Parecer
Processo n. 2034379-45.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do
Município de Atibaia
Requerida: Câmara Municipal
de Atibaia
Constitucional.
Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 4209, de 07 de
fevereiro de 2014, do Município de Atibaia. Horário de funcionamento de
creches públicas. Iniciativa Parlamentar. Separação de poderes. Reserva de
iniciativa legislativa. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1.
A iniciativa parlamentar de lei local que
disciplina o horário de funcionamento de creches municipais é incompatível com
o princípio da separação de poderes.
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada
pelo Prefeito do Município de Atibaia impugnando a Lei n. 4209, de 07 de fevereiro de 2014, que “DISPÕE SOBRE O HORÁRIO DE
FUNCIONAMENTO DAS CRECHES MUNICIPAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”, de
iniciativa parlamentar, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 25, 47, incisos II, XI, XIV, 111 e
144 da Constituição do Estado de São Paulo (fls. 01/13).
Deferida a
liminar (fls. 89/94),
a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei vergastada (fls.
103/105), e a Câmara Municipal de Atibaia prestou informações a fls. 109/111.
É
o relatório.
A ação é procedente.
A
inconstitucionalidade decorre da iniciativa parlamentar, agressiva da separação
de poderes, porque seu objeto é típico ato de administração ordinária,
reservado exclusivamente ao Poder Executivo e imune da interferência do Poder
Legislativo, como se capta dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
Postulado
básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância
obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta
Estadual.
Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do
Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e
entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia,
vedando interferências indevidas de um sobre o outro.
A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes: “consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
Se, em princípio, a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por caracterizarem assuntos de natureza eminentemente administrativa são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual) em espaço que é denominado reserva da Administração. Neste sentido, enuncia a jurisprudência:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. -
O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência
normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência
administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).”
No caso, foi violentada a reserva da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária, a edição de normas e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento, imune a qualquer ingerência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual).
A
decisão sobre o horário de funcionamento de creches municipais é da inerência
da típica gestão ordinária da Administração, cujas linhas mestras são
reservadas privativamente ao Chefe do Poder Executivo, alforriado da
interferência do Poder Legislativo, no espectro de sua atribuição de governo do
Chefe do Poder Executivo.
Não bastasse, ainda que a matéria demandasse
lei formal, também padeceria de inconstitucionalidade a lei local por sua
iniciativa parlamentar.
Em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:
“as regras do processo legislativo federal,
especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de
observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“(...) I. - As regras básicas do processo
legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e
Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos
Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo
25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os
quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode
usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as
matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição
Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa,
são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos
Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25,
caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o
pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode
validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe
do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
Decorre do mencionado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina:
“É a esse arranjo, mediante o qual, pela
distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos
estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam,
já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles
recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks
and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’
(equilibrium of powers)” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito
Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
A reserva de iniciativa legislativa se inclui nestes mecanismos, em especial para organização e funcionamento da Administração (entidades e órgãos do Poder Executivo), e outorga de respectivas atribuições, quando houver criação ou extinção de órgãos públicos ou aumento de despesa, segundo se colhe da leitura conjugada dos arts. 24, § 2º, 2 e 47, XIX, a, da Constituição do Estado. Neste sentido:
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder
Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de
decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições
de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da
Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie,
16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“À luz do princípio da simetria, são de iniciativa
do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização
administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e
funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de
despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo
(art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal)” (STF, ADI
2.857-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).
É inegável que a extensão do horário de funcionamento de creche pública implica sobrecarga de ônus financeiro, o que demandaria a observância da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo.
Quando lei de iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25 e 174, III, da Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das novas despesas, seja porque este reserva ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual, conforme pronuncia o Supremo Tribunal Federal:
“Ação direta de
inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e
atribuições de Secretaria Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do
Poder Executivo. Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação
orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo.
Precedentes. 5. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. 2. Lei Do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do
Pólo Estadual da Música Erudita. 3. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias
da Administração Pública. 4. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder
Executivo. 5. Precedentes. 6. Exigência de consignação de dotação orçamentária
para execução da lei. 7. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação
julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 338, p. 46).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS
MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE
INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi
apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de
Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública
estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois
Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao
disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil.
3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei
orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição
de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada
implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais
preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ
200/1065).
O colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de apreciar situação similar em venerando acórdão relatado pelo eminente Desembargador Roberto Mac Cracken, assim ementado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de
ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Douta e Nobre Prefeita do
Município de Guarujá/SP, visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei
Municipal n° 3.703, de 28 de novembro de 2008, que dispõe sobre o funcionamento
de creches no horário noturno e adota outras providências -
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - Matéria de competência privativa do Chefe do
Poder Executivo local - Presença de vício de inconstitucionalidade formal na
produção da norma impugnada.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE”
(ADI 0151911-11.2013.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, v.u.,
27-11-2013).
21. Esse julgado se apoiou em precedentes do colendo Órgão
Especial (ADI 0129730-16.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello,
23-10-2013; ADI 135.527-0/5-00, Rel. Des. Carlos Stroppa, 03-10-2007).
Esta convicção não é abalada pela natureza autorizativa da lei.
A autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade porque sua iniciativa é da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, cuja prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei foi violada.
Lição doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(...) insistente na prática legislativa
brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por
parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou
serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral
matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores
do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes
consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso,
os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda,
realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais
exageradamente autorizativa é a ‘lei’
que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a
executar atos que já lhe estão autorizados
pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder.
O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder
Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do
Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo
Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois
jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde
já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente"
(Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição
Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).
A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de
sua iniciativa privativa implica, em verdade, uma determinação, sendo,
portanto, inconstitucional. Assim vem julgando este egrégio Tribunal, afirmando
a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que
essas “autorizações” são mero eufemismo de “determinações” e, por isso, usurpam
a competência material do Poder Executivo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se
uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou
autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional,
essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o
que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não
autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis
autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por
usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio
constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER
CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do
Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE
DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER
AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA
EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE
VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI
ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro,
15-08-2007).
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA -
AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS
VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS
APÓS O VENCIMENTO – INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE
INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada
originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de
ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração
Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do
Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização
para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos
constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u.,
19-05-2010).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do
Município de Andradina, 'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a
todos os alunos das escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de
material escolar, através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa
da edilidade, mas que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do
Executivo. Violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não
obstante com caráter apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência
material do Chefe do Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7,
Rel. Des. José Santana, v.u., 14-07-2010).
A argumentação da natureza autorizativa da norma e da
inércia na execução da lei não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade,
como já decidido:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes
a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades
legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional
a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu
sucessor, com as consequências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC
2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ
05-03-2004, p. 13).
A
Administração Pública está vinculada positivamente ao princípio da legalidade
(art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual) e, atento à
consideração (essencial) do cancelamento da Súmula 05 do Supremo Tribunal
Federal, afigura-se impossível ao Chefe do Poder Executivo (vetando ou não a
lei de iniciativa parlamentar que disciplina a matéria) cumpri-la (ou seja,
atender à autorização nela contida), pois, a inconstitucionalidade a tisna
desde seu nascedouro, e a dimensão do princípio da legalidade (rectius:
juridicidade) requer a conformidade dos atos da Administração com o ordenamento
jurídico inteiro – inclusive as normas constitucionais.
Face
ao exposto, opino pela procedência da ação para declarar a incompatibilidade da
Lei n. 4209, de 07 de fevereiro de 2014, que “DISPÕE
SOBRE O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DAS CRECHES MUNICIPAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”,
de iniciativa parlamentar, com os arts. 5º, 25, 24, § 2º, 1, 2 e 4, 47, II, XIV, e XIX, a, da
Constituição Estadual.
São
Paulo, 12 de maio de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
ef