Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo nº 2026174-27.2014.8.26.0000/50000
Requerente: Associação Comercial e Empresarial de Guarulhos
Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos
Ementa:
1) Lei n° 7.216, de 16 de dezembro de 2013, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a Modernização da Administração Tributária do Município de Guarulhos” e do Decreto n. 31.511, de 26 de dezembro de 2013, que a regulamenta.
2) Preliminar. Ausência de notificação do Poder Executivo e da Câmara Municipal para fornecimento de informações. Falta de pertinência temática que enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, por ausência de interesse de agir.
3) Mérito. Instituição de Gratificação pelo Incremento da Arrecadação – GIA. Violação dos arts. 111, 128 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
4) Parecer pela extinção do processo sem julgamento do mérito por ausência de interesse de agir e, no mérito, pela procedência parcial da ação.
Egrégio Tribunal:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação Comercial e Empresarial de Guarulhos, em face da Lei n° 7.216, de 16 de dezembro de 2013, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a Modernização da Administração Tributária do Município de Guarulhos” e do Decreto n. 31.511, de 26 de dezembro de 2013, que a regulamenta.
Alega o autor que os arts. 9º, 11, 12 e 13 da legislação em questão padecem de inconstitucionalidade por violarem os arts. 111, 128, 144 e 297 da Constituição Estadual e os arts. 37 e 39, § 1º, da Constituição Federal.
O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 63/65).
Não foram juntadas aos autos as informações dos requeridos, nem a manifestação do D. Procurador-Geral do Estado.
É o relatório.
Preliminarmente.
Fundamental a notificação do Prefeito Municipal, como também da Câmara Municipal, para o fornecimento de informações no processo objetivo de constitucionalidade.
Legitimação ativa possui o requerente. O que demanda
examinar é se é portador de pertinência temática, que se revela ante a existência de correlação entre o objeto do pedido de
declaração de inconstitucionalidade e os objetivos institucionais da associação,
conforme decisão do Tribunal Pleno do STF na ADI 3.702-ES, Rel. Min. Dias
Toffoli, 01-06-2011, v.u., DJe 30-08-2011.
Ademais, os arts.
4º e 5º do estatuto da entidade sindical estabelecem seus objetivos, cuja leitura
possibilita verificar a inexistência de pertinência temática.
Observe-se que
a lei impugnada dispõe sobre instituição de gratificação a servidores lotados e
em efetivo exercício na Secretaria de Finanças do Município de Guarulhos, sem
reflexo direto e imediato na categoria representada.
Já decidiu o
Supremo Tribunal Federal que não atende ao requisito específico o mero
interesse indireto ou econômico, sem ligação imediata e direta com o escopo
institucional da entidade sindical, como julgado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL (CSPB) - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA ‘AD CAUSAM’ POR FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA - INSUFICIÊNCIA, PARA TAL EFEITO, DA MERA EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE CARÁTER ECONÔMICO-FINANCEIRO - HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. - O requisito da pertinência temática - que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato - foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa ‘ad causam’ para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Precedentes” (STF, ADI-MC 1.157-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-12-1994, m.v., DJ 17-11-2006, p. 47).
Destarte, opino
pela extinção do processo sem resolução do mérito.
Mérito
Se superada a preliminar, a ação deve ser julgada procedente.
Inicialmente insta salientar que o contraste da lei local com dispositivos da Constituição Federal não viabiliza o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade, cujo único parâmetro é a Constituição do Estado (art. 125, § 2º, Constituição Federal).
É pacífico nesse Tribunal de Justiça que:
“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com
dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de
sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis
complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não
pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial,
Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
Por este motivo, passa-se a análise tão somente de eventual contraste dos atos normativos impugnados com a Constituição Estadual.
Com efeito, os artigos 9º, 11, 12 e 13 da Lei n. 7.216, de 16 de dezembro de 2013, do Município de Guarulhos apresentam a seguinte redação:
“Art. 9º - Ficam instituídas as Metas de Resultados de Arrecadação-MRA a
serem desempenhadas pelo coletivo dos servidores públicos lotados e em efetivo
exercício nas Unidades da Secretaria de Finanças do Município de Guarulhos.
Art. 11- Fica instituída a Gratificação pelo Incremento da Arrecadação –
GIA, devida a cada trimestre aos servidores lotados e em efetivo exercício na
Secretaria de Finanças, concedida mediante o alcance das metas de Resultado de
Arrecadação MRA, definidas com base no art. 9º desta Lei.
Parágrafo único. O valor correspondente à gratificação de que trata o
caput será pago em três parcelas de igual o valor, nos três meses subsequentes
a sua apuração, juntamente com os demais vencimentos do servidor.
Art. 12- A Gratificação pelo Incremento da Arrecadação- GIA será de no
máximo até 15% (quinze por cento) do valor correspondente ao aumento real de
receita apurado no período, cabendo aos servidores indiretamente relacionados
com a Arrecadação Tributária, o percentual de 70% (setenta por cento) do valor
a ser pago individualmente aos servidores diretamente relacionados com a
Arrecadação Tributária.
Parágrafo único. Os servidores lotados e em efetivo exercício na
Secretaria de Finanças que estejam ocupando cargo em comissão ou função
gratificada, receberão a Gratificação pelo Incremento de Arrecadação – GIA
correspondente ao seu cargo de origem.
Art. 13- Os servidores diretamente relacionados com a Arrecadação Tributária
que percebam gratificação por desempenho individual, somente farão jus à
Gratificação pelo Incremento da Arrecadação – GIA desde que obtenham no mínimo
50% (cinquenta por cento) da pontuação máxima prevista na legislação pertinente
na legislação pertinente, no trimestre considerado para a sua apuração.
Embora o município seja dotado
de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. arts.
1º e 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois
se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da
Silva, Direito constitucional positivo,
13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal
deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição
Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Júnior, Curso de direito
constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua
autonomia administrativa, o município cria cargos, empregos e funções, mediante
atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem
como se estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade
de que o município organize seus próprios serviços encontra balizamento na
própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei,
respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime
jurídico do serviço público.
Observa-se, no exame do caso, a inconstitucionalidade dos arts. 11, 12 e 13 da Lei n. 7.216, de 16 de dezembro de 2013, do Município de Guarulhos.
Note-se que o art. 11, instituiu a Gratificação pelo Incremento da Arrecadação-GIA, devida a cada trimestre aos servidores lotados e em efetivo serviço na Secretaria de Finanças, concedida mediante o alcance das Metas de Resultado de arrecadação-MRA, definidas com base no art. 9º desta Lei.
O art. 12 estabelece o valor máximo da Gratificação pelo Incremento da Arrecadação-GIA, em até 15% (quinze por cento) do valor correspondente ao aumento rela de receita apurada no período, cabendo aos servidores indiretamente relacionados com a Arrecadação Tributária, o percentual de 70% (setenta por cento) do valor a ser pago individualmente aos servidores diretamente relacionados com a Arrecadação Tributária.
Essa Gratificação é devida, igualmente, aos servidores lotados e em efetivo exercício na Secretaria de Finanças que estejam ocupando cargo em comissão ou função gratificada.
Por fim, de acordo com o art. 13 da referida legislação, os servidores diretamente relacionados com a Arrecadação Tributária que percebam gratificação por desempenho individual, somente farão jus à Gratificação pelo Incremento da Arrecadação-GIA desde que obtenham no mínimo 50% (cinquenta por cento) da pontuação máxima prevista na legislação pertinente, no trimestre considerado para a sua apuração.
A incompatibilidade entre os dispositivos legais e a Constituição do Estado, aqui, é palpável.
A lei fixou gratificação cujo valor não pode ser apurado concretamente, eis que será de no máximo em até 15% (quinze por cento) do valor correspondente ao aumento real de receita apurado no período de três meses para servidores lotados e em efetivo exercício na Secretaria de Finanças, inclusive para os que estejam ocupando cargo em comissão ou função gratificado.
Verifica-se, também, pela leitura do art. 13, que os servidores diretamente relacionados com a Arrecadação Tributária que percebam gratificação por desempenho individual, também farão jus à Gratificação Pelo Incremento da Arrecadação, desde que obtenham no mínimo 50% (cinquenta por cento) da pontuação máxima prevista na legislação pertinente.
Diante desse quadro podemos chegar a conclusão que os servidores diretamente relacionados com a Arrecadação Tributária fazem jus a duas gratificações, quais sejam, por desempenho e pelo incremento da arrecadação, caso obtenham 50% (cinquenta por cento) da pontuação máxima prevista, ou seja, recebem gratificações por atividade inerente ao próprio cargo, ou seja, o dever de fiscalizar.
Isso equivale, na prática, à fixação de benefício sem indicação de valor e de fundamento, e contraria, ademais, o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como o princípio da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.
Evidentemente, pode o legislador criar gratificações ou mesmo adicionais.
Mas é necessário que correspondam a um fundamento real, não fictício.
Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 28. Ed., 2003, p. 458), observa que “Vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officci), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações (gratificações de serviço e gratificações pessoais).”
No mesmo sentido a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 308-309), ao mencionar, exemplificativamente, a possibilidade de várias espécies de gratificações (por exercício de funções de direção, chefia, assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de natureza especial, natalina, por encargo de curso ou concurso) e de adicionais (adicional do tempo de serviço, pelo exercício de atividades insalubres, penosas ou perigosas, por serviços extraordinários, etc.).
Qualquer que seja a fonte doutrinária adotada, entretanto, para o estudo da matéria, é possível chegar-se à percepção de que se não há uma razão peculiar, que vá além do simples exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de adicional ou gratificação.
Ademais, o modo como o benefício foi instituído contraria, efetivamente, os princípios da razoabilidade e da moralidade, que deve nortear a atividade da Administração Pública e a atividade legislativa.
Por força do princípio da razoabilidade é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).
Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83.
No caso em exame, quando se parte da constatação de que a gratificação em exame foi criada para aumentar o valor da arrecadação tributária do município por agentes fiscais (ou seja, daquilo que ordinariamente já se compreende entre as suas atribuições), percebe-se que o benefício é desnecessário, inadequado e submete o Poder Público a restrições ou encargos (financeiros) que vão além do razoável.
Ademais, não só os
servidores diretamente ligados à Arrecadação Tributária são beneficiados, mas
também os indiretamente ligados.
E, ainda, sequer pode-se mensurar o valor da gratificação instituída, o que além de não ser razoável é imoral.
Ante o exposto, o
parecer é pela extinção do processo sem julgamento do mérito ou, no mérito,
pela procedência parcial da presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade
apenas dos arts. 11, 12 e 13 da Lei n. 7.216, de 16 de dezembro de 2013, do
Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a Modernização da Administração
Tributária do Município de Guarulhos e dá outras providências” e do Decreto n.
31551, de 26 de dezembro de 2013, na parte em que regulamenta referidos
artigos, salientando que o art. 9º , da legislação em questão não padece de
inconstitucionalidade, na medida em que
apenas institui Metas de Resultado de Arrecadação.
São Paulo, 06 de maio de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb