Parecer
Processo nº 2005410-83.2015.8.26.0000
Requerente: Mesa Diretora da Câmara Municipal de Salto Grande
Requerido: Prefeito Municipal de Salto Grande
Ementa:
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 1.542, de 02 de dezembro de 2014, do Município de Salto Grande. Inobservância do devido processo legislativo. 1. Projeto de Lei Municipal, que não foi submetido à apreciação de comissão nem à votação pelo plenário sendo, posteriormente, sancionado e promulgado pelo chefe do Poder Executivo, viola o devido processo legislativo (arts. 28 e 144 da CE/89).
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Mesa da Câmara Municipal de Salto Grande , tendo por objeto a Lei n. 1.542, de 02 de dezembro de 2014, daquele Município, que “AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A EFETUAR ABERTURA DE CRÉDITO ESPECIAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”, sob alegação de violação do devido processo legislativo previsto nos arts. 21 a 29 da Constituição Paulista.
Concedida a liminar (fl. 28/29), o Prefeito Municipal de Salto Grande prestou informações às fls. 36/41 e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma contestada (fls. 47/49).
É o relatório.
A ação é procedente.
Antes de mais nada, quando o Constituinte Originário esquadrinhou as
linhas inaugurais da vigente ordem constitucional, estabeleceu em seu arcabouço
normativo quais seriam os poderes centrais da República Federativa brasileira, poderes
estes incumbidos de efetivar as diretrizes fincadas em nossa constituição
dirigente por meio da consecução de funções típicas e atípicas.
Isso fica claro a partir da análise do art. 2º da CF/88.
Nesse dispositivo, o legislador inaugural expressa sua opção a um sistema
calcado na tripartição de poderes, composto pelo Legislativo, Executivo e
Judiciário, todos independentes e harmônicos, e cada qual com um núcleo
primacial de competência, cujos contornos foram detalhados nos capítulos
seguintes do texto em comento.
Pois bem.
Em relação ao Poder Legislativo, a Constituição Republicana
de 1988 seguiu a mesma cartilha adotada para a discriminação de atribuições aos
demais poderes.
No título destinado a tratar da organização dos poderes, mais
especificamente no capítulo atinente às características e balizas de atuação do
Legislativo (arts. 44 a 69 da CF), conferiu-se ao Parlamento uma função primária,
qual seja, a edição de atos normativos dotados de generalidade e abstração, voltados
a estabelecer os limites gerais à atuação pública e privada no seio social,
haja vista ter sido adotado em terrae
brasilis o modelo da civil law,
alicerçado, prima facie, no império
da lei, e em segundo plano competências secundárias, atípicas ao seu mister
constitucional, na tentativa de compensar eventuais omissões ou frear possíveis
abusos dos demais poderes, mecanismo este denominado pela doutrina como teoria
dos freios e contrapesos.
Portanto, nesta arquitetura política compete ao Parlamento a edição de leis
e demais atos normativos arrolados no art. 59 da CF/88, os quais, juntamente
com outras normas de envergadura sistêmica inferior, compõem o ordenamento
jurídico regente de nossa res pública,
modelo este reproduzido, frise-se, nas Cartas Estaduais e Leis Orgânicas
municipais, por força dos arts. 25 e 29 da CF/88.
O legislador inaugural procurou estabelecer em seu texto um devido
processo a ser perquirido pelo Parlamento quando da edição de normas de sua
competência.
No caso, trata-se do denominado “devido processo legislativo”, insculpido
nos arts. 61 a 69 da CF, e reproduzido na Carta Bandeirante nos arts. 21 a 29,
o qual pode ser caracterizado, em linhas gerais, como um procedimento complexo
a ser obrigatoriamente seguido pela assembleia legislativa quando de sua atuação,
a fim de que sua atividade seja exercida nos limites da Constituição e de forma
transparente e segura.
Por isso é que a observância do procedimento petrificado na Lei
Fundamental de 88 e reverberado nas Cartas Estaduais se faz assaz relevante.
Na medida em que respeitado pelos Parlamentos dos entes federativos, a
coletividade social garante o ideário democrático almejado pelo Constituinte
Originário, ideário este pautado na amplitude de informação e publicidade, haja
vista que o respeito a um procedimento amplamente conhecido e pré-fixado apenas
concretiza uma garantia em prol dos cidadãos.
Não por outro motivo, portanto, se impõe na edição de atos legislativos a
observâncias das etapas constitucionais à sua formação legítima, procedimento
este dotado das seguintes fases: (i) iniciativa
legislativa; (ii) atuação
legislativa (discussão CCJ, aprimoramento de projeto na Comissão Temática
Material, votação no Plenário da Casa); (iii) autógrafo ou autenticação; (iv) sanção ou veto (a cargo do Executivo – art. 66, CF); e (v) promulgação e publicação.
Pois bem.
Apresentadas as linhas gerais sobre o devido processo legislativo,
passemos à análise da situação teratológica ora combatida.
Extrai-se da leitura dos documentos trazidos aos autos que a Lei n.
1.542, de 02 de dezembro de 2014, do Município de Salto Grande, seguiu procedimento
diametralmente oposto aos cânones acima esposados, ofendendo, assim, a Carta
Bandeirante.
Isso porque, mesmo sem atender a fase da atuação legislativa - discussão
CCJ, aprimoramento de projeto na Comissão Temática Material, votação no
Plenário da Casa – o autógrafo foi encaminhado para o chefe do Poder Executivo
que sancionou e promulgou a lei ora impugnada.
Neste sentido, segundo o requerente:
“4- Nesta senda, ao apurar o ocorrido, constatou-se
que, por um equívoco da então Diretora Administrativa da Casa de Leis, o
projeto n. 35/2014, foi encaminhado às Municipalidade, no dia 02.12.2014, como
aprovado (de forma errônea pela servidora da Casa, conforme firmado no ofício
inicial – doc. Anexo) em sessão ordinária ocorrida no dia 01.12.2014.” (fl. 2)
Ora, a presente situação de inconstitucionalidade é tão gritante que se
torna despicienda complexa atividade cognitiva para se visualizar a ofensa ao devido
processo legislativo.
Nem mesmo eventual drible hermenêutico poderia justificar a situação em
cheque, porquanto, ex vi do disposto
no art. 28 da Carta Bandeirante, apenas quando aprovado será encaminhado ao
chefe do Poder Executivo. Vejamos:
“(...)
Artigo 28 - Aprovado o projeto de lei,
na forma regimental, será ele enviado ao Governador que, aquiescendo, o
sancionará e promulgará.
(...)”
Por fim, não cabe aqui perquirir as razões pelas quais o autógrafo foi
enviado sem a devida análise das comissões e aprovação do plenário, fato é que
fase fundamental do procedimento legislativo foi flagrantemente suprimida.
Face ao exposto, opino pela
procedência da ação por violação aos arts. 28 e 144 da Constituição do Estado.
São
Paulo, 16 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
md/acssp