Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 2046957-40.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita Municipal de Guarujá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarujá

 

 

1)      Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade promovida por Prefeita, tendo por objeto a Lei Complementar nº 167, de 24 de março de 2014, do Município de Guarujá, de iniciativa parlamentar, que “Altera Lei Complementar nº 146 de 05 de julho de 2013 que institui o Programa de Recuperação Fiscal – Refis, no Município de Guarujá e dá outras providências”.

2)      Servidor Público. Remuneração. Honorários Advocatícios que são destinados, por determinação legal, à Procuradoria Geral do Município, para rateio mensal entre seus integrantes. Violação à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo decorrente do Princípio da Separação dos Poderes. Procedência da Ação. 

3)      Lei Municipal, de iniciativa parlamentar, que exclui do Programa de Recuperação Fiscal honorários advocatícios, destinados aos procuradores do município para rateio mensal, é incompatível com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para fixação da remuneração e disciplina do regime jurídico dos servidores públicos (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, CE/89). Procedência do pedido.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Prefeita Municipal de Guarujá, tendo por objeto a Lei Complementar nº 167, de 24 de março de 2014, do Município de Guarujá, que “Altera Lei Complementar nº 146 de 05 de julho de 2013 que institui o Programa de Recuperação Fiscal – Refis, no Município de Guarujá e dá outras providências”.

Sustenta a autora que a lei complementar, de iniciativa parlamentar, padece de vício de inconstitucionalidade formal, pois a iniciativa, no tocante ao regime jurídico e remuneração de servidores públicos, é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Afirma que a lei viola o princípio da separação dos poderes e aduz, ainda, inconstitucionalidade material, porque a lei complementar afrontaria o princípio da isonomia tributária e da razoabilidade, ao dispensar tratamento diferenciado para contribuintes que se encontrariam na mesma situação.

Concedida a liminar (fls. 146/147), a Procuradoria Geral do Estado declinou de oferecer defesa da lei complementar municipal (fls. 158/161).

O Presidente da Câmara prestou informações, sustentando a constitucionalidade da lei complementar municipal (fls. 163/182).

É a síntese necessária.

Procede a ação.

A Lei Complementar nº 167, de 24 de março de 2014, do Município de Guarujá, que “Altera Lei Complementar nº 146 de 05 de julho de 2013 que institui o Programa de Recuperação Fiscal – Refis, no Município de Guarujá e dá outras providências” tem, com o nosso destaque, a seguinte redação:

“Art. 1º - O inciso III do artigo 9º da Lei Complementar nº 146 de 05 de julho de 2013 passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 9º - ...

I - ...

II - ...

‘III – serão incluídos no programa, nos casos de débitos ajuizados, as respectivas custas e despesas processuais devidamente atualizadas e com os acréscimos legais, exceto honorários advocatícios que não serão cobrados dos contribuintes que aderirem ao REFIS.

Art. 2º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

A redação original do dispositivo legal ora impugnada era, também com o nosso destaque, a seguinte:

“Art. 9º Deferida a adesão ao Programa de Recuperação Fiscal – REFIS o débito será recalculado e consolidado tendo por base a data do requerimento do pedido, obedecidos os seguintes critérios:

(...)

III – serão incluídos no programa, nos casos de débitos ajuizados, as respectivas custas e despesas processuais e os honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor total do débito, devidamente atualizados e com os acréscimos legais.”

Como se vê, a lei complementar, de iniciativa parlamentar, excluiu dos débitos já ajuizados os honorários advocatícios, os quais, nos termos do artigo 761 da Lei Complementar Municipal nº 135/12, do município de Guarujá, in verbis, são destinados aos procuradores municipais, para rateio mensal de forma igualitária, compondo, destarte, os vencimentos de tais servidores públicos.

 “Art. 761. Os honorários advocatícios devidos nas ações em que a Administração Pública Municipal for parte, em qualquer processo judicial, serão destinados à Procuradoria Geral do Município, para serem rateados de forma igualitária mensalmente entre os integrantes da carreira de Procurador Jurídico Municipal, que recebam seus vencimentos a esse título e estejam no pleno exercício de suas funções (...)”.

O ato normativo impugnado, portanto, ao excluir dos débitos ajuizados os honorários advocatícios, alterou, de modo a reduzi-la, a remuneração dos servidores integrantes da Procuradoria Geral do Município.

Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.

A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

Decorrente do princípio da divisão funcional do poder é explícito que as regras acerca da remuneração e do regime jurídico dos servidores públicos são da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual), sendo interditado seu tratamento por lei de iniciativa parlamentar ou pela lei orgânica municipal (RTJ 167/355).

Deveras, em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

Esse concerto, como se sabe, advém do caráter compulsório das regras do processo legislativo federal (arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, Constituição Federal) no âmbito estadual e municipal (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

Destarte, a iniciativa legislativa da lei local, que reduz a remuneração dos procuradores do município de Guarujá, é incompatível com o art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que decorre do princípio da separação de poderes contido no art. 5º da Constituição Estadual (e que reproduzem o quanto disposto nos arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, da Constituição Federal), aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144.

Posto isso, aguarda-se seja julgada procedente a ação.

 

São Paulo, 11 de junho de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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