Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2030915-13.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Brodowski

Requerida: Câmara Municipal de Brodowski

 

 

 

Constitucional. Financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.181, de 27 de dezembro de 2013, do Município de Brodowski. Irregularidade da representação processual. Diligência alvitrada. Lei orçamentária. Emenda parlamentar. Redução do limite percentual de abertura de créditos suplementares com dispensa de autorização legislativa. Adstrição aos limites constitucionais específicos. Improcedência da ação. 1. Pertencendo a legitimidade ativa ad causam ao Chefe do Poder Executivo Municipal é irregular a representação processual baseada em mandato (sem poderes específicos) outorgado pelo Município, pessoa jurídica de direito público interno. 2. Lei Orgânica Municipal não é parâmetro do contencioso de constitucionalidade de lei local. 3.  Emenda parlamentar promoveu a redução do limite percentual da autorização para abertura de créditos suplementares à míngua de autorização legislativa específica. 4. Questão que não se relaciona à iniciativa legislativa reservada, mas, aos limites do poder de emenda parlamentar ao projeto de lei orçamentária. 5. Ao Poder Legislativo é consentida emenda ao projeto de lei orçamentária, observados os limites constitucionais próprios que foram respeitados (art. 175, §§ 1º, 2º, 4º e 5º, CE/89). 6. Constituindo parcial redução da competência do Poder Legislativo para autorização à abertura de crédito suplementar (art. 176, V, CE/89), é razoável a conclusão de que a definição do limite de dispensa de prévia autorização legislativa é prerrogativa da alçada política do Poder Legislativo, desde que não implique concessão de créditos ilimitados. 7. Improcedência da ação.

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito Municipal de Brodowski impugnando a Lei n. 2.181, de 27 de dezembro de 2013, do Município de Brodowski, por incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 47, II, XIV e XVIII, 144 e 174, III, da Constituição Estadual e art. 135, III, da Lei Orgânica do Município. Deferida a liminar (fls. 145/146), a Câmara Municipal de Brodowski prestou informações postulando a improcedência da ação com lastro no art. 167, V e VI, da Constituição Federal (fls.150/155), e o douto Procurador-Geral do Estado se absteve de sua defesa (fls. 230/232).

2.                É o relatório.

3.                Registro a idoneidade do contencioso de constitucionalidade em face de lei orçamentária (RTJ 206/232, 212/372), mas, o contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal), razão pela qual é inadmissível seu contraste com a Lei Orgânica do Município ou o direito infraconstitucional.

4.                Observo, todavia, que padece de irregularidade a representação processual do autor. O Prefeito Municipal de Brodowski que não subscreve a petição inicial é representado por doutos advogados públicos, porém, os respectivos mandatos anexados (e que não contém poderes específicos) foram outorgados pela pessoa jurídica Município de Brodowski que não é legitimada ativa ad causam.

5.                No contencioso de constitucionalidade a legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

6.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

7.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado que não porte mandato com finalidade específica.

8.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

9.                Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

10.              O colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça tem secundado a orientação dispensada pelo Supremo Tribunal Federal:

Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (TJSP, ADI 0030396-43.2012.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, v.u., 17-10-2012).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.664/2011 do Município de Mauá. Ação ajuizada pelo Prefeito Municipal que, entretanto, não subscreveu a petição inicial, nem outorgou procuração com poderes específicos aos subscritores daquela peça processual. Apresentação de procuração outorgada pelo Município no prazo concedido para regularização. Atendimento insuficiente e inadequado, uma vez que a legitimidade para a propositura da ação é do Prefeito (pessoa física), e não do município enquanto pessoa jurídica. Inteligência do art. 90, inciso II, da Constituição Estadual. Precedentes deste C. Órgão Especial. Processo extinto sem resolução do mérito (art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil)” (TJSP, ADI 0131964-05.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Luiz Pires Neto, v.u., 08-05-2013).

“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei n. 4.782, de 29/05/2012, do Município de Mauá – Irregularidade na representação processual do Prefeito Municipal – O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial tampouco outorgou procuração aos advogados subscritores – Oportunidade de regularização concedida, sem adequado cumprimento da deliberação judicial – Ação extinta, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV, do CPC” (TJSP, ADI 0200888-68.2012.8.26.0000, Rel. Des. Grava Brazil, v.u., 06-03-2013).

11.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização da representação processual, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

12.              A petição inicial pretende a “declaração de inconstitucionalidade da Emenda n.º 002/2013, constante na Lei Municipal nº 2.181, de 27 de dezembro de 2013”.

13.              O Prefeito Municipal apresentou ao Poder Legislativo o projeto de lei orçamentária para o exercício de 2014 (Projeto de Lei n. 048/2013), contendo entre suas disposições o seguinte:

“Art. 3°. Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a:

I - Abrir créditos suplementares, no limite de até 10% (dez por cento) do total da despesa, nos termos do art. 7°, da Lei 4320/64”.

14.              A emenda questionada foi aprovada e o veto aposto, derrubado, tendo a Lei n. 2.181/13 a seguinte redação nesse particular:

“Art. 3° Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a:

I - Abrir créditos suplementares, no limite de até 1% (um por cento) do total da despesa, nos termos do art. 7º, da Lei 4320/64”.

15.              A emenda parlamentar promoveu a redução do limite percentual da autorização para abertura de créditos suplementares à míngua de autorização legislativa específica.

16.              Não vinga alegar que a autorização concedida na própria lei orçamentária afronta o art. 167, V, da Constituição Federal, porque, de qualquer modo, satisfeita a reserva legal. Ademais, o que é vedado é a concessão ou utilização de créditos ilimitados, como consta do art. 176, VII, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 167, VII, da Constituição Federal.

17.              Tampouco procede a alegação de violação ao princípio da separação de poderes por ofensa à reserva de iniciativa legislativo do Chefe do Poder Executivo. Como visto, o Prefeito Municipal apresentou o projeto de lei orçamentária anual e a Câmara Municipal aprovou emenda, o que é absolutamente possível desde que observados os limites constitucionais.

18.              Portanto, a questão não se relaciona à iniciativa legislativa reservada, mas, aos limites do poder de emenda parlamentar ao projeto de lei orçamentária, de tal maneira que se afigura improcedente a alegação de contrariedade aos arts. 5º, 47, XVII e 174, III, da Constituição Estadual.

19.              A arguição de incompatibilidade com os arts. 24, § 2º, e 47, II e XIV, da Constituição Estadual, é imprópria porque a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo não impede emendas parlamentares ao projeto de lei orçamentária anual desde que respeitados os limites constitucionais. Conclusão diversa tornaria o Poder Legislativo órgão meramente homologatório da vontade do Poder Executivo, ruindo com a compreensão do princípio da separação de poderes.

20.              Com efeito, assim prevê a Constituição Estadual:

“Artigo 175 - Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas emendas, serão apreciados pela Assembleia Legislativa. 

§ 1º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que: 

1 - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; 

2 - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: 

a) dotações para pessoal e seus encargos; 

b) serviço da dívida; 

c) transferências tributárias constitucionais para Municípios.

3 - sejam relacionadas: 

a) com correção de erros ou omissões; 

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. 

§ 2º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual. 
(...)

§ 4º - Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo. 

§ 5º - Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes, poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”. 

21.              Esse desenho normativo reproduz os §§ 3º, 4º, 7º e 8º do art. 166 da Constituição Federal. Destarte, é legítimo o poder de emenda, como já decidido:

“(...) O poder de emendar projetos de lei - que se reveste de natureza eminentemente constitucional - qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 - RTJ 37/113 - RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO), desde que - respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República - as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da Carta Política. (...)” (RTJ 191/412). 

22.              Ora, a emenda parlamentar impugnada não desbordou dos limites constitucionais. Ademais, significando parcial redução de sua competência para abertura de crédito adicional ou suplementar (art. 176, V, Constituição Estadual), é razoável a conclusão de que a definição do limite de dispensa de prévia autorização legislativa é prerrogativa da alçada política do Poder Legislativo, desde que não implique concessão de créditos ilimitados.

23.              Opino pela improcedência da ação.

 

                   São Paulo, 25 de abril de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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