Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº. 2004618-66.2014.8.26.0000/50001
Requerente: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP
Requerido: Prefeito e Câmara
Municipal de São Sebastião
Constitucional. Tributário. Processo civil. Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 167, de 26 de setembro de
2013, do Município de São Sebastião. Reajuste valor venal dos imóveis.
Preliminar. Ilegitimidade de parte.
Mérito. Limites de cognoscibilidade no contencioso de constitucionalidade.
Processo legislativo. Sessão legislativa. Capacidade contributiva. Proibição de
confisco. Matéria de fato dependente de prova. 1. Ilegitimidade do autor, a quem não
interessa o provimento almejado. Pertinência temática não demonstrada. Não atende ao
requisito da pertinência temática mero interesse indireto ou econômico, sem
ligação imediata e direta com o escopo institucional da entidade sindical. 2. O
contencioso objetivo de constitucionalidade de lei municipal tem como parâmetro
exclusivo a Constituição Estadual, ainda que reproduza ou remeta à Constituição
Federal, sendo inadmissível o contraste com o direito infraconstitucional, como
ocorre na alegação de irregularidade (formal) no processo legislativo por
descumprimento de normas regimentais ou nas demais arguições envolvendo a Lei
Orgânica do Município e o Código Tributário Municipal. 3. Deliberação legislativa que não vulnera o art. 9º, § 6º, CE/89. 4. Não sendo evidentes do texto
normativo, a violação da capacidade contributiva e da proibição do confisco é
matéria de fato dependente de prova, incabível na via estreita do controle
abstrato de constitucionalidade. 5.
Extinção do processo sem resolução do mérito.
Eminente Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo - FIESP, dos arts. 4º e 10 e Anexos I e II da Lei
Complementar nº 167 de 26 de setembro de 2013, do Município de São Sebastião,
que “Altera a Lei n.º 1.317/98 e atualiza a listagem de valores para o efeito
de cálculo do IPTU.”
2. Sustenta o autor que os preceitos
impugnados violam os princípios da legalidade, moralidade, razoabilidade,
motivação, capacidade contributiva e vedação do efeito confiscatório. Isto
porque “A nova Lei impôs aumentos que vão até 1.324% nos valores venais dos
terrenos dos imóveis do município (doc. 4), o que gerará, de modo reflexo,
aumento no valor da apuração do imposto a pagar”, referindo-se ao IPTU.
Outrossim, afirma que a aprovação do projeto de lei em sessão extraordinária
afrontou a Lei Orgânica do Município.
3. O
pedido de suspensão liminar das normas impugnadas foi deferido, mas
posteriormente revogado, em sede juízo de retratação (fls. 1.357/1.368).
4. A
Prefeitura Municipal prestou informações, defendendo a constitucionalidade dos
dispositivos questionados e em preliminar suscita a ilegitimidade de parte,
ante a ausência de pertinência temática (fls. 660/703).
5. A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 652/655).
6. A
Câmara Municipal, por sua vez, manifestou-se às fls. 946/956, em defesa das
normas impugnadas.
7. É
o relatório.
8. Preliminarmente, vislumbra-se, de
fato, a ilegitimidade de parte ativa. A
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP tem seus objetivos
delineados no art. 2º do seu estatuto, que assim se encontra redigido:
“Artigo 2º - São objetivos e
prerrogativas da FIESP:
I –
representar as categorias nela compreendidas, defendendo seus direitos e
legítimos interesses;
II –
eleger ou designar representantes das categorias econômicas que congrega;
III
– atuar como órgão técnico e consultivo, no estudo e solução dos problemas que
se relacionam com as categorias econômicas representadas;
IV –
manter serviços técnicos de interesse das categorias econômicas representadas;
V –
dirimir por meios suasórios, sempre que solicitada, os dissídios ou litígios
concernentes às atividades econômicas representadas pelos sindicatos assim
como, solucioná-los por meio de juízo arbitral, podendo constituir órgão
especialmente destinado a essa finalidade;
VI –
representar as empresas inorganizadas em sindicato, nos dissídios coletivos,
firmando acordos ou convenções coletivas de trabalho;
VII
– administrar e dirigir, nos termos dos atos normativos pertinentes, o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e o Serviço Social da Indústria –
SESI e atividades assemelhadas, na base territorial do Estado de São Paulo;
VIII
– impor contribuições aos sindicatos filiados;
IX –
receber os recursos provenientes de quotas-partes de contribuições livre ou
legalmente estabelecidas;
X –
propor medidas judiciais de natureza coletiva na defesa dos interesses de seus
filiados.”
9. Nota-se
que não há pertinência temática entre as finalidades estatutárias da entidade e
o conteúdo da norma questionada, não sendo possível aferir de que forma esta
atinge os interesses dos representados.
10. Acerca
dessa questão, o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu
que: ‘são três os critérios para aferir a legitimidade ativa especial da
entidade de classe: a representatividade adequada, mediante homogeneidade de
seus membros; o objetivo institucional classista uno; e a pertinência temática
que se avalia pelo ajustamento entre os fins a que se propõe a entidade e o
conteúdo da lei.’ (ADI 994.09.229236-7, Rel. Des. ARTUR MARQUES, j. em
4/8/2010).
11. Registre-se
que “é preciso que haja uma relação lógica entre a questão versada na lei ou
ato normativo a ser impugnado e os objetivos sociais da entidade requerente.
Vale dizer: a norma contestada deverá repercutir direta ou indiretamente sobre
a atividade profissional ou econômica da classe envolvida, ainda que só parte dela
seja atingida” (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no
Direito Brasileiro. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p.168).
12.
Com efeito, não estará cumprido o requisito da pertinência temática, que se
completa com a demonstração genérica de que o provimento jurisdicional almejado
atende a interesse dos associados que a entidade se propõe a defender.
13. As normas censuradas inovam a
legislação tributária do Município sem reflexo direto e imediato na categoria
representada, ligada à produção industrial.
14. Não atende ao requisito específico
mero interesse indireto ou econômico, sem ligação imediata e direta com o
escopo institucional da entidade sindical, como julgado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL (CSPB) - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA ‘AD CAUSAM’ POR FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA - INSUFICIÊNCIA, PARA TAL EFEITO, DA MERA EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE CARÁTER ECONÔMICO-FINANCEIRO - HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. - O requisito da pertinência temática - que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato - foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa ‘ad causam’ para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Precedentes” (STF, ADI-MC 1.157-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-12-1994, m.v., DJ 17-11-2006, p. 47).
15. Destarte, opino pela extinção do processo sem resolução
do mérito.
16. No mérito, a
ação merece ser julgada improcedente.
17. O contencioso objetivo de constitucionalidade de lei
municipal tem como parâmetro exclusivo a Constituição Estadual, ainda que
reproduza ou remeta à Constituição Federal, sendo inadmissível o contraste com
o direito infraconstitucional, como ocorre, in
casu, na alegação de irregularidade (formal) no processo legislativo por
descumprimento de normas regimentais ou nas demais arguições envolvendo a Lei
Orgânica do Município e o Código Tributário Municipal.
18. Observa-se que a Constituição
Estadual, em seu artigo 9º, § 6º, não restringe a realização de sessão
extraordinária apenas ao recesso legislativo. Vejamos:
Artigo 9º - O Poder
Legislativo é exercido pela Assembleia Legislativa, constituída de Deputados,
eleitos e investidos na forma da legislação federal, para uma legislatura de
quatro anos.
§ 1º - A Assembleia
Legislativa reunir-se-á, em sessão legislativa anual, independentemente de
convocação, de 1º de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de
dezembro.
§ 2º - No primeiro ano da
legislatura, a Assembleia Legislativa reunir-se-á, da mesma forma, em sessões
preparatórias, a partir de 15 de março, para a posse de seus membros e eleição
da Mesa.
§ 3º - As reuniões marcadas
para as datas fixadas no § 1º serão transferidas para o primeiro dia útil
subsequente, quando recaírem em sábado, domingo ou feriado.
§ 4º - A sessão legislativa
não será interrompida sem aprovação do projeto de lei de diretrizes
orçamentárias e sem deliberação sobre o projeto de lei do orçamento e sobre as
contas prestadas pelo Governador, referentes ao exercício anterior.
§ 5º - A convocação
extraordinária da Assembleia Legislativa far-se-á:
1 - pelo Presidente, nos
seguintes casos:
a) decretação de estado de
sítio ou de estado de defesa que atinja todo ou parte do território estadual;
b) intervenção no Estado ou
em Município;
c) recebimento dos autos de
prisão de Deputado, na hipótese de crime inafiançável.
2 - pela maioria absoluta
dos membros da Assembleia Legislativa ou pelo Governador, em caso de urgência
ou interesse público relevante.
§ 6º - Na sessão legislativa
extraordinária, a Assembleia Legislativa somente deliberará sobre a matéria
para a qual foi convocada, vedado o pagamento de parcela indenizatória de valor
superior ao subsídio mensal”.
19. Esse parâmetro reproduz, guardadas
as devidas proporções, o quanto dispõe o art. 57 da Constituição Federal. A
cronologia do processo legislativo demonstra que ele ocorreu dentro da sessão
legislativa extraordinária, sendo os parlamentares convocados com antecedência
e, em razão de interesse público relevante, nos termos do § 1º do art. 9º da
Constituição Estadual.
20. A inconstitucionalidade material da
lei é arrimada na arguição de ofensa aos arts. 145, § 1º, e 150, IV, da
Constituição Federal, que tratam da capacidade contributiva e da proibição do
confisco em matéria tributária, e são reproduzidos nos arts. 160, § 1º, e 163, II
e IV, da Constituição Estadual.
21. Assim
dispõem as normas impugnadas:
“Art.
4º. Fica alterado o artigo 38 da Lei nº 1.317/98, cuja nova redação passa a
ser:
‘Art.
38. O valor venal do terreno resultará da multiplicação de sua área total pelo
correspondente valor unitário de metro quadrado do terreno, constante da
listagem de valores, e pelos fatores de profundidade, gleba e ambiental,
aplicáveis conforme as características do imóvel.’
Art.
10. A listagem de valores, que estipula os valores unitários do metro quadrado
de terreno para o efeito de cálculo e lançamento do IPTU, fica atualizada
conforme consta do Anexo II desta lei.”
22. Observa-se
que os dispositivos legais, de per si
não aumentam o valor do IPTU diretamente, mas revisam seu valor de forma
indireta.
23. Quanto
ao reajuste dos valores do metro quadrado do terreno para efeito de cálculo e
lançamento do IPTU (atualizado de acordo com o que consta no Anexo II), trata-se
de matéria que exige o exame de questões de fato, não parecendo, a princípio,
existir violação a preceitos constitucionais.
24. Note-se
que as porcentagens elencadas pela requerente correspondem à simples
atualização do valor venal dos imóveis, não se tratando, portanto de aumento.
25. Sobre
o tema, é pacífico o entendimento nos tribunais pátrios:
“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 160/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a
majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto
atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária. 2. Não
há que se confundir a simples atualização
monetária da base de cálculo do
imposto com a majoração da própria base
de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art.
97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a
segunda somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. Incidência da Súmula 160/STJ: ‘é defeso, ao município,
atualizar o IPTU, mediante
decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.’ Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 66849/MG – Segunda Turma – Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS – Julgamento: 06/12/2011).
26. Não sendo evidente do texto normativo, a pesquisa sobre
a incompatibilidade da lei local, que depende da análise de parâmetros que envolvem
a análise de matéria de fato, torna-se inviável o controle concentrado de
constitucionalidade, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“A ação direta não pode ser
degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da
ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse
meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja
realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade
deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação
desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle
normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas
infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento
exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade
constitucional do ato questionado” (RTJ 147/545).
27. Face
ao exposto, opino pelo acolhimento da preliminar de ilegitimidade de parte ativa,
com a extinção do processo sem a resolução do mérito e, caso vencida a
preliminar, pela improcedência da presente ação.
São Paulo, 04 de abril de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj