Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2005269-98.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Poá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Poá

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.647, de 12 de setembro de 2013, do Município de Poá, de iniciativa parlamentar. Implantação de rua de lazer. Separação de poderes. Reserva da Administração. Procedência. Lei local, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre criação de rua de lazer, padece de inconstitucionalidade porque a gestão do patrimônio público e a disciplina do uso de bens públicos e do trânsito local são assuntos da administração ordinária do Município, estando no círculo da reserva da Administração, consistente nas matérias que são da alçada privativa do Chefe do Poder Executivo, imunes à intervenção do Poder Legislativo (arts. 5º e 47, II e XIV, CE/89).

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 3.647, de 09 de novembro de 2013, do Município de Poá, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a criação de rua de lazer, sob alegação de ofensa aos arts. 5º, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual (fls. 01/14).

Concedida liminar (fls. 55/56), o douto Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 64/66) e as informações defenderam a constitucionalidade da norma (fls. 71/77).

É o parecer.

É procedente a ação.

A Lei 3.647, de 09 de novembro de 2013, do Município de Poá, assim dispõe:

Art. 1º - Fica denominada oficialmente de RUA DE LAZER, trecho da Rua Maria Sanches Gombogi, localizada no Jardim Madre Ângela neste Município.

Art. 2º - A Rua será fechada aos sábados, domingos e feriados, das 8:00 às 17:00 horas.

(...)

A gestão do patrimônio público e a disciplina do uso de bens públicos e do trânsito local são assuntos da administração ordinária do Município, estando no círculo da reserva da Administração, consistente nas matérias que são da alçada privativa do Chefe do Poder Executivo, imunes à intervenção do Poder Legislativo, e que emana dos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo.

A divisão funcional do poder (separação de poderes) é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia da repartição das funções estatais e sua entrega a órgãos que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

 

Como consequência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

 

Daí também decorre uma série de mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções ao lado da fixação estática de competências próprias, como observa a doutrina:

“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).

(...)

A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

        

No caso, a lei local invadiu a reserva da Administração disciplinando assunto que não se insere no feixe de suas competências.

Manifesta-se, assim, pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Municipal n º 3.647, de 12 de setembro de 2013.

 

São Paulo, 24 de março de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

    Jurídico

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