Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

 

Processo n. 2068881-44.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Lençóis Paulista

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Lençóis Paulista

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista, de iniciativa parlamentar. Lei tributária benéfica. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo. Improcedência. 1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista, que “Dispõe sobre o incentivo à prática de esportes em clubes desportivos e academias para alunos e alunas acima de 60 (sessenta) anos, através de isenção parcial tributária de ISS no âmbito do Município de Lençóis Paulista e dá outras providências”. 2. Não há reserva de iniciativa legislativa ao chefe do Poder Executivo em matéria tributária. Competência concorrente. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. 3. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista, que concedeu isenção de 50% do valor do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), a academias, clubes desportivos ou similares, que concedam bolsa de até 50% do valor regular a idosos.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fl. 50/51).

Citado regularmente, o Senhor Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 64/66).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 58/60).

É o relatório.

A ação é improcedente.

Com efeito, a Lei n.º 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista, que Dispõe sobre o incentivo à prática de esportes em clubes desportivos e academias para alunos e alunas acima de 60 (sessenta) anos, através de isenção parcial tributária de ISS no âmbito do Município de Lençóis Paulista e dá outras providências, apresenta a seguinte redação:

Art. 1º O Município de Lençóis Paulista incentivará a prática de atividades físicas e esportivas para munícipes com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos de idade, em academias, clubes desportivos ou similares, através da concessão de isenção parcial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.

Parágrafo único. A isenção de que trata o caput deste artigo corresponderá a 50% do valor do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.

Art. 2º A isenção parcial prevista nesta lei objetiva: I. incentivar a prática de modalidades desportivas diversas;

II. servir de estímulo ao idoso à prática de esportes;

III. promover a vida ativa e saudável;

IV. estimular o convívio social através de atividades físicas e esportivas.

Art. 3º Será concedida a redução prevista no art. 1º para academias, clubes desportivos ou estabelecimentos similares que concedam a idosos bolsa parcial de até 50% (cinquenta por cento) do valor regular, desde que preenchidos os seguintes requisitos, sem prejuízo de outros que venham a ser estabelecidos em regulamento:

I. os alunos ou frequentadores totalizem pelo menos 10% (dez por cento) do total de inscritos no estabelecimento;

II. os alunos ou frequentadores idosos deverão ter frequência igual ou maior do que duas aulas ou comparecimentos por semana;

III. o estabelecimento esteja em dia com posturas e impostos municipais de qualquer natureza.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto nesta lei aos estabelecimentos de ensino que, pela natureza de suas atividades ou objeto social, dediquem a atender exclusivamente pessoas com idade superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 4º O benefício da isenção parcial da quota parte do ISSQN pertencente ao Município deverá ficar restrito aos 05 (cinco) primeiros anos da tributação incidente nos estabelecimentos participantes.

Art. 5º O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação.

Art. 6º As despesas com a execução da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Em que pesem as argumentações que ensejaram a propositura da presente ação, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.

A legislação impugnada tem a natureza de norma tributária benéfica, objetivando o incentivo à prática esportiva e vida saudável aos idosos, que encontra guarida nos artigos 264 e 267 da Constituição do Estado de São Paulo.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

Essa orientação tem apoio em Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da Constituição Federal e art. 24 da Constituição Estadual).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes” (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022).

É inequívoco que, ao conceder isenção parcial de ISS, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.

Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Por fim, não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa ao art. 174 da Constituição Estadual. Neste sentido:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Requer-se, portanto, a improcedência do pedido.

 

 

São Paulo, 25 de abril de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

    Jurídico

 

 

 

 

 

 

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