Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 2018992-87.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jumirim

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Jumirim

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face do art. 4º da Lei n. 495, de 23 de janeiro de 2014, do Município de Jumirim, que “Fixa normas que regulam, o Orçamento Anual em razão de estimativa de receita fixa e despesas do Município de Jumirim para o exercício de 2014 e dá outras providências”, cuja redação foi dada por Emenda parlamentar.

2) Dispositivo que veda o remanejamento de dotações orçamentárias a aberturas de créditos adicionais suplementares e especiais por decreto e estabelece que qualquer alteração que se pretenda realizar nas peças de planejamento e orçamento anual deverá ser precedida de projeto de lei com prévia apreciação do legislativo municipal.

3) Ausência de constatação de inconstitucionalidade.

4) Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jumirim, tendo por objeto o art. 4º da Lei n. 495, de 23 de janeiro de 2014, do Município de Jumirim, que “Fixa normas que regulam, o Orçamento Anual em razão de estimativa de receita fixa e despesas do Município de Jumirim para o exercício de 2014 e dá outras providências”, cuja redação foi dada pela Emenda Parlamentar n. 03/2013.

 Sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou os arts. 5º, 144 e 174, II, §8º da Constituição Estadual, o art. 165,§8º da Constituição Federal e o inciso III do art. 13, da Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município.

Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 51/52).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 58/59).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade do dispositivo impugnado (fls. 68/78).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A despeito dos argumentos lançados na inicial e da respeitável liminar de fls. 51/52, a presente ação deverá ser julgada improcedente.

Com efeito, a Câmara Municipal de Jumirim não extrapolou sua competência e funções, ao Emendar o referido projeto de lei, para vedar o remanejamento de dotações orçamentárias a abertura de créditos adicionais suplementares por decreto e estabelecer que qualquer alteração que se pretenda realizar nas peças de planejamento deverá ser precedida de projeto de lei com prévia apreciação do legislativo municipal.

Se nos termos da Constituição Federal (arts.165/169) e da Carta Paulista (arts.174/176) cabe ao Poder Executivo a iniciativa das leis que estabelecem o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e os Orçamentos Anuais, é certo,  de outra banda, que compete ao Poder Legislativo a aprovação das mesmas leis, inclusive, com emendas nos limites fixados pela norma matriz e, com muito mais amplitude e liberdade no que se refere às autorizações para os chamados créditos adicionais suplementares.

A princípio nunca é demais lembrar o que diz a Constituições Federal sobre o tema orçamento, de observância obrigatória pelos Estados e Municípios Federados:

''Art. 165 - Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1.º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas  da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2.º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações  na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.''  

''Art. 166 - Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.

§ 1.º Caberá a uma comissão mista permanente de Senadores e Deputados:

I - examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;

II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.

§ 2.º As emendas serão apresentadas na comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo plenário das duas Casas do Congresso Nacional.

§ 3.º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e o Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.''

 

Como ensina ALBERTO DEODATO  (''Manual de Ciência das Finanças'', Saraiva,  20.ª ed.) entre todas  as definições  de orçamento    sobressai  a  de   René  Stoum,    por  ser  a  mais simples e a mais sintética: "O orçamento do Estado é um ato contendo a aprovação prévia das receitas e das despesas públicas". Tal definição, completada por Amaro Cavalcanti: "O orçamento do Estado é um ato contendo a aprovação prévia da despesa e receita pública para um período determinado".  Essa definição, entretanto, ''...não tem a amplitude que, hoje, a Ciência das Finanças dá ao orçamento. Servirá para definir o orçamento financeiro e este é, apenas, parte de um documento mais amplo onde se espelha a vida econômica da nação. O orçamento é, em sua mais exata expressão, o quadro orgânico da economia pública. É o espelho da vida do Estado e, pelas cifras, se conhecem os detalhes de seu progresso, de sua cultura e de sua civilização. Já observava Gustavo Ingresso que o orçamento público não pode ser reduzido às modestas proporções de um plano contábil ou de simples ato administrativo. Em vez disso, ele representa o maior trabalho da função legislativa, que visa ao ordenamento jurídico e da  atividade funcional do Estado.'' 

Já para ALIOMAR BALEEIRO, nos Estados democráticos o orçamento é considerado o ''...ato  pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza  ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei''  (''Uma Introdução à Ciência das Finanças'', p.  411, Forense, 2002).

Claro que o orçamento tem um caráter político, sendo também, a autorização legislativa para um plano de governo.

A atividade orçamentária do Estado contemporâneo vem bem delimitada nas constituições dos estados e no Brasil a situação não poderia ser diferente.  Impende notar que a elaboração do orçamento público está vinculada a alguns princípios. Os mesmos autores lembram  quais são: a) anualidade; b) unidade; equilíbrio e d) especialização.

O primeiro deles, anualidade, surgiu   --  e não é surpresa alguma --   em um país extremamente  fecundo  na criação empírica de institutos  que se consolidaram como bases  jurídicas da  democracia contemporânea, a Inglaterra.   Assim, desde o século XVII, as leis orçamentárias eram elaboradas anualmente, porque mais acertadas seriam suas previsões. Há países que elaboravam seus orçamentos bienalmente e outros, em tempos de guerra, semestralmente ou até mesmo, mensalmente.  O princípio da anualidade tem vigência no Brasil, com a particularidade de que o ano financeiro ou fiscal sempre coincide com o ano civil.

O princípio da unidade implica que o orçamento conste de um documento único, total e uniforme. Este princípio está parcialmente sacrificado no Brasil, com a previsão do art. 165, §5.º:

''...§ 5.º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público.''

O princípio do equilíbrio é um dogma clássico que se aplica aos orçamentos. A equivalência entre receita e despesa tem sido indicada como fonte de progresso e bem estar das sociedades, superadas hoje em grande parte o entusiasmo com os ''deficits orgânicos'' tão propalados por Lord Keynes e seus séquitos  em meados do século XX, ainda que se possa antever sua útil  aplicação em momentos de depressão econômica.

A especialização impõe sejam evitadas as dotações globais de recursos, a atender indiferentemente pessoal, material, transferências, custeio etc, evitando-se que possa o Executivo, executor maior do orçamento, desvirtuar as  disposições do Legislativo.

Especificamente no que tange à autorização para abertura de crédito adicional na modalidade suplementar prescreve a Constituição:

“Art. 165 - ...

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.

Vê-se, de início, que embora a Lei Suprema admita que na própria LOA seja tratado o tema crédito suplementar, não estabeleceu ela nenhum parâmetro quantitativo para a pré-autorização legislativa genérica.  Sobre este aspecto ensina Hely Lopes Meirelles (In: Direito Municipal Brasileiro. Malheiros Editores. 14ª Edição, São Paulo, 2006, pág.681) que “A lei aprovadora do orçamento poderá já ter autorizado a abertura de créditos suplementares até determinado limite, o que então poderá ser feito por decreto, independentemente  de lei especial”. Contudo, mais adiante, na mesma obra e página o autor pontua: “A denegação de créditos suplementares e especiais é ato de deliberação exclusiva da Câmara – como, aliás, o é toda votação de lei -, mas sua autorização está vinculada às exigências constitucionais e legais superiores, o que permite a invalidação judicial da lei autorizativa ( que é de efeitos concretos), por mandado de segurança ou ação popular, se ofensiva de direito individual líquido e certo ou lesiva ao patrimônio municipal”.

Sobre a questão pondera Ricardo Lobo Torres (In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Volume V. Editora Renovar. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2000, pág. 246) que “o subprincípio da reserva da lei significa que apenas a lei formal pode aprovar os orçamentos e os créditos especiais e suplementares. Tem por objetivo a segurança dos direitos fundamentais e o controle político da Administração. Por outro lado, o art. 167, em seus 9 itens, cuida exaustivamente da matéria sujeita ao princípio da reserva da lei”.

De fato, de acordo com os incisos V e VI do art. 167 da Constituição Federal:

“ Art. 167- São vedados:

(....)

V- a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.

 

Constata-se, pois, que tanto a autorização para abertura de crédito suplementar como a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria para outra ou de um órgão para outro, devem obedecer aos requisitos traçados na Constituição, no plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias, além das disposições pertinentes da Lei Federal n. 4.320/1964 (arts. 7º; 40 e segts) e da Lei Complementar n. 101/2000 (arts. 4º a 7º), sob pena da Câmara extrapolar suas funções e incorrer em inconstitucionalidade e ilegalidade. Contudo, a pré-autorização para crédito adicional suplementar em percentual modesto, ou mesmo a autorização específica em percentuais e valores inferiores aos pleiteados pelo Poder Executivo,  nada tem de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

         Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

         A norma contestada é compatível com o seguinte preceito da Constituição Estadual:

Artigo 176 - São vedados: 

(...)

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

VII - a concessão ou utilização de créditos ilimitados”.

 

                   O preceito acima indicado reproduz o quanto disposto no  art.167, VI e VII, da Constituição Federal.

 

                    A exigência prévia autorização legislativa para abertura de créditos adicionais resultantes de transposição, remanejamento e ou transferência de recursos de diferentes categorias de programação ou órgãos, é compatível com o 176, VI, da Constituição Estadual, pois, é essencial ao equilíbrio entre os Poderes da República a prévia autorização legislativa para alterações substanciais na lei orçamentária.

 

Assim, a Câmara Municipal de Jumirim não usurpou funções do Executivo e nem extrapolou ao dar nova redação ao art. 4º da Lei n. 495, de 23 de janeiro de 2014, do Município de Jumirim.

Em consequência, o dispositivo impugnado não é inconstitucional como pugnado na inicial.

Em face do exposto, aguardo o julgamento de improcedência desta ação direta – dando-se, no entanto, interpretação conforme à Constituição Federal ao “caput” do art. 4º, da Lei n. 495, de 23 de janeiro de 2013, cuja redação foi dada pela Emenda Parlamentar n. 03/2013, tendo em vista, que a o inciso III do art. 13 da Lei de Diretrizes do Município de Guarulhos, autoriza o Poder Executivo, nos termos da Constituição Federal (art. 165,§8º) a abrir créditos adicionais suplementares até o limite de 8% (oito por cento) do orçamento das despesas, nos termos da legislação vigente, sendo que dentro deste limite o remanejamento de dotações orçamentárias a abertura de créditos adicionais suplementares e especiais poderão ser feitas através de decreto.

São Paulo, 28 de abril de 2014.

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

         Subprocurador-Geral de Justiça

    Jurídico

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