Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº. 2003606-17.2014.8.26.0000
Requerente: Partido Trabalhista Brasileiro
Requerido: Prefeito
Municipal de Suzano
I - Constitucional. Tributário. Processo civil.
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 221, de
II – Alegação de Ofensa aos artigos 23 e 29 da
Constituição Estadual e 67 da Constituição Federal. Os princípios do processo
legislativo previstos na Constituição Federal são de compulsória observância
pelos Estados Membros e Municípios. 1. Tendo sido o rejeitado projeto de lei
complementar reapresentado por proposta da maioria absoluta dos Membros da
Câmara Municipal de Suzano, a lei impugnada não padece de qualquer vício formal
de constitucionalidade, porquanto obedecidas as normas constantes do artigo 29
da Constituição Estadual, que reproduz o disposto no artigo 67 da Carta da
República. Improcedência da ação. 2. Lei
Complementar Municipal que é aprovada pela maioria absoluta dos membros da
Câmara Municipal observa estritamente o artigo 23 da Constituição Estadual.
Improcedência da Ação.
III - Reajuste do valor venal dos imóveis.
Limites de cognoscibilidade no contencioso de constitucionalidade. Capacidade
contributiva. Proibição de confisco. Matéria de fato dependente de prova. Não sendo evidente no texto
normativo, a violação da capacidade contributiva e da proibição do confisco é
matéria de fato dependente de prova, incabível na via estreita do controle
abstrato de constitucionalidade. Improcedência da ação.
Eminente Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Partido Trabalhista
Brasileiro, tendo como alvo a Lei Complementar nº 221, de 06 de dezembro de 2013,
do Município de Suzano, que “Dispõe acerca da aprovação da Planta Genérica de
Valores - PGV para efeito de cálculo e lançamento do Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU no exercício de 2014, e dá
outras providências”.
2. Sustenta o autor, em síntese, que o ato
normativo impugnado viola os princípios da legalidade, moralidade,
razoabilidade, publicidade, capacidade contributiva e vedação do efeito
confiscatório, uma vez que a nova lei impôs “abusivo aumento de 20% (vinte por
cento) a 80% (oitenta por cento)”, o que denotaria sua “completa falta de
proporcionalidade e razoabilidade. Outrossim, afirma
que a aprovação do projeto de lei em regime de urgência afrontou a Lei Orgânica
do Município. Por fim, sustenta violação aos artigos 23 e 29, da Constituição
Estadual, e 67 da Constituição Federal.
3. O
pedido de suspensão liminar da lei impugnada foi indeferido pelo Colegiado
(fls. 326/332). A Procuradoria Geral do Estado, ponderando que os dispositivos
legais atacados tratariam de matéria exclusivamente local, declinou da defesa do
ato impugnado (fls. 346/349).
4. O
Prefeito Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade dos
dispositivos questionados (fls. 355/366).
5. É
a síntese necessária.
6. Alega
o autor que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade formal, porque, em
seu processo de formação, não teriam sido atendidas as disposições constantes
do Regimento Interno da Câmara e da Lei Orgânica Municipal que não permitiriam
o regime de urgência para a tramitação de projeto de lei complementar.
7. O
parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata,
concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição
Estadual, consoante dispõe o art. 125, § 2º, da Constituição Federal, razão
pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas do Regimento Interno
da Câmara e com a Lei Orgânica do Município.
8. O
processo legislativo corresponde ao conjunto de atos (iniciativa, emenda,
votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis e é objeto de
previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da
independência e harmonia dos Poderes (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal
Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 675).
9. O
desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão
traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do
ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado,
por parte do Poder Judiciário.
10. A
Constituição Federal, entretanto, não desce às minúcias do processo
legislativo. A Carta elenca as espécies normativas (art. 59), trata da proposta
das Emendas constitucionais (art. 60), cuida das hipóteses da iniciativa
reservada das leis (art. 61), dispõe sobre a disciplina das medidas provisórias
(art. 62) e sobre limite do poder de emendar (art. 63), mas deixa para os
regimentos internos das casas legislativas a regulação do trâmite dos projetos
de lei no âmbito desses órgãos.
11. José
Afonso da Silva ensina que “a disciplina das discussões e votações é matéria
regimental, que, mesmo que seja desrespeitada, não reflete na validade da lei
consequente” (Processo constitucional de formação das leis, 2ª. ed., São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 359).
12. Para
o ilustre constitucionalista, o defeito nesse procedimento nada mais é que
vício regimental, “que pode ser corrigido por reclamação de qualquer
parlamentar” (idem, p. 359).
13. De
todo modo, no caso em apreço, se inconstitucionalidade houvesse, esta seria
reflexa ou indireta, não podendo ser sindicada em ADIN. Confira-se:
“As ações diretas de
inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos
constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia.
A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de
preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação
direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel.
Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
14. Aduz,
outrossim, o Partido Trabalhista Brasileiro, ofensa ao
artigo 23 da Constituição Estadual.
15. Com
a devida vênia, não se vislumbra afronta ao dispositivo mencionado, que basicamente
reproduz o artigo 69 da Carta da República. Tendo sido aprovada pela maioria
absoluta dos membros da Câmara Municipal de Suzano, a lei complementar
impugnada não padece do alegado vício de inconstitucionalidade.
16. Alega,
ainda, o autor, inconstitucionalidade formal da lei complementar objurgada,
porquanto, rejeitado o projeto de lei de proêmio, foi reapresentado na mesma
sessão legislativa, o que inquinaria a lei complementar municipal de vício
insanável, tendo em vista o disposto no artigo 67 da Constituição Federal.
17. Os
princípios do processo legislativo previstos na Constituição Federal são de
compulsória observância pelos Estados Membros e Municípios.
18. O
Artigo 67 da Constituição Federal, que apenas permite a reapresentação de
projeto de lei rejeitado, na mesma sessão legislativa, se por meio de
deliberação da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso
Nacional, encontra ressonância no 29 da Constituição
do Estado de São Paulo, in verbis:
“Art 29. A matéria constante de
projeto de lei rejeitado somente poderá ser renovada, na mesma sessão
legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Assembléia
Legislativa.”
19. Não
houve, sem embargo do respeito que deve ser tributado ao autor, afronta aos
citados dispositivos da Constituição Federal e da Constituição Estadual, pois,
consoante se depreende das informações prestadas pelo Prefeito Municipal, o
rejeitado projeto de lei complementar foi reapresentado, na mesma sessão
legislativa, por proposta da maioria absoluta dos membros da Câmara de
Vereadores (14 votos a 4), tendo havido, portanto,
estrita observância da norma constitucional acima transcrita.
20. Por
fim, sustenta o autor a
inconstitucionalidade material da lei por ofensa aos arts. 37, 145, § 1º, e
150, IV, da Constituição Federal, que tratam dos princípios da Administração
Pública, da capacidade contributiva e da proibição do confisco em matéria
tributária, e são reproduzidos nos arts. 111, 160, § 1º, e 163, II e IV, da
Constituição Estadual.
21. A leitura da lei impugnada não
permite concluir ter havido inobservância aos princípios da Administração
Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal e 111 da Constituição
Estadual.
22. No
que se refere à lesão aos princípios constitucionais tributários, também não se
vislumbra a inconstitucionalidade alegada.
23. Com
efeito, observa-se dos dispositivos da lei impugnada que eles, de per si, não aumentam o valor do IPTU
diretamente, mas revisam seu valor de forma indireta, reajustando a base de
cálculo do tributo.
24. Trata-se,
pois, de matéria que exige o exame de questões de fato, não havendo
possibilidade de se concluir, a princípio, existir violação a preceitos
constitucionais. Note-se que as porcentagens elencadas pelo requerente
correspondem à atualização do valor venal dos imóveis, não se tratando,
portanto de aumento.
25. Sobre
o tema, é pacífico o entendimento nos tribunais pátrios:
“TRIBUTÁRIO.
IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 160/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência
pacífica desta Corte, a majoração da base
de cálculo do IPTU
depende da elaboração de lei,
não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os
quais incide tal imposto com base
em uma planta de valores, salvo
no caso de simples correção
monetária. 2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base
de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada
independentemente de lei, a teor
do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante
decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. Incidência da Súmula
160/STJ: ‘é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.’ Agravo
regimental improvido.” (AgRg no AREsp
66849/MG – Segunda Turma – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julgamento:
06/12/2011).
26. Não
sendo evidente do texto normativo, a pesquisa sobre a incompatibilidade da lei
local, que depende da análise de parâmetros que envolvem a análise de matéria
de fato, torna-se inviável o controle concentrado de constitucionalidade, como
já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“A
ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento
básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida
e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do
ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto
constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer
diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de
desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo
abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais,
para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior,
efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato
questionado” (RTJ 147/545).
27. Este
Colendo Órgão Especial também já se pronunciou sobre o tema:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº
666, de 3 de setembro de 2013, do Município de
Atibaia, que dispõe sobre a revisão da Planta Genérica de Valores Imobiliários
- Ausência dos alegados vícios no processo legislativo, tendo sido o projeto de
lei regularmente discutido e votado pela totalidade dos Vereadores integrantes
do Legislativo municipal, sem que qualquer nulidade procedimental fosse arguida
- Majoração dos valores venais dos imóveis locais que não implica na igual
repercussão na carga tributária imposta aos contribuintes municipais, haja
vista a criação de mecanismo de bloqueio que estabeleceu um limite máximo de
reajuste do tributo - Exame da razoabilidade do aumento previsto na legislação
municipal atacada que, de qualquer modo, demandaria a análise de matéria de
fato, incabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade -
Desconsideração do percentual fixado naquele ato normativo que implicaria,
ainda, na indevida substituição da discricionariedade do Poder Legislativo, em
sua atuação natural, por uma imprópria atuação do Judiciário - Precedentes
desta Corte - Ausência, portanto, de vícios de inconstitucionalidade formal ou
material no ato normativo objurgado - Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada improcedente.” (ADIN n. 2001017-52.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo
Dimas Mascharetti, j. 14.05.2014)
28. Posto
isso, opino pela improcedência da presente ação.
São Paulo, 07 de julho de 2014.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico em exercício
mao