Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 2024809-35.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita Municipal de Monte Alto

Requerida: Presidente da Câmara Municipal de Monte Alto

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.984, de 11 de setembro de 2013, de Monte Alto.

 

 

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal 2.984, de 11 de setembro de 2013, de Monte Alto, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre campanha de conscientização a ser desenvolvida nas escolas da rede pública municipal sobre a posse e propriedade de animais domésticos e/ou de estimação, e dá outras providências”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Criação de despesas sem fonte específica de receita (art. 25 da Constituição Paulista).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Senhora Prefeita Municipal de Monte Alto, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.984, de 11 de setembro de 2013, de Monte Alto, de iniciativa parlamentar, que trata da “campanha de conscientização a ser desenvolvida nas escolas da rede pública municipal sobre a posse e propriedade de animais domésticos e/ou de estimação e dá outras providências”.

Sustenta a autora que a iniciativa, nessa matéria, é reservada ao Chefe do Executivo, bem como que houve desrespeito ao princípio da separação de poderes, provocando aumento de despesa sem indicação de receita.

Foi concedida liminar, determinando a suspensão do ato normativo (fls. 21/22).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls. 33/35).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 37/41).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 2.984, de 11 de setembro de 2013, de Monte Alto, de iniciativa parlamentar, que trata da “campanha de conscientização a ser desenvolvida nas escolas da rede pública municipal sobre a posse e propriedade de animais domésticos e/ou de estimação e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica a Prefeitura Municipal de Monte Alto responsável pela implementação de Campanha de conscientização a ser desenvolvida nas Escolas da rede pública municipal sobre posse e propriedade de animais domésticos e/ou de estimação.

Art. 2º. O trabalho de conscientização nas escolas deverá ser feito através de filmes, palestras, distribuição de folhetos contendo normas sobre higiene, esterilização e guarda responsável, inclusive com a inserção de aula de atividades lúdicas, para melhor assimilação pelas crianças e adolescentes.

Art. 3º. O Poder Executivo poderá fazer acordos com ONGs – Organizações não Governamentais que trabalham com esta finalidade para ajudar na execução deste trabalho junto às Escolas.

Art. 4º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.”

Em que pese a boa intenção que certamente animou a iniciativa parlamentar, o ato normativo impugnado revela-se invasivo da esfera da gestão administrativa, inerente à atividade típica do Poder Executivo.

Desse modo, a lei de iniciativa parlamentar configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas “formalmente” ato legislativo. Não é necessário que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.

Em outras palavras, se a lei dispõe, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, sobre atividade tipicamente inserida na esfera da administração pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

Criar determinada campanha de conscientização é matéria exclusivamente relacionada à administração pública, a cargo do Chefe do Executivo.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo, seria inconstitucional.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale a prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando, a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade e aos limites da adoção da regra da separação.

Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.

Não bastasse isso, a lei impugnada provocará, evidentemente, realização de despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes de receita para tanto.

Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.984, de 11 de setembro de 2013, de Monte Alto.

 

São Paulo, 14 de maio de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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