Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 2003606-17.2014.8.26.0000

Requerente: Partido Trabalhista Brasileiro

Requerido: Prefeito Municipal de Suzano

 

 

I - Constitucional. Tributário. Processo civil. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 221, de 06 de dezembro de 2013, do Município de Suzano. Alegação de ofensa aos artigos 87, 88, 89 e 91 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Suzano e aos artigos 35, 43 e 47 da Lei Orgânica Municipal. Improcedência da Ação. 1. Parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas do Regimento Interno ou da Lei Orgânica Municipal. 2. Alegação de vício no processo legislativo, por inobservância de regras relativas ao processo legislativo. Hipótese em que não se divisa ofensa direta à Constituição do Estado. Eventual inconstitucionalidade, se existente, seria reflexa ou indireta e não poderia ser sindicada em ADIN.

II – Alegação de Ofensa aos artigos 23 e 29 da Constituição Estadual e 67 da Constituição Federal. Os princípios do processo legislativo previstos na Constituição Federal são de compulsória observância pelos Estados Membros e Municípios. 1. Tendo sido o rejeitado projeto de lei complementar reapresentado por proposta da maioria absoluta dos Membros da Câmara Municipal de Suzano, a lei impugnada não padece de qualquer vício formal de constitucionalidade, porquanto obedecidas as normas constantes do artigo 29 da Constituição Estadual, que reproduz o disposto no artigo 67 da Carta da República. Improcedência da ação. 2. Lei Complementar Municipal que é aprovada pela maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal observa estritamente o artigo 23 da Constituição Estadual. Improcedência da Ação.

III - Reajuste do valor venal dos imóveis. Limites de cognoscibilidade no contencioso de constitucionalidade. Capacidade contributiva. Proibição de confisco. Matéria de fato dependente de prova. Não sendo evidente no texto normativo, a violação da capacidade contributiva e da proibição do confisco é matéria de fato dependente de prova, incabível na via estreita do controle abstrato de constitucionalidade. Improcedência da ação.

 

 

Eminente Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Partido Trabalhista Brasileiro, tendo como alvo a Lei Complementar nº 221, de 06 de dezembro de 2013, do Município de Suzano, que “Dispõe acerca da aprovação da Planta Genérica de Valores - PGV para efeito de cálculo e lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU no exercício de 2014, e dá outras providências”.

2.            Sustenta o autor, em síntese, que o ato normativo impugnado viola os princípios da legalidade, moralidade, razoabilidade, publicidade, capacidade contributiva e vedação do efeito confiscatório, uma vez que a nova lei impôs “abusivo aumento de 20% (vinte por cento) a 80% (oitenta por cento)”, o que denotaria sua “completa falta de proporcionalidade e razoabilidade. Outrossim, afirma que a aprovação do projeto de lei em regime de urgência afrontou a Lei Orgânica do Município. Por fim, sustenta violação aos artigos 23 e 29, da Constituição Estadual, e 67 da Constituição Federal.

3.                O pedido de suspensão liminar da lei impugnada foi indeferido pelo Colegiado (fls. 326/332). A Procuradoria Geral do Estado, ponderando que os dispositivos legais atacados tratariam de matéria exclusivamente local, declinou da defesa do ato impugnado (fls. 346/349).

4.                O Prefeito Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade dos dispositivos questionados (fls. 355/366).

5.                É a síntese necessária.

6.                Alega o autor que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade formal, porque, em seu processo de formação, não teriam sido atendidas as disposições constantes do Regimento Interno da Câmara e da Lei Orgânica Municipal que não permitiriam o regime de urgência para a tramitação de projeto de lei complementar.

7.                O parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, consoante dispõe o art. 125, § 2º, da Constituição Federal, razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas do Regimento Interno da Câmara e com a Lei Orgânica do Município.

8.                O processo legislativo corresponde ao conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis e é objeto de previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 675).

9.                O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

10.              A Constituição Federal, entretanto, não desce às minúcias do processo legislativo. A Carta elenca as espécies normativas (art. 59), trata da proposta das Emendas constitucionais (art. 60), cuida das hipóteses da iniciativa reservada das leis (art. 61), dispõe sobre a disciplina das medidas provisórias (art. 62) e sobre limite do poder de emendar (art. 63), mas deixa para os regimentos internos das casas legislativas a regulação do trâmite dos projetos de lei no âmbito desses órgãos.

11.              José Afonso da Silva ensina que “a disciplina das discussões e votações é matéria regimental, que, mesmo que seja desrespeitada, não reflete na validade da lei consequente” (Processo constitucional de formação das leis, 2ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 359).

12.              Para o ilustre constitucionalista, o defeito nesse procedimento nada mais é que vício regimental, “que pode ser corrigido por reclamação de qualquer parlamentar” (idem, p. 359).

13.              De todo modo, no caso em apreço, se inconstitucionalidade houvesse, esta seria reflexa ou indireta, não podendo ser sindicada em ADIN. Confira-se:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).                 

14.              Aduz, outrossim, o Partido Trabalhista Brasileiro, ofensa ao artigo 23 da Constituição Estadual.

15.              Com a devida vênia, não se vislumbra afronta ao dispositivo mencionado, que basicamente reproduz o artigo 69 da Carta da República. Tendo sido aprovada pela maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal de Suzano, a lei complementar impugnada não padece do alegado vício de inconstitucionalidade.

16.              Alega, ainda, o autor, inconstitucionalidade formal da lei complementar objurgada, porquanto, rejeitado o projeto de lei de proêmio, foi reapresentado na mesma sessão legislativa, o que inquinaria a lei complementar municipal de vício insanável, tendo em vista o disposto no artigo 67 da Constituição Federal.

17.              Os princípios do processo legislativo previstos na Constituição Federal são de compulsória observância pelos Estados Membros e Municípios.

18.              O Artigo 67 da Constituição Federal, que apenas permite a reapresentação de projeto de lei rejeitado, na mesma sessão legislativa, se por meio de deliberação da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional, encontra ressonância no 29 da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:

“Art 29. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá ser renovada, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa.”

19.              Não houve, sem embargo do respeito que deve ser tributado ao autor, afronta aos citados dispositivos da Constituição Federal e da Constituição Estadual, pois, consoante se depreende das informações prestadas pelo Prefeito Municipal, o rejeitado projeto de lei complementar foi reapresentado, na mesma sessão legislativa, por proposta da maioria absoluta dos membros da Câmara de Vereadores (14 votos a 4), tendo havido, portanto, estrita observância da norma constitucional acima transcrita.

20.              Por fim, sustenta o autor a inconstitucionalidade material da lei por ofensa aos arts. 37, 145, § 1º, e 150, IV, da Constituição Federal, que tratam dos princípios da Administração Pública, da capacidade contributiva e da proibição do confisco em matéria tributária, e são reproduzidos nos arts. 111, 160, § 1º, e 163, II e IV, da Constituição Estadual.

21.              A leitura da lei impugnada não permite concluir ter havido inobservância aos princípios da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal e 111 da Constituição Estadual.

22.              No que se refere à lesão aos princípios constitucionais tributários, também não se vislumbra a inconstitucionalidade alegada.

23.              Com efeito, observa-se dos dispositivos da lei impugnada que eles, de per si, não aumentam o valor do IPTU diretamente, mas revisam seu valor de forma indireta, reajustando a base de cálculo do tributo.

24.              Trata-se, pois, de matéria que exige o exame de questões de fato, não havendo possibilidade de se concluir, a princípio, existir violação a preceitos constitucionais. Note-se que as porcentagens elencadas pelo requerente correspondem à atualização do valor venal dos imóveis, não se tratando, portanto de aumento.

25.              Sobre o tema, é pacífico o entendimento nos tribunais pátrios:

“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 160/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária. 2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. Incidência da Súmula 160/STJ: ‘é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.’ Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 66849/MG – Segunda Turma – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julgamento: 06/12/2011).

26.              Não sendo evidente do texto normativo, a pesquisa sobre a incompatibilidade da lei local, que depende da análise de parâmetros que envolvem a análise de matéria de fato, torna-se inviável o controle concentrado de constitucionalidade, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (RTJ 147/545).

27.              Este Colendo Órgão Especial também já se pronunciou sobre o tema:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº 666, de 3 de setembro de 2013, do Município de Atibaia, que dispõe sobre a revisão da Planta Genérica de Valores Imobiliários - Ausência dos alegados vícios no processo legislativo, tendo sido o projeto de lei regularmente discutido e votado pela totalidade dos Vereadores integrantes do Legislativo municipal, sem que qualquer nulidade procedimental fosse arguida - Majoração dos valores venais dos imóveis locais que não implica na igual repercussão na carga tributária imposta aos contribuintes municipais, haja vista a criação de mecanismo de bloqueio que estabeleceu um limite máximo de reajuste do tributo - Exame da razoabilidade do aumento previsto na legislação municipal atacada que, de qualquer modo, demandaria a análise de matéria de fato, incabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade - Desconsideração do percentual fixado naquele ato normativo que implicaria, ainda, na indevida substituição da discricionariedade do Poder Legislativo, em sua atuação natural, por uma imprópria atuação do Judiciário - Precedentes desta Corte - Ausência, portanto, de vícios de inconstitucionalidade formal ou material no ato normativo objurgado - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADIN n. 2001017-52.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascharetti, j. 14.05.2014)

28.              Posto isso, opino pela improcedência da presente ação.

 

                            São Paulo, 07 de julho de 2014.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico em exercício

 

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