Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2173468-83.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Pindamonhangaba

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Pindamonhangaba

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei nº 4.619, de 06 de junho de 2007, do Município de Pindamonhangaba. Tombamento de igreja. valor arquitetônico, histórico e cultural. Iniciativa do Prefeito. Separação de poderes. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1. Embora o tombamento seja matéria que corretamente demande a iniciativa do Chefe do Poder Executivo, porque trata de ato de gestão administrativa, insere-se na reserva da Administração e não pode ter o seu processo sufragado pelo Poder Legislativo (arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144). 2. Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Pindamonhangaba impugnando a Lei nº 4.619, de 06 de junho de 2007, do Município de Pindamonhangaba, de iniciativa parlamentar, que “Tomba por seu valor arquitetônico, histórico e cultural, a Igreja de Sant’Ana, situada no Bairro Santana, e dá ouras providências, alegando que o tombamento é ato discricionário exclusivo do Poder Executivo, editado através de Decreto e não de Lei, e que o mesmo foi procedido de forma equivocada, uma vez que não foi precedido de estudos técnicos do órgão municipal competente demonstrando que o imóvel reuniria requisitos mínimos para ser declarado como de valor histórico, suscitando a incompatibilidade com os arts. 5º e 261 da Constituição Estadual (fls. 01/06).

Notificado (fl. 75), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações a fls. 70/72.

Citado regularmente (fl. 68), o douto Procurador Geral do Estado sustentou a inconstitucionalidade da lei local, ante a inequívoca infringência ao princípio da separação de poderes, por violação ao artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo, bem como ao artigo 2º da Constituição Federal, dada a usurpação de competência pelo Poder Legislativo, que se arvorou em administrador do patrimônio cultural, violando também o art. 261 da Carta Bandeirante (fls. 77/84).

É o relatório.

Assim dispõe o ato normativo impugnado:

“(...)

Art. 1º - Fica tombada como monumento religioso de interesse histórico a Igreja de Sant'Ana, localizada na Praça Dom Pedro II, Bairro Santana, neste município, fundada em meados do século XIX em devoção à Santa Ana.

Art. 2º - Fica instituído no município o Livro de Tombos de Bens Culturais, junto a Secretaria de Planejamento, o qual obedecerá a legislação federal e estadual para fins de tombamento.

Art. 3º - A Secretaria de Planejamento providenciará a inscrição do tombamento previsto no art.1º desta Lei no Livro de Tombos de Bens Culturais do Município no prazo máximo de quinze dias, a contar da data da publicação desta Lei.

Parágrafo único - No prazo previsto na legislação pertinente, o órgão administrativo notificará o Registro Geral de Imóveis, para averbação do tombamento.

Art. 4º - Ficam vedadas quaisquer alterações no projeto original do local.

Parágrafo único. A execução de eventuais serviços e obras de restauração ou manutenção que venham a ser efetivadas no local deverá ser previamente comunicada ao Poder Executivo, através da Secretaria de Planejamento, para fins de autorização e acompanhamento técnico.

Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

A ação é procedente.

Inicialmente, cumpre mencionar que embora não conste nos autos o processo legislativo da Lei nº 4.619/07, do Município de Pindamonhangaba, tanto a inicial quanto as informações da Câmara Municipal, afirmam que o projeto de lei que culminou na aprovação do ato normativo impugnado foi iniciado pelo Prefeito Municipal à época (fls. 01 e 70).

A lei local declara tombada como monumento religioso de interesse histórico, igreja localizada no Município, matéria essa relativa à gestão administrativa.

Como afirmou Hely, “a proteção paisagística, monumental e histórica da cidade insere-se também na competência do Município, admitindo regulamentação edilícia e administração da Prefeitura nos limites do interesse local, para recreação espiritual e fator cultural da população” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 2001, pág. 2001).

As medidas de tombamento implicam em atividades de administração, que devem ficar a cargo do poder investido de dar exequibilidade às normas gerais e abstratas emanadas do Legislativo.

Portanto, o instituto do tombamento pode ser considerado matéria que demanda a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, visto que trata de ato de gestão administrativa.

Desse modo, em que pese não ter havido vício na iniciativa do projeto de lei, vislumbramos a inconstitucionalidade do ato normativo combalido ante a afronta à reserva da Administração, pois, compete ao Poder Executivo no exercício de sua direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual).

Com efeito, a declaração de tombamento situa-se no domínio da reserva da Administração, espaço conferido com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo no âmbito de seu poder normativo imune a interferências do Poder Legislativo, e que se radica na gestão ordinária dos negócios públicos, como se infere dos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Estadual, aplicável na esfera municipal por força de seu art. 144 e do art. 29 caput da Constituição Federal.

A Constituição Paulista prevê no art. 47 competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

Os incisos II e XIV do art. 47 da Constituição Bandeirante estabelecem competir ao Chefe do Poder Executivo o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo, enraizando-se no art. 84, II, da Constituição de 1988.

Esses assuntos são privativos do poder normativo do Chefe do Poder Executivo, como já se decidiu:

“(...) 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)” (STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010, v.u., DJe 24-09-2010).

“(...) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

         A inconstitucionalidade, portanto, não decorre da iniciativa – proposta que foi pelo Chefe do Poder Executivo –, mas à própria reserva da Administração, para disciplina dos atos de gestão administrativa, como, in casu, o tombamento da igreja de Sant’Ana localizado no Município de Pindamonhangaba.

Em consequência disso, não foi observado o princípio da separação dos Poderes, que se consubstancia num dos mais importantes pilares do combate ao absolutismo, rechaçado pelo constitucionalismo moderno.

Face ao exposto, opino pela procedência da ação para declarar a incompatibilidade da Lei nº 4.619, de 06 de junho de 2007, do Município de Pindamonhangaba, com os arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Estadual.

 

São Paulo, 13 de novembro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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