Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2001991-89.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Mauá

Requerida: Mesa da Câmara de Vereadores do Município de Mauá

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.791, de 12 de julho de 2012 (Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município). Alegação de inconstitucionalidade do art. 5º, §§ 1º e 2º e do art. 23, frutos de emendas parlamentares.

2)     Emendas parlamentares em matéria de lei orçamentária, cuja iniciativa é exclusiva do chefe do Executivo. Inteligência dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista: artigos 24, § 4º, 174, § 8º, 175 e §§, e 176, § 1º da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual. Precedentes do STF.

3)     Observância das diretrizes constitucionais no sentido de que: (a) não se admite o aumento de despesa; (b) admitem-se emendas parlamentares, ao projeto de lei orçamentária, compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; (c) as emendas parlamentares devem indicar os recursos necessários (remanejamento), admitidos, apenas, aqueles provenientes de anulação de despesas, excluídas as dotações para pessoal e encargos, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionalmente previstas; (d) não admissão de emendas que tragam dispositivos estranhos à previsão de receita e fixação de despesas (salvo abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita); (e) nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de responsabilidade.

4)     Dispositivos resultantes de emendas parlamentares (art. 5º, §§ 1º e 2º e art. 23 da Lei Municipal nº 4.721, de 12 de julho de 2012, de Mauá), que apenas explicitaram a aplicação de dispositivos já previstos na própria Constituição Federal.

5)     Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Prefeito Municipal de Mauá, tendo como alvo o artigo 5º, §§ 1º e 2º, bem como o artigo 23 da Lei Municipal nº 4.791, de 12 de julho de 2012, de Mauá (Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município).

Alega o requerente que a inconstitucionalidade reside na violação: (a) da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Executivo em matéria orçamentária; (b) do princípio da separação de poderes; (c) da vedação do abuso do poder de emendar; (d) do aumento de despesa sem indicação da fonte de receitas.

Apontou a violação dos seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º, 24, § 2º, 25, 47, II, XI e XIV, 174, 175 e 176, III. Anota ainda a violação de dispositivos infraconstitucionais (especialmente da Lei de Responsabilidade Fiscal) e da própria Constituição Federal.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão dos preceitos impugnados (fls. 51/52).

A Presidência da Câmara Municipal deixou de prestar informações, embora regularmente notificada a fazê-lo (fls. 64/65).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 59 e 61/62).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PARÂMETROS INFRACONSTITUCIONAIS OU CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

O autor postula a declaração da inconstitucionalidade do artigo 5º, §§ 1º e 2º, bem como o artigo 23 da Lei Municipal nº 4.791, de 12 de julho de 2012, de Mauá (Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município).

Tais dispositivos têm a seguinte redação:

“(...)

Art. 5º.

§ 1º. A câmara Municipal elaborará a sua proposta orçamentária e a remeterá ao Executivo Municipal até o dia 30 de agosto de 2012, para fins de sua incorporação ao Projeto de Lei de Orçamento anual para 2013 a ser encaminhado para apreciação do Legislativo.

§ 2º. O desembolso destinado ao Poder Legislativo terá como referencial os valores previstos nos artigos 29-A e 168 da Constituição Federal na forma do Cronograma de Repasse de Suprimento ao Legislativo encaminhado ao Executivo até 20 (vinte) dias após a publicação da Lei Orçamentária de 2013.

(...)

Art. 23. Fica o Poder Executivo obrigado a proceder a revisão dos vencimentos dos servidores públicos, de que trata o art. 37, inciso X, da Constituição Federal, aplicando o reajuste necessário, de acordo com o disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 01, de 08 de março de 2002, observando-se a inflação dos últimos doze meses.

(...)”

Pois bem.

O autor alega que teria ocorrido violação da reserva de iniciativa em matéria de legislação orçamentária, quebra ao princípio da separação de poderes, aumento de despesas sem indicação de receitas, e violação de limites constitucionais ao poder de emendas aos projetos de lei de natureza orçamentária.

Como se sabe, a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares ao projeto de lei orçamentária, cuja iniciativa é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, é relativamente limitada.

Os artigos 24, § 5º, 174, § 8º, 175 e §§, e 176, § 1º da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual (reproduzindo o disposto nos artigos 63, 166 e 167, § 1º da CF), estabelecem, relativamente ao tema, que:

(a) não se admite o aumento de despesa em projeto de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, por força de emenda parlamentar;

(b) admitem-se emendas parlamentares ao projeto de lei orçamentária, desde que elas sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

(c) as emendas parlamentares devem indicar os recursos necessários, admitidos, apenas, aqueles provenientes de anulação de despesas, excluídas dessa possibilidade de remanejamento as que incidam sobre dotações para pessoal e encargos, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionalmente previstas;

(d) não são admissíveis emendas que tragam dispositivos estranhos à previsão de receita e fixação de despesas (ressalvada a abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita);

(e) nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de responsabilidade.

O entendimento do Col. STF, a respeito desse tema, é pacífico, como se infere dos seguintes julgados:

“(...)

Art. 34, § 1º, da Lei estadual do Paraná 12.398/1998, com redação dada pela Lei estadual 12.607/1999. (...) Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c o 61, §1º, II, c, da CF. (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-8-2006, Plenário, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: ADI 4.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009.

(...)

Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa consequente ao projeto inicial (...). (ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-12-1998, Plenário, DJ de 26-2-1999.) No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009; ADI 805, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-12-1998, Plenário, DJ de 12-3-1999; ADI 2.079, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-4-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004; ADI 2.840-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-10-2003, Plenário, DJ de 11-6-2004; ADI 816, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 22-8-1996, Plenário, DJ de 27-9-1996.

(...)

Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30-9-1993; ADI 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, DJ de 14-12-1990; ADI 865-MA, Celso de Mello, DJ  de 8-4-1994. (RE 191.191, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-12-1997, Segunda Turma, DJ de 20-2-1998.) No mesmo sentido: ADI 3.288, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 24-2-2011.

(...)

O poder de emendar projetos de lei, que se reveste de natureza eminentemente constitucional, qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. Celso de Mello), desde que, respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República, as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, § 3º e § 4º da Carta Política (...). (ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-9-1994, Plenário, DJ de 23-4-2004.)

(...)

Portanto não é correta a afirmação, com a devida vênia relativamente ao entendimento diverso, de que o só fato de ser determinado projeto de lei veiculador de matéria orçamentária eliminaria, a priori, a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares.

Fosse tal entendimento adequado, estaria a pouco ou quase nada reduzida a atividade parlamentar, pois o Poder Legislativo ficaria reduzido à mera atividade de homologação dos projetos de leis do Poder Executivo nessa temática.

Como acima anotado, são plenamente viáveis as emendas a tais projetos, desde que não incidam naquelas limitações expressamente previstas no ordenamento constitucional.

Ademais, como tais regras cuidam de restrições à atuação parlamentar em sua atividade típica, ou seja, legislativa, devem ser interpretadas restritivamente.

Feitas tais observações, ficam, em nosso sentir, assentadas as premissas para se afirmar, conclusivamente, que os dispositivos impugnados na ação direta não padecem de inconstitucionalidade.

O § 1º do art. 5º da Lei Municipal nº 4.791, de Mauá, prevê que:

 

“(...)

§ 1º. A Câmara Municipal elaborará sua proposta orçamentária e a remeterá ao Executivo Municipal até o dia 30 de agosto de 2012, para fins de sua incorporação ao Projeto de Lei de Orçamento anual para 2013 a ser encaminhado para apreciação do Legislativo.

(...)”

Tal disposição legal disciplina, exclusivamente, prazo para encaminhamento da proposta do Poder Legislativo para fins de formação do Projeto de Lei Orçamentária anual. Não há nele, com a devida vênia, violação a nenhum dos parâmetros constitucionais de controle indicados pelo autor.

O § 2º do art. 5º da Lei Municipal nº 4.791, por seu turno, prevê o que segue:

“(...)

§ 2º. O desembolso destinado ao Poder Legislativo terá como referencial os valores previstos nos artigos 29-A e 168 da Constituição Federal na forma do Cronograma de Repasse de Suprimento ao Legislativo encaminhado ao Executivo até 20 (vinte) dias após a publicação da Lei Orçamentária de 2013.

(...)”

Referida disposição, por sua vez, nada mais faz que remeter a gestão orçamentária à observância de dispositivos da própria Constituição Federal  que preveem limites aos orçamentos das Câmaras Municipais (art. 29-A) bem como a data limite passa o repasse dos duodécimos mensais ao Legislativo (art. 168).

Nesse ponto, o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma significaria, em perspectiva prática, asseverar que os próprios artigos 29-A e 168 da CF são inconstitucionais, o que não faria qualquer sentido. O art. 5º, § 2º da lei impugnada apenas explicitou a necessidade de obséquio àqueles preceitos constitucionais.

Finalmente, o art. 23 da Lei Municipal nº 4.791 prevê que:

“(...)

Art. 23. Fica o Poder Executivo obrigado a proceder a revisão dos vencimentos dos servidores públicos, de que trata o art. 37, inciso X, da Constituição Federal, aplicando o reajuste necessário, de acordo com o disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 01, de 08 de março de 2002, observando-se para tanto a inflação dos últimos doze meses.

(...)”

Nesse passo, a lei apenas replicou, no plano municipal, o que está disposto no art. 37, X da CF, que impõe, ao Poder Executivo, a adoção de iniciativa para revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos.

Note-se que a regra do art. 37, X da CF já foi objeto de interpretação e teve seu alcance delimitado pelo STF, que sinaliza no sentido de que a diretriz daquele preceito constitucional não significa, necessariamente, obrigação de que todos os anos sejam concedidos reajustes aos servidores públicos, mas sim obrigação de realização de análise pelo Poder Executivo, a fim de verificar se é, ou não, o caso de se conceder o reajuste, destinado a evitar que a corrosão inflacionária reduza o poder aquisitivo dos servidores públicos.

Observe-se que no plano federal, de forma análoga, a Lei nº 10.331, de 18 de dezembro de 2001, estabelece parâmetros para a revisão anual da remuneração dos servidores públicos.

Por essa razão, decidiu o STF a respeito do tema que:

“(...)

‘Revisão geral anual. (...) A Lei 10.331/2001 regulamentou o art. 37, X, da Constituição, conferindo-lhe eficácia plena, e está em vigor desde 19 de dezembro de 2001. Posteriormente, a Lei 10.697/2003 também cumpriu o dispositivo constitucional.’ (MI 4.409-AgR-ED-AgR, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 17-10-2013, Plenário, DJE de 18-11-2013.)

Não se vislumbra, portanto, qualquer ofensa aos dispositivos constitucionais apontados pelo requerente como violados.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade do artigo 5º, §§ 1º e 2º, bem como o artigo 23 da Lei Municipal nº 4.791, de 12 de julho de 2012, de Mauá.

São Paulo, 07 de abril de 2014.

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

rbl