Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº 2045875-71.2014.8.26.0000

Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo

Requerente: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Requerido: PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 11.460, de onze de março de 2014, de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a alteração das dimensões mínimas de distrito e loteamento industrial, da zona 11, do Anexo II, da Lei nº 5.135, de 24 de dezembro de 1992, que trata do zoneamento, uso e ocupação do solo.”

2)      Preliminar. Indispensabilidade de citação do Procurador-Geral do Estado (art. 90, §2°, Constituição Estadual). A defesa da Constituição, no processo abstrato, não pode ser realizada com ofensa ao procedimento que nela mesma está previsto.

3)      Mérito. Iniciativa parlamentar. Matéria relativa à gestão da cidade. “Reserva de administração”. Contrariedade ao disposto no art. 5º, caput, e ao art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

 

4)      Ausência de participação popular e de planejamento técnico. Audiência Pública realizada exclusivamente na Câmara dos Vereadores. Inadequação, se não há efetiva participação popular junto ao poder competente para tratar da matéria, a quem cabe o planejamento.

5)      Parecer no sentido da procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo PREFEITO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, tendo como alvo a Lei Municipal nº 11.460, de onze de março de 2014, de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a alteração das dimensões mínimas de distrito e loteamento industrial, da zona 11, do Anexo II, da Lei nº 5.135, de 24 de dezembro de 1992, que trata do zoneamento, uso e ocupação do solo.”

Sustenta o autor a inconstitucionalidade da lei por ofensa ao princípio da separação dos Poderes e por desrespeito ao art.25 da Constituição do Estado de São Paulo. Aponta, ainda, desrespeito aos artigos 2°, 41, V, 134, “caput”, e 144, II, da LOMSJRP, e ao artigo 15 a 17 da Lei Complementar 101/00.

 

O Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto apresentou manifestação (fls.42/47).

O Procurador-Geral do Estado não foi citado para se manifestar.

É o relato do essencial.

PRELIMINAR

Embora o autor expressamente reconheça a impossibilidade de se apreciar ilegalidades por esta via direta, trata de apontar supostas incompatibilidades da lei ora atacada com a legislação infraconstitucional.

Entretanto, sabe-se que, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade, a cognição a ser realizada pelo tribunal limita-se ao confronto direto entre o ato normativo impugnado e a Constituição Estadual. Fica excluída dessa análise a eventual incompatibilidade entre o texto da lei e dispositivos contidos na Constituição Federal ou mesmo na legislação infraconstitucional, que não podem ser adotados como parâmetro para o controle objetivo e abstrato da constitucionalidade da lei no âmbito da jurisdição constitucional estadual.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

 

PRELIMINAR

Não foi determinada, embora requerida pelo autor, a citação do Procurador Geral do Estado, providência que, com a devida vênia, deve ser tomada.

A não observância dessa diretriz implica nulidade do feito, visto que o art. 90, § 2º, da Constituição Paulista determina de forma expressa a citação do Procurador-Geral do Estado para oficiar no feito, defendendo o ato normativo.

Note-se que tal disposição reproduz a regra prevista no art. 103, § 3º da CF, que determina a citação do Advogado-Geral da União para a defesa do ato normativo no processo objetivo em trâmite no STF.

Em relação ao referido dispositivo a Suprema Corte tem, reiteradamente, averbado a indispensabilidade da aludida intervenção (ADI 3.413, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 1º-8-2011; ADI 1.616, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 24-5-2001, Plenário, DJ de 24-8-2001; ADI 3.916, rel. min. Eros Grau, julgamento em 3-2-2010, Plenário, DJE de 14-5-2010; ADI 242, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 20-10-1994, Plenário, DJ de 23-3-2001; ADI 3.522, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-10-1994, Plenário, DJ de 12-5-2006).

Assim, insista-se, ainda que o Procurador Geral de Estado, atuando como curador do ato normativo, venha a oferecer manifestação ineficaz quanto à defesa do ato, declinando, literalmente, desse exercício, sua convocação ao processo é imprescindível, sob pena de mácula instransponível do processo objetivo, destinado ao controle de constitucionalidade da lei.

Pedimos vênia para anotar que a defesa da Constituição, no processo abstrato, não pode ser realizada com ofensa ao procedimento que nela mesma está previsto.

Roga-se, portanto, que seja determinada a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, sob pena de ofensa ao art. 103, § 3º da CF, regra reproduzida no art. 90, § 2º da Constituição Paulista.

MÉRITO

Com a regularização do feito, no mérito, a alegação de inconstitucionalidade deverá ser acolhida.

A Lei Municipal nº 11.460, de 11 de março de 2014, de São José do Rio Preto, que é fruto de iniciativa parlamentar e “Dispõe sobre a alteração das dimensões mínimas de distrito e loteamento industrial, da zona 11, do Anexo II, da Lei nº 5.135, de 24 de dezembro de 1992, que trata do zoneamento, uso e ocupação do solo”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º - Os parâmetros determinados para DISTRITO E LOTEAMENTO INDUSTRIAL, situados na Zona 11, do Anexo II, da Lei n° 5.135, de 24 de dezembro de 1992, passam a vigorar com as seguintes dimensões mínimas: ‘TESTADA (m) 9,00’ e ‘ÁREA (m) 900,00’.

Art. 2° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Pois bem.

O ato normativo impugnado é fruto de iniciativa parlamentar, projeto de lei de autoria do Vereador Fábio Marcondes, e trata de matéria urbanística, ao dispor sobre parâmetros relativos à área de ocupação do território municipal, alterando a lei que trata do zoneamento, uso e ocupação do solo.

A matéria atinente à gestão da cidade decorre, essencialmente, da administração realizada pelo Chefe do Executivo, a chamada “reserva de administração”. Isso induz à conclusão de que, na hipótese em exame, foi violado o princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV da Constituição Paulista, que reproduzem a diretriz contida no art. 2º da Constituição Federal).

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art.1º e art.18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto. Limita-se ao âmbito pré-fixado pelo ente estrutural e hierarquicamente superior, vale afirmar, a Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

E a autonomia do Município deve respeitar o princípio da separação dos Poderes, contando o art. 5º da Constituição do Estado com a expressa previsão de que eles atuam de forma independente e harmônica, regra aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Bandeirante, que determina a incidência, com relação àqueles, dos princípios constitucionais estabelecidos.

Pela natureza da matéria regulada na lei impugnada (planejamento do uso do solo urbano) e pelos requisitos que nosso sistema constitucional estabelece para a elaboração da legislação urbanística, é lícito afirmar que ela demanda planejamento administrativo específico. E o planejamento na ocupação e uso do solo das cidades é algo que só o Poder Executivo é habilitado, estrutural e tecnicamente, a fazer.

Considerando que ao Poder Legislativo cabe legislar, e ao Poder Executivo cabe administrar, é lícito concluir que é inconstitucional o ato legislativo que invade a esfera da gestão administrativa (reserva de administração) - que envolve atos de planejamento, estabelecimento de diretrizes e a realização propriamente dita do que foi estabelecido na fase do planejamento (atos administrativos concretos) – por violar a regra da separação de Poderes.

No caso ora examinado, como a iniciativa legislativa partiu de Vereador, chega-se à conclusão de que o Legislativo Municipal violou a regra que exige independência e harmonia entre os Poderes, invadindo a esfera das atribuições do Executivo Municipal.

Por tais razões é que a Constituição Estadual, em dispositivo aplicável aos Municípios em função do seu art. 144, prevê, nos incisos II e XIV do seu art. 47, as atribuições privativas do Chefe do Executivo para “exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual”, bem como “praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo”.

Vale, a propósito, colacionar precedentes desse Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acolhendo, em hipóteses análogas, a tese da inconstitucionalidade por violação da separação de Poderes, e, por isso, aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei 3.801, de 01 de julho de 2004, do Município de Valinhos, que ‘cria zona corredor 1 – ZC1, nas ruas Martinho Leardine e Pedro Leardine e altera o zoneamento de Z2A para Z3B no JD. Paiquerê e no Condomínio residencial Millenium’. Lei apenas em sentido formal. Incompetência do Poder Legislativo Municipal. Matéria afeta ao Poder Executivo. Violação dos princípios da independência e harmonia dos poderes. Ação procedente. (TJSP, ADIN 119.158-0/3, Comarca de Valinhos, rel. Des. Denser de Sá, j. 02.02.2006).

(...)

Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Complementar Municipal 1.482/03. ‘Autoriza, em caráter excepcional, atividades de prestação de serviços (clínicas de acupuntura, terapias e meditações) em trecho da Avenida Sumaré...’.Lei de iniciativa exclusiva do Prefeito. Ofensa à Constituição Estadual. Vício de iniciativa. Ação procedente. Inconstitucionalidade declarada. (TJSP, ADIN 115.322-0/3-00, Ribeirão Preto, rel. Des. Barbosa Pereira, j.27.07.2005).

(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar n° 294/05 do Município de Catanduva - Alteração de Zoneamento Urbano - Identificação de lotes que passam a ter característica comercial, em zona estritamente residencial – Inadmissibilidade - Vício de inconstitucionalidade, por motivo de vedada delegação de poder em matéria de reserva legal. Ação julgada procedente. (ADI 148.671-0/1-00, rel. des. Walter Swensson, j. 23.01.2008, v.u.).

(...)”

Ademais, não há notícia de que tenha havido efetiva participação popular junto ao Poder Executivo e planejamento na modificação do uso do solo, com a apresentação de estudos técnicos prévios para detalhar necessidade e consequências das alterações.

E, embora não tenha o autor alegado tal vício, nada impede que o Tribunal reconheça a inconstitucionalidade por fundamento normativo diverso daquele apontado na inicial, tendo em vista a chamada “abertura da causa de pedir” na ação direta, que nada mais é que a não vinculação da Corte constitucional aos motivos apontados pelo autor na ação direta de inconstitucionalidade.

Portanto, deve ser considerada, ainda, a inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da participação popular e por ausência de planejamento prévio.

Não há dúvida alguma quanto à indispensabilidade de tais requisitos, princípios que devem ser observados na edição de leis relacionadas ao zoneamento e ao uso do solo, nos termos dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista:

“(...)

Art.180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(...)

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

Art.181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§1º. Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal. (g.n.)

(...)”

As expressões colocadas em destaque nos dispositivos acima transcritos (diretrizes, desenvolvimento urbano, participação, entidades comunitárias, planos, programas, projetos, diretrizes, plano diretor, uso e ocupação do solo, proteção ambiental, totalidade do território municipal), não deixam qualquer dúvida de que:

(a) é obrigatória a existência de Plano Diretor em todos os Municípios do Estado de São Paulo;

(b) a ocupação e uso do solo devem ser realizados mediante planejamento prévio e com imprescindível participação popular;

(c) esse planejamento e essa participação também são imprescindíveis no que diz respeito à ocupação e uso do solo com vistas à proteção ambiental;

(d) esse planejamento prévio e essa participação popular, que devem estar presentes no processo de elaboração da legislação referente ao uso e ocupação do solo, inclusive com vistas à proteção ambiental, devem ser feitas de modo global, ou seja, contextualizado, levando em consideração todo o território do Município, advindo daí a exigência de que todos os Municípios tenham Plano Diretor.

Em síntese: planejamento prévio e participação popular, nos termos acima delineados, são imprescindíveis à legitimidade constitucional da legislação relacionada ao uso do solo.

Não há dúvida de que o planejamento também é necessário na fase de elaboração do Plano Diretor. Mas não é suficiente por si só, pois todos e quaisquer projetos de lei ulteriores, que tratem do uso do solo e da proteção ambiental nesse uso, ou mesmo, como no caso dos autos, de modificações que, na prática, signifiquem alteração do zoneamento, também devem ser submetidos a planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível. O ato normativo que altera sensivelmente as condições, os limites e as possibilidades relativas ao uso e ocupação do solo do Município, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Entendimento diverso tornará sem valor algum todo o trabalho realizado previamente para fins de elaboração e aprovação da Lei do Plano Diretor.

Tratando especificamente do problema da ocupação e uso do solo, José Afonso da Silva (Direito Urbanístico, 4. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 251), em lição que mutatis mutandis é aplicável à hipótese em exame, anota que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do planejamento urbanístico, salientando ainda que:

“(...)

recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça.

(...)”

Destacando a importância do planejamento urbanístico e da necessária razoabilidade de que se deve revestir a legislação elaborada nesta matéria, recorda Toshio Mukai (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004, p. 29), que:

“(...)

a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.

(...)”

Do mesmo sentir é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho (Comentários ao Estatuto da Cidade, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2006, p. 25/26), ao afirmar que o planejamento, em matéria urbanística, é:

“(...)
processo prévio de análise urbanística pelo qual o Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos.

(...)

constitui, indiscutivelmente, um dos princípios básicos do Poder Público.

(...)”

Deste modo, padece de inconstitucionalidade o ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente – planejamento específico -, de forma casuística, e sem assegurar mínima participação popular, altera o zoneamento, o uso e a ocupação do solo municipal, ferindo frontalmente o disposto nos art. 180 caput, inciso II, bem como o art. 181, caput, § 1º, ambos da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput, § 1º, e o art. 30, inciso VIII da CF.

A necessidade de respeito à participação popular e planejamento específico relativamente à legislação que modifica o regime jurídico do uso do solo tem sido afirmada em julgados desse Colendo Órgão Especial. Confira-se:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação. (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo – Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas. (ADI 163.559-0/0-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 10.02.2008).

(...)”

No mesmo sentido: ADI 118.767-0/5-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.07.04.06; ADI 125.012-0/7-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.02.08.06; ADI 130.137-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 25.10.06; ADI 125.642-0/1-00, rel. des. Walter de Almeida Guilherme, j. 07.04.06.

No caso em tela, pelas próprias informações prestadas pelo Presidente da Câmara Municipal (fls. 42/47), percebe-se claramente a violação de tais preceitos.

O projeto de lei foi apresentado por Vereador, passando pelas comissões da Câmara e sendo enviado ao Executivo para sanção, sem que se trouxesse à discussão qualquer detalhe técnico minimamente fundamentado para embasar o cabimento da alteração. Fica exposto, de forma flagrante, que o projeto foi elaborado e tramitou sem o cumprimento da exigência constitucional.

De outro lado, tratando-se de matéria reservada ao Poder Executivo, de nenhum valor se mostram as audiências indicadas
à fl. 46 para fins de configuração da participação popular, eis que elaboradas apenas no âmbito do próprio Poder Legislativo. Sendo exigida a efetiva participação popular como requisito de constitucionalidade de lei tratando de matéria urbanística, e estando esta matéria contida na reserva de administração, outra conclusão não se pode obter. Percebe-se que são requisitos interligados, no caso, a reserva de iniciativa do Poder Executivo e a participação popular, que deve ocorrer junto ao poder competente.

Ora, se cabe ao Poder Executivo o planejamento urbanístico, com a iniciativa exclusiva de leis com tais caracteres, não possuiria o Legislativo a competência para efetivar qualquer alteração substancial no projeto, o que expõe impossibilidade de se considerar a audiência pública realizada meramente no Legislativo como demonstração de cumprimento da exigência constitucional.

Dessa forma, a discussão entre Poder Público e população deve ocorrer sempre, independentemente de audiências junto ao Legislativo, perante o Executivo, durante a fase de elaboração do projeto de lei, pois somente dessa forma se cumpre de forma efetiva a exigência constitucional. De modo diverso, esta se tornaria mera formalidade, incapaz de influenciar substancialmente a elaboração da lei, o que certamente importaria a violação direta dos ditames constitucionais.

Sobre a intervenção popular, já decidiu esse E. Tribunal:

“A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade.” (ADIN n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – j. 27.02.13)

Em outras palavras e em suma: (a) partiu de parlamentar a iniciativa do processo legislativo que culminou com a edição da lei impugnada; (b) a lei interferiu no planejamento urbanístico, que se enquadra no conceito de gestão administrativa (“reserva de administração”), reservada esta ao Poder Executivo; e (c) não observou a obrigatoriedade de efetiva discussão do projeto entre a comunidade e o Poder Executivo (competente para planejar e propor leis em tal matéria).

Isso evidencia a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 11.460, de onze de março de 2014, de São José do Rio Preto, por violação ao disposto no art. 5º, art. 47, II e XIV, art. 144, caput, 180, II, e 181, § 1º, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Por fim, mas não menos importante, cumpre analisar a questão da previsão orçamentária.

Percebe-se que o ato normativo impugnado não fornece elementos concretos, que permitam aferir se do seu cumprimento decorrerá ou não aumento de despesa.

E tal discussão extravasa o âmbito estreito do contencioso abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade pela introdução de matéria de fato e dependente de prova.

Por essa razão não deverão ser adotados como fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade o art. 24, § 5º e o art. 25 da Constituição do Estado.

 

Diante do exposto, após a regularização do feito com a citação do Procurador Geral do Estado, nosso parecer, no mérito, é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 11.460, de onze de março de 2014, de São José do Rio Preto.

São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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