Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 2072082-44.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Sorocaba

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba

Objeto: Expressões contidas no Anexo VI-A do artigo 23, § 1º, da Lei n. 10.589, de 03 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Emendas legislativas que alteraram Projeto de Lei de iniciativa do poder executivo municipal. Requisitos para ingresso em cargos públicos. Alterações realizadas nos limites do poder de emendas do legislativo. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. 1. Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, em face dos requisitos para ingresso nos cargos de provimento em comissão de Assessor de Assuntos Internacionais e Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal, contidos no Anexo VI-A do artigo 23, § 1º, da Lei n. 10.589, de 03 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba, de “ensino superior completo e fluência no idioma inglês”, para o cargo de Assessor de Assuntos Internacionais e “ensino médio completo” para o cargo de Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal, para “ensino superior completo e fluência em três idiomas, sendo um deles, obrigatoriamente, o inglês” e “ensino superior”, respectivamente. Requisitos inseridos por emendas aditivas a projeto de lei sobre a criação de cargos na Administração, matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. Alterações realizadas dentro dos limites do poder de emenda parlamentar, uma vez que não importaram em aumento de despesas e não desvirtuaram o projeto de lei original do poder executivo. Ausência de ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da CE). Parecer pela improcedência.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito do Município de Sorocaba, tendo por objeto os requisitos para ingresso nos cargos de provimento em comissão de Assessor de Assuntos Internacionais e Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal, contidos os Anexo VI-A, do art. 23, § 1º, da Lei n. 10.589, de 03 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba, que foram objeto de alteração, por meio de emendas legislativas.

Sustenta o autor que a alteração por meio de emenda legislativa, em matéria afeta ao regime jurídico dos servidores públicos municipais, configurou ofensa ao princípio da separação dos poderes, bem aos arts. 24, § 2º, 47, II, e 144 da Constituição do Estado.

O pedido liminar não foi concedido (fls. 326/328). Interposto Agravo Regimental em face da referida decisão (fls.348/357), ao mesmo foi negado provimento, por meio do v. acórdão de fls. 364/369.

O Presidente da Câmara Municipal defendeu a constitucionalidade do ato normativo (fls. 335/345).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 380/382).

É o relatório.

O pedido é improcedente.

O Prefeito de Sorocaba encaminhou o Projeto de Lei nº 276/2013, que “altera a estrutura administrativa da Prefeitura do Município de Sorocaba”.

De acordo com a proposta original, contida no Anexo VI-A, o cargo de Assessor de Assuntos Internacionais tinha como requisito “ensino superior completo e fluência no idioma inglês”, e o cargo de supervisor de arrecadação de execução fiscal “ensino médio completo”.

A Câmara Municipal ofereceu as emendas aditivas nº 07, 12 e 19 ao referido Projeto de Lei, por meio das quais foram alterados os requisitos para provimento de cargos de Assessor de Assuntos Internacionais e de Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal, para “ensino superior completo e fluência em três idiomas, sendo um deles, obrigatoriamente, o inglês” e “ensino superior”, respectivamente.

Sabe-se que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase se sobressai o poder de emendar.

O poder de emendar é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.

O Supremo Tribunal Federal o vê como prerrogativa dos membros do Congresso, mas afirma que sobre ela recaem restrições constitucionais.

Confira-se, a propósito, o julgado escolhido e o seu trecho destacado:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

Na esteira dessa orientação, reconhece-se haver limites ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo, para evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

Com essa premissa e, agora, com a atenção voltada à hipótese dos autos, não se constata inconstitucionalidade nas emendas legislativas impugnadas.

Com as alterações promovidas pelo Poder Legislativo não houve aumento de despesas e nem mesmo esvaziou-se, desvirtuou-se ou restou inserida regra desprovida de pertinência temática com o projeto de lei de iniciativa do executivo municipal, uma vez que apenas se fixou requisitos mais rigorosos para o provimento dos cargos mencionados.

Aliás, a exigência de fluência em línguas estrangeiras (Assessor de Assuntos Internacionais) e de ensino superior (Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal) demonstram pertinência e proporção com as atividades desempenhadas nos respectivos cargos.

Não há, portanto, usurpação das funções constitucionais do Administrador do municipal.

Por fim, apenas a título de esclarecimento, necessário pontuar que nesta ação direta de inconstitucionalidade, não obstante o caráter aberto da causa de pedir, não será realizada a verificação da constitucionalidade das atribuições dos cargos em comissão de Assessor de Assuntos Internacionais e de Supervisor de Arrecadação de Execução Fiscal, pois está em trâmite nesta Procuradoria-Geral de Justiça o procedimento nº 193.008/13, que tem por objeto todos os cargos de provimento em comissão criados por meio da Lei n. 10.589/13, inclusive aqueles que são objeto desta ação.

Diante do exposto, o parecer é pela improcedência da presente ação.

São Paulo, 30 de abril de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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