Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2035750-44.2014.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Sorocaba

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 3º, e art. 5º, fruto de emendas parlamentares, da Lei Municipal nº 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba, que “Estabelece o Plano Plurianual do Município de Sorocaba para o período 2014 a 2017 e define as metas e prioridades da Administração Pública Municipal para o exercício de 2014”.

2)      Emendas parlamentares em matéria de lei orçamentária, cuja iniciativa é exclusiva do chefe do Executivo. Inteligência dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista: artigos 24, § 4º, 174, § 8º, 175 e §§, e 176, § 1º da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual. Precedentes do STF.

3)      Observância das diretrizes constitucionais no sentido de que: (a) não se admite o aumento de despesa; (b) admitem-se emendas parlamentares, ao projeto de lei orçamentária, compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; (c) as emendas parlamentares devem indicar os recursos necessários (remanejamento), admitidos, apenas, aqueles provenientes de anulação de despesas, excluídas as dotações para pessoal e encargos, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionalmente previstas; (d) não admissão de emendas que tragam dispositivos estranhos à previsão de receita e fixação de despesas (salvo abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita); (e) nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de responsabilidade.

4)      Lei do Plano Plurianual. Definição de prioridades, modificação de programas, e indicações de situações concretas, a servir de objeto de especial atenção da Administração Pública. Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado). “Reserva de administração”. Precedentes do STF.

5)   Parecer no sentido da parcial procedência da ação direta, para reconhecimento da inconstitucionalidade exclusivamente do art. 5º da Lei 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Sorocaba, tendo como alvo o parágrafo único do art. 3º, e art. 5º, fruto de emendas parlamentares, da Lei Municipal nº 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba, que “Estabelece o Plano Plurianual do Município de Sorocaba para o período 2014 a 2017 e define as metas e prioridades da Administração Pública Municipal para o exercício de 2014”.

Noticia o requerente que os dispositivos impugnados são fruto de emendas parlamentares, contrariam o princípio da separação de poderes, a reserva de iniciativa, princípio da exclusividade da lei que estabelece normas orçamentárias, e o princípio da especialidade da lei que concede desoneração tributária. Aponta, portanto, ofensa aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: artigos 5º, 47, II, 144, 163, § 6º, e ainda o artigo 174, §§ 1º, 6º e 8º.

Aponta ainda a ocorrência de violação de dispositivos da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão dos dispositivos impugnados (fls. 472/474).

Citado, o senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 482/485, e 488).

A Presidência da Câmara Municipal de Sorocaba prestou informações, sustentando a inépcia da petição inicial (pela ausência de descrição das razões para a afirmação da ocorrência de aumento de despesa em decorrência das emendas parlamentares), bem como a constitucionalidade do ato normativo (fls. 492/501).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: INEXISTÊNCIA DE INÉPCIA DA INICIAL

Não merece acolhimento a alegação de inépcia da inicial.

Da petição inicial é possível compreender, claramente, quais são os dispositivos impugnados e quais os fundamentos da impugnação.

Essa constatação inviabiliza o acolhimento da alegação de inépcia.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PARÂMETROS INFRACONSTITUCIONAIS OU CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

Os dispositivos impugnados, fruto das emendas parlamentares ao projeto que resultou na edição da Lei Municipal nº 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba, que “Estabelece o Plano Plurianual do Município de Sorocaba para o período 2014 a 2017 e define as metas e prioridades da Administração Pública Municipal para o exercício de 2014”, têm a seguinte redação:

“(...)

Art. 3º.

Parágrafo único. O crescimento da arrecadação através da alíquota do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISSQN, deverá ser considerado anualmente através da Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO e Lei Orçamentária anual – LOA com objetivo de redução gradual da alíquota até o final do quadriênio onde deverá atingir a redução para percentuais de 2% (dois por cento).

(...)

Art. 5º. O Anexo VII fica fazendo parte integrante da presente lei.

(...)”

É necessário observar na redação originária do Projeto de Lei que se converteu no diploma hostilizado não havia a previsão de parágrafo único para o art. 3º, bem como que o art. 5º tinha redação totalmente distinta daquele que resultou das emendas parlamentares.

Pois bem.

É necessário ter-se presente que os dispositivos impugnados estão inseridos, por força de emendas parlamentares, na Lei do Plano Plurianual de Sorocaba para o período de 2014 a 2017.

Como se sabe, quando se trata de projeto de lei orçamentária, a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares ao projeto, cuja iniciativa é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, é relativamente limitada.

Os artigos 24, § 5º, 174, § 8º, 175 e §§, e 176, § 1º da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual (reproduzindo o disposto nos artigos 63, 166 e 167, § 1º da CF), estabelecem, relativamente ao tema, que:

(a) não se admite o aumento de despesa em projeto de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, por força de emenda parlamentar;

(b) admitem-se emendas parlamentares ao projeto de lei orçamentária, desde que elas sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

(c) as emendas parlamentares devem indicar os recursos necessários, admitidos, apenas, aqueles provenientes de anulação de despesas, excluídas dessa possibilidade de remanejamento as que incidam sobre dotações para pessoal e encargos, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionalmente previstas;

(d) não são admissíveis emendas que tragam dispositivos estranhos à previsão de receita e fixação de despesas (ressalvada a abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita);

(e) nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de responsabilidade.

O entendimento do Col. STF, a respeito desse tema, é pacífico, como se infere dos seguintes julgados:

“(...)

Art. 34, § 1º, da Lei estadual do Paraná 12.398/1998, com redação dada pela Lei estadual 12.607/1999. (...) Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c o 61, §1º, II, c, da CF. (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-8-2006, Plenário, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: ADI 4.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009.

(...)

Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa consequente ao projeto inicial (...). (ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-12-1998, Plenário, DJ de 26-2-1999.) No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009; ADI 805, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-12-1998, Plenário, DJ de 12-3-1999; ADI 2.079, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-4-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004; ADI 2.840-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-10-2003, Plenário, DJ de 11-6-2004; ADI 816, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 22-8-1996, Plenário, DJ de 27-9-1996.

(...)

Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30-9-1993; ADI 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, DJ de 14-12-1990; ADI 865-MA, Celso de Mello, DJ  de 8-4-1994. (RE 191.191, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 12-12-1997, Segunda Turma, DJ de 20-2-1998.) No mesmo sentido: ADI 3.288, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 24-2-2011.

(...)

O poder de emendar projetos de lei, que se reveste de natureza eminentemente constitucional, qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. Celso de Mello), desde que, respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República, as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, § 3º e § 4º da Carta Política (...). (ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-9-1994, Plenário, DJ de 23-4-2004.)

(...)

Destaque-se, portanto, que não é correta a afirmação, com a devida vênia relativamente ao entendimento diverso, de que o só fato de ser determinado projeto de lei veiculador de matéria orçamentária eliminaria, a priori, a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares.

Fosse tal entendimento adequado, estaria a pouco ou quase nada reduzida a atividade parlamentar, pois o Poder Legislativo ficaria reduzido à mera atividade de homologação dos projetos de leis do Poder Executivo nessa temática.

Como acima anotado, são plenamente viáveis as emendas a tais projetos, desde que não incidam naquelas limitações expressamente previstas no ordenamento constitucional.

Ademais, como tais regras cuidam de restrições à atuação parlamentar em sua atividade típica, ou seja, legislativa, devem ser interpretadas restritivamente.

Feitas tais observações ficam, em nosso sentir, assentadas as premissas para se afirmar, conclusivamente, que o parágrafo único do art. 3º da Lei Municipal nº 10.620, de Sorocaba, não padece de inconstitucionalidade.

Note-se que nenhum daqueles limites à apresentação de emendas parlamentares, antes transcritos, foi infringido pela redação conferida ao parágrafo único do art. 3º acima referido.

Tenha-se presente, mais uma vez, que a hipótese aqui examinada cuida de Lei do Plano Plurianual, e não da Lei Orçamentária Anual ou da Lei de Diretrizes Orçamentárias, todos eles diplomas cuja edição está prevista na CF (art. 165), mas que possuem funções normativas distintas.

A Lei do Plano Plurianual (como o é a norma objeto de impugnação nesta ação direta), nos termos do art. 165, § 1º da CF, é diploma voltado ao planejamento orçamentário de longa duração, prevendo “de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública” para as “despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”.

Dessa forma, embora seja a Lei do Plano Plurianual imprescindível, por força de disposições constitucionais e infraconstitucionais, a fim de que programas de duração continuada sejam implantados, não implica ela mesma, por si só, a realização de qualquer despesa.

Por essa razão, não se pode afirmar, em princípio, que os dispositivos impugnados, que são fruto de emendas parlamentares, tenham ofendido os dispositivos constitucionais apontados como violados.

Note-se, a propósito da impugnação do parágrafo único do art. 3º da Lei Municipal nº 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba, que não há nele qualquer determinação imediata que implique aumento de despesa ou diminuição de receita.

Referido dispositivo apenas contém uma diretriz endereçada ao legislador, no sentido de que considere (leve em conta) anualmente o crescimento da arrecadação do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), para fins de elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), com o objetivo de promoção, eventual, da redução gradual da alíquota do referido tributo.

Esse dispositivo, em si mesmo considerado, entretanto, não está a conceder qualquer redução ou isenção tributária, visto que o legislador futuro, mesmo fazendo a consideração nele recomendada, por ocasião do exame das propostas de LDO e LOA, poderá, de forma concreta e específica, inclusive em função de fatos supervenientes, imprimir ao tema orientação e solução distinta, não realizando a redução de alíquota do ISSQN prevista no dispositivo glosado nesta ação (art. 3º, parágrafo único).

Observe-se que tal encaminhamento se mostra acertado, precisamente, em função do conteúdo essencialmente programático da Lei do Plano Plurianual.

Dessa forma, com relação a tal dispositivo: (a) não foram desrespeitados os limites às emendas parlamentares; (b) não se trata de Lei Orçamentária, mas sim da Lei do Plano Plurianual; (c) não houve concessão de isenção tributária, redução de receita ou aumento de despesa; (d) não houve violação do princípio da separação de poderes ou da denominada “reserva de administração”; (e) não há falar-se em desrespeito à exclusividade da lei orçamentária ou à especialidade da lei tributária benéfica.

Por outro lado, no que diz respeito ao art. 5º da Lei nº 10.620, também impugnado nesta ação, é oportuno observar que através dele promoveu-se a inclusão no referido diploma do Anexo VII, no qual se vislumbra, por força das emendas parlamentares apresentadas ao projeto originário, a inclusão de “ações” em programas de governo determinados.

Nesse passo, em nosso sentir, deverá ser reconhecida a inconstitucionalidade da alteração decorrente das emendas parlamentares, na medida em que sinalizam especificamente para a adoção, concreta, de programas de ações relacionadas à materialização de determinadas ações administrativas. A lista é extensa, envolvendo desde a ampliação de programas já existentes, bem como ações na área de segurança pública, manutenção de próprios públicos, atividades na área da saúde pública, entre outros temas (cf. fls. 368/371).

A amplitude e especificidade dessas emendas, referindo-se a situações que envolvem escolhas concretas a serem realizadas pela própria Administração Pública (ou seja, pelo Poder Executivo) se resolve em nítida ofensa ao princípio da separação de poderes, ou seja, invasão da denominada “reserva da administração”.

Note-se, inicialmente, que ao determinar que específica providência administrativa seja adotada pelo Poder Público local, relativamente a programas de governo, o Poder Legislativo Municipal pretende regrar atividade que está inserida na esfera da gestão executiva.

Cabe exclusivamente ao Poder Executivo deliberar a respeito da organização dos seus serviços, o modo e o momento como serão prestados, as prioridades a serem observadas, entre outros pontos que ficam essencialmente inseridos no âmbito da atividade administrativa.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei adotando deliberação concreta que, a rigor, cumpre exclusivamente ao Poder Executivo adotar, isso significa invasão da esfera de gestão administrativa e, portanto, violação ao princípio da separação de poderes, assentado no art. 5º e no art. 47, II e XIV da Constituição Paulista.

Em suma, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema, por tratar-se de hipótese da denominada “reserva de administração”.

Nesse sentido o posicionamento do STF, aplicável à hipótese mutatis mutandis:

“(...)

O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

(...)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público. (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)

 É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da parcial procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada exclusivamente a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei Municipal nº 10.620, de 14 de novembro de 2013, de Sorocaba.

São Paulo, 07 de maio de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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