Parecer
Processo n. 2041169-45.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Bertioga
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Bertioga
Ementa: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de iniciativa parlamentar (Lei n. 949, de 05 de fevereiro de 2011, do Município de Bertioga). Isenção do valor da taxa de inscrição em concursos públicos realizados no Município de Bertioga. Improcedência da ação. 1) A lei local não versa sobre matéria relativa ao regime jurídico dos servidores públicos, dispondo sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. 2) Inocorrência de vício de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo e, consequentemente, de violação à cláusula de separação dos poderes 3) Se não se trata de matéria tributária, onde não há reserva de iniciativa, nem por isso se impede ao Poder Legislativo o poder de isentar ou reduzir taxa de inscrição em concurso público. 4) Precedentes do STF”.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida em face da Lei n. 949, de 05 de fevereiro de 2011, do Município de Bertioga, de iniciativa parlamentar, que institui isenção do pagamento da taxa de inscrição aos desempregados e trabalhadores que recebam 1 (um) salário mínimo do Município de Bertioga. Alega-se violação aos arts. 5º, 37, 47, II e XIV, 144, ao parágrafo único do art. 159, e aos arts. 174, I, II e III, e 176, I, da Constituição Estadual (fls. 02/14).
2. Foi concedida liminar, determinando a suspensão do ato normativo (fls. 42/43).
3. Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls. 57/59). A Câmara Municipal deixou fluir in albis o prazo para prestar as informações que lhe foram solicitadas (fls. 60).
4. É o relato do essencial.
5. A Lei Municipal nº 949, de 05 de fevereiro de 2011, de Bertioga, de
iniciativa parlamentar, que “Isenta
desempregados e trabalhadores que recebam até 01 (hum) salário mínimo do
pagamento da taxa em concursos públicos do Município de Bertioga”, tem a seguinte redação:
“Art 1°. Ficam isentos do pagamento de qualquer
taxa de inscrição em concursos públicos municipais, os trabalhadores que
recebam até 01 (hum) salário mínimo ou que se encontrem desempregados.
Art. 2°. A
comprovação da condição de desempregado e carente dar-se-á no ato da inscrição,
mediante a apresentação dos seguintes documentos:
I - Carteira de Trabalho e Previdência
Social com a baixa do último emprego,
ou documento similar, ou ainda, comprovante de extinção de vínculo estatutário
com o Poder Público;
II -
comprovante de que reside no Município de Bertioga há mais de
5 (cinco) anos.
a) A comprovação será através de
histórico escolar,
conta de luz, água, telefone ou título de eleitor.
Art. 3°. No edital do concurso
devem constar as informações
relativas à isenção da taxa de que trata esta Lei, bem como o procedimento que
deve ser adotado para comprovação de desemprego e carência no ato da
solicitação da isenção.
Art. 4º. Esta
Lei poderá ser regulamentada para garantir a sua execução.
Art. 5°. Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação.”
6.
Preliminarmente, o
parâmetro exclusivo para a fiscalização abstrata de constitucionalidade de lei
ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, ainda que reproduza ou
absorva, obrigatoriamente, preceito da Constituição Federal, não servindo a tal
propósito contraste da
lei local com demais dispositivos da Constituição Federal e/ou da Lei Orgânica
do Município (art. 125, § 2º, Constituição Federal). Neste sentido:
“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a
contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum,
independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias,
leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do
município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00,
Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
7. Em situações similares, de isenção de taxas de
inscrição em concurso público ou em exame vestibular, prevista em lei estadual
de iniciativa parlamentar, o Supremo Tribunal Federal alijou do contexto a assertiva
de violação ao princípio da separação de poderes e a consequente reserva de
iniciativa legislativa, como se infere dos seguintes arestos cujas ementas são transcritas:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N°
6.663, DE 26 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O diploma normativo
em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não
versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88).
Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público,
que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor
público. Inconstitucionalidade formal não configurada. Noutro giro, não ofende
a Carta Magna a utilização do salário mínimo como critério de aferição do nível
de pobreza dos aspirantes às carreiras púbicas, para fins de concessão do
benefício de que trata a Lei capixaba nº 6.663/01. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente” (STF, ADI 2.672-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Britto, 22-06-
“CONSTITUCIONAL. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO
NORTE: VESTIBULAR: TAXA DE INSCRIÇÃO: ISENÇÃO. LEI nº 7.983/2001, DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE. I. - Lei nº 7.983/2001, que isenta do pagamento de taxa de
inscrição os candidatos ao exame vestibular da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte: constitucionalidade. II. - ADI julgada improcedente” (STF, ADI
2.643-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 13-08-
8. Realmente, não se trata de matéria afeta ao regime
jurídico dos servidores públicos – como o seria a instituição de vantagem
pecuniária ou direito, a forma de provimento do cargo etc. – nem de requisito para
o provimento de cargo público, mas, de condição
para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da
caracterização do candidato como servidor público, em que não incide a cláusula
da reserva de iniciativa legislativa.
9. Por isso, não procede a alegação de ofensa aos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição do Estado.
10. Também não se verifica ofensa aos arts. 174, I a III, e 176, I, da Constituição Estadual porque não se trata de matéria orçamentária cuja reserva de iniciativa pertence ao Chefe do Poder Executivo nem de início de programa ou projeto não previsto no orçamento. Quando muito, a imprevisão obstaria a execução da lei no exercício de sua edição, não nos subsequentes. E nem se arquitete óbice radicado no art. 25 da Constituição Estadual. O preceito normativo veda projetos de lei sem indicação de recursos próprios para fazer face à majoração de despesa pública, não inviabilizando isenções ou reduções tributárias.
11. Trata-se, outrossim, de matéria tributária, cuja iniciativa legislativa é concorrente e não reservada. Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
12. Fixadas
estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
13.
O Supremo Tribunal Federal
considera que o preceito da Constituição Federal contido no art. 61, § 1º, II, b, não é de observância obrigatória nem
simetricamente extensível ao plano constitucional estadual:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 553/2000, DO
ESTADO DO AMAPÁ. DESCONTO NO PAGAMENTO ANTECIPADO DO IPVA E PARCELAMENTO DO
VALOR DEVIDO. BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. AUSÊNCIA
DE VÍCIO FORMAL. 1. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal
lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa estadual que trate
sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está
circunscrita às iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na
órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI nº 2.724, rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 02.04.04, ADI nº 2.304, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
15.12.2000 e ADI nº 2.599-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.12.02
“III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais” (STF, ADI 3.205-MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, v.u., DJ 17-11-2006, p. 41).
“3. Afasto a alegação de vício formal. Isso porque a Lei n.
8.366 não tem índole orçamentária. O texto normativo impugnado dispõe sobre
matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento
dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa
parlamentar reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta
Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria
tributária. Nesse sentido, ADI n. 3.205, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE,
DJ de 17/11/06; ADI n. 2.659, Relator o Ministro NELSON JOBIM, DJ de 06/02/04,
entre outros” (STF, ADI 3.809-5-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau,
14-06-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).
14. Examina-se, agora, a alegação de ofensa ao parágrafo único do art. 159 que se liga ao art. 120 da Constituição Estadual.
15.
Independente do entendimento sobre a
natureza jurídica do pagamento compulsório de determinada quantia como
requisito sine quae non para
participação de processo seletivo de natureza pública, e sem embargo de anotar
a índole contratual da tarifa (preço público) que consiste na contraprestação
pecuniária de usuário pela fruição divisível e específica de serviço público
comercial ou industrial prestado pelo poder público, através de suas empresas
estatais ou seus delegados, curial frisar a inexistência de afronta aos
dispositivos constitucionais invocados porque o poder de isentar não pode ser
confundido com a capacidade de fixar tarifas.
16. De outra parte, não há na Constituição Paulista em vigor nenhum dispositivo expresso que atribua a exclusividade de iniciativa das leis isentivas ao Executivo.
17.
Diante do exposto, opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 05 de junho de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
mao