Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2017230-36.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Requerida: Câmara Municipal de Jundiaí

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 8.058, de 03 de setembro de 2013, do Município de Jundiaí. Transparência administrativa. Publicidade de dados referentes a unidades escolares municipais. Iniciativa parlamentar. Separação de poderes. Geração de despesa pública. Improcedência da ação. 1. Não é reservada ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa em matéria de transparência administrativa, consistente na obrigação de publicidade de dados de serviços públicos. 2. Assunto que tampouco se insere na reserva da Administração. 3. Debate referente à geração de despesa pública inadmissível na via do contencioso objetivo de constitucionalidade por envolver questão de fato que demanda prova. 4. Improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí impugnando a Lei n. 8.058, de 03 de setembro de 2013, do Município de Jundiaí, que prevê a publicidade de dados referentes a unidades escolares municipais mediante publicação no portal da transparência, por alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 25, 47, II, XI e XIV, e 144, da Constituição Estadual. Regularizada a petição inicial, foi concedida a liminar. As informações da Câmara Municipal de Jundiaí sustentam a constitucionalidade da lei e o douto Procurador-Geral do Estado se absteve da defesa da lei impugnada.

2.                É o relatório.

3.                A lei local impugnada, de iniciativa parlamentar, estabelece ao Poder Executivo o dever de publicação, no respectivo portal da transparência, de dados relativos a cada unidade escolar municipal, discriminadamente à infraestrutura, recursos humanos, corpo discente, gestão democrática e repasse de recursos.

4.                Não há violação à separação de poderes porque a lei não invadiu a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo nem a reserva da Administração em linhas gerais.

5.                A matéria não se insere entre aquelas que são reservadas exclusivamente à iniciativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, e 47, XI, Constituição Estadual) nem a ato normativo de sua alçada imune à interferência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, Constituição Estadual), de maneira que não se caracteriza violação ao art. 5º da Constituição do Estado. A reserva deve ser explícita e interpretada restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, conforme alvitra a doutrina (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593) e enuncia a jurisprudência (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001; RT 866/112; STF, ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; STF, ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006), tendo em vista que em se tratando de processo legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33; STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008; RT 850/180; RTJ 193/832).

6.                    A lei local impugnada cuida de elevado, basilar e radical assunto na senda da organização político-administrativa municipal: a transparência administrativa que se articula por um de seus subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade tecnológica o cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios públicos.                  

7.                Não se trata de matéria que mereça trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Com efeito, a lei local cuida, por excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo: Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, pois, como salientou o eminente Ministro Celso de Mello, “o novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).

8.                Portanto, é indevido concluir que esse assunto seja da reserva do Poder Executivo ou de sua iniciativa legislativa exclusiva.

9.                Com efeito, leis com esse propósito são confortadas pela transparência expressada na Constituição Estadual como princípio da publicidade (art. 111), tendo o Supremo Tribunal Federal deliberado acerca da constitucionalidade da iniciativa parlamentar:

“(...) 1. Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61, § 1º, II, e). (...)” (STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-03-2002, v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).

10.              Esta é a compreensão dedicada ao assunto pela Procuradoria-Geral de Justiça em pareceres lançados em ação direta de inconstitucionalidade e que foram julgadas improcedentes pelo colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça, como se constata das ementas dos acórdãos a seguir transcritas:

“(...) 2. A Lei de iniciativa parlamentar, que não cria serviço oneroso por já existir, mas só dispõe sobre inserção no site de dados objetivos da transparência da administração, quer em relação ao Executivo quer ao Legislativo, não viola os artigos 5º, 25 e 47, II, c.c. 144 da CE. (...)” (TJSP, ADI 0196610-92.2010.8.26.0000, Rel. Des. Laerte Sampaio, 09-02-2011, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 7.945/2012 DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ. COLOCAÇÃO DE PLACAS INFORMATIVAS EM OBRAS PÚBLICAS. INICIATIVA LEGISLATIVA DE VEREADOR. NÃO CONFIGURADA VIOLAÇÃO À INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO EXECUTIVO. HIPÓTESES TAXATIVAS. SUPLEMENTAÇAO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL CONSTITUCIONALMENTE AUTORIZADA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DIREITO À INFORMAÇÃO NA EXECUÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. DISPOSITIVO ESPECÍFICO PREVÊ SANÇÃO ADMINISTRATIVA A SERVIDOR PÚBLICO QUE DESCUMPRE A NORMA. MATÉRIA RELATIVA AO REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR PÚBLICO. INICIATIVA LEGISLATIVA, ESSA SIM, EXCLUSIVA DO PREFEITO MUNICIPAL PRECEDENTE DO STF. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE” (TJSP, ADI 0081889-25.2013.8.26.0000, Rel. Des. Márcio Bártoli, 11-09-2013, m.v.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n° 4.024, de 31 de agosto de 2011, do Município de Atibaia que dispõe acerca da divulgação de dados sobre multas de trânsito - Legislação que trata de matéria de interesse predominantemente local, dando ênfase ao princípio da publicidade dos atos administrativos, nos exatos limites das atribuições conferidas aos municípios pelos artigos 30, inciso I, e 37, caput, da Constituição Federal, o que arreda a alardeada invasão de competência federal e afronta ao preceito do artigo 22, inciso XI, da mesma Carta Magna, e artigos 5º, 111 e 144 da Constituição Estadual - Inocorrência, outrossim, de vício de iniciativa do projeto de lei pelo Legislativo, haja vista que a norma editada não regula questão estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, § 2°, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta, versando apenas acerca de tema de interesse geral da população, concernente a dados da arrecadação municipal e sua posterior destinação, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar - Previsão legal que, de resto, não representa qualquer incremento de despesa ou novas atribuições funcionais a servidores - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente” (TJSP, ADI 0252396-87.2011.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, 05-12-2012, m.v.).

11.              Aliás, e com base nesses precedentes, merece repulsa a arguição de ofensa ao art. 25 da Carta Política Paulista, porque a lei não cria novos encargos geradores de despesas imprevistas, já que a publicidade oficial e a propaganda governamental são existentes, não sendo agravadas com a exigência de inserção de dados no sítio eletrônico do poder público. A divulgação oficial de informações é dever primitivo na Constituição de 1988. Ademais, o exame dessa matéria demandaria análise de fato dependente de prova, o que desborda dos estreitos limites desta via. E não bastasse já se decidiu que:

“(...) Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo.(...)” (RT 866/112)

12.              Face ao exposto, opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 24 de março de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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