Legitimidade do Município para legislar sobre o tema, limitando-se a disciplinar assunto de interesse municipal, com objetivo de proporcionar proteção à coletividade consumidora. Ação improcedente.

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da extinção do feito sem exame do mérito, por ilegitimidade da entidade autora.

Caso seja afastada a preliminar, a solução será a improcedência da ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 682, de 21 de maio de 2010, do Município de Santos.

 

São Paulo, 18 de março de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

vlcb