Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 2006089-20.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto

 

 

Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 11.425, de 19 de dezembro de 2013, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que condiciona a aprovação do “habite-se” para residências e a concessão de alvarás para estabelecimentos comerciais, à instalação de lixeiras, e dá outras providências relacionadas. Inexistência de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo ou de reserva da Administração. Improcedência. 1. Lei, de iniciativa parlamentar, que torna obrigatória para todas as residências e estabelecimentos comerciais a instalação de lixeiras, como condição à aprovação do “habite-se” e à concessão de alvará de funcionamento. 2. Objeto da lei que não revela reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, §2°, CE/89), mas, iniciativa comum ou concorrente, por ser a reserva taxativamente instituída, e tampouco ofende a reserva da Administração (art 47, CE/89). 3.Inexistência de ofensa à regra da separação dos poderes (art. 5°, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Estadual). Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº 11.425, de 19 de dezembro de 2013, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que “Altera o caput do artigo 1º e acrescenta os parágrafos 1º e 2º na Lei Municipal nº 9892 de 16 de maio de 2007, que institui a obrigatoriedade de lixeira suspensa em residências e estabelecimentos comerciais e estabelece a altura da mesma”.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar, violou a regra da separação de poderes, por interferir diretamente na gestão das atividades administrativas do Município. Aponta para a violação do art. 5º, art. 47, II, e art. 144, da Constituição Paulista, art. 29 da Constituição Federal e 2º da Lei Orgânica do Município.

Foi deferida liminar para suspender a eficácia do ato normativo impugnado (fls. 24/26).

Citado, o Procurador-Geral do Estado declinou da possibilidade de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 44/46).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.32/42).

É o relato do essencial.

O pedido não procede.

A princípio, é de se apontar que a análise de eventual colisão da lei local com dispositivos da Lei Orgânica do Município é insuscetível nesta via, pois o contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, ainda que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

Cabe-nos, dessa forma, examinar a quaestio iuris à luz de disposições da Constituição do Estado de São Paulo.

A Lei Municipal nº 11.425, de 19 de dezembro de 2013, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que, conforme a respectiva rubrica, “Altera o caput do artigo 1º e acrescenta os parágrafos 1º e 2º na Lei Municipal nº 9892 de 16 de maio de 2007, que institui a obrigatoriedade de lixeira suspensa em residências e estabelecimentos comerciais e estabelece a altura da mesma”, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - O artigo 1º da lei nº 9892, de 16 de maio de 2007, passa a vigorar com nova redação, acrescido dos parágrafos 1º e 2º:

‘Art. 1º- Passa a ser obrigatória a instalação de lixeiras para acondicionamento de lixo doméstico, na aprovação do habite-se, para todas as residências e concessão de alvará para os estabelecimentos comerciais do município, exceto a hipótese prevista no § 2º.

§ 1º- A lixeira citada no caput deste artigo, deverá ser suspensa, vazada, ficando de 1 (um) metro do piso e deverá conter piso tátil, com o raio no mínimo de 30 (trinta) centímetros excedentes, em torno de todos os lados da lixeira, levando-se em consideração sua metragem maior, na vertical.

§ 2º - Ficam excluídas da obrigatoriedade as calçadas inferiores a 1,5 (um e meio) metros de largura, contados do início até a rua’.(NR)

Art. 2º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”

Percebe-se que a lei não violou a iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, pois não ventilou em seu conteúdo a disciplina da organização e do funcionamento da Administração Pública ou de serviço público, nem a atribuição de órgãos do Poder Executivo ou atos da gestão ordinária e, tampouco, trata de cargos, funções ou empregos públicos. Não tratou, em suma, de matéria inserida taxativamente no art. 24, § 2º, da Constituição Estadual.

A iniciativa reservada, como se sabe, constitui exceção à regra da iniciativa geral ou concorrente e, consoante lição básica de hermenêutica, as normas que estabelecem exceções às regras gerais só admitem interpretação restritiva, conforme ensina a doutrina:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

Assim, a regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada.

Fixadas estas premissas, as reservsa de iniciativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo, devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36). 

No caso, embora tenha relação com a aprovação do “habite-se” e com a concessão de alvará para estabelecimentos comerciais, não trata a lei de matéria diretamente concernente a construções urbanas, como alega o requerente, não existindo interferência no ordenamento urbanístico da cidade.

Nota-se, assim, que a matéria abordada na lei não está contida na reserva de iniciativa legislativa do Executivo, que deve estar explicitamente indicada no art. 24, §2°, da Constituição Paulista. É de iniciativa comum ou concorrente, tal como posto no caput do art. 24 da Constituição Estadual ao reproduzir a cabeça do art. 61 da Constituição Federal.

O dispositivo legal também não viola a reserva da Administração trazida no art. 47, II, da Constituição Estadual (franqueia ao Chefe do Poder Executivo exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual), conforme alega o requerente.

Como se percebe, trata-se de norma local que impõe obrigação a particulares, no âmbito da polícia administrativa, e demanda, por isso mesmo, a observância de reserva formal de lei, em respeito ao princípio da legalidade em sentido estrito ou absoluto, o que afasta a alegação de ofensa art. 47, II, Constituição Estadual.

Diante do exposto, nosso parecer é pela improcedência da ação direta.

São Paulo, 19 de março de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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