Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 2047782-81.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Franca

Objeto: Inconstitucionalidade da Emenda à Lei Orgânica nº 63, de 05 de fevereiro de 2014, de Franca.

 

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Emenda à Lei Orgânica nº 63, de 05 de fevereiro de 2014, de Franca, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a “redução de carga horária de servidor cuidador de portador de necessidade especial”.

2)      Servidor Público. Remuneração. Redução de 50% da carga horária de trabalho. Violação à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo decorrente do princípio da separação de poderes. Procedência da ação.  Emenda à Lei Orgânica Municipal, de iniciativa parlamentar, que confere benefício consistente na redução de 50% da carga horária de trabalho do servidor público municipal, sem prejuízo da integral remuneração, é incompatível com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para fixação da remuneração e disciplina do regime jurídico dos servidores públicos (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, CE/89).

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Franca, tendo como alvo a Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 63, de 05 de fevereiro de 2014, de Franca, de iniciativa parlamentar, que acrescenta o artigo 118-D e dispõe sobre a redução de carga horária de servidor cuidador de portador de necessidade especial.

Sustenta o autor, em apertada síntese, desrespeito ao princípio da separação de poderes, porquanto a iniciativa, em se tratando de lei que versa sobre o regime jurídico dos servidores públicos, é reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal.

Processada a ação, concedeu-se medida liminar que determinou a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 88/90).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa da lei municipal atacada (fls. 101/103).

A Câmara Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade do ato normativo (fls. 105/113).

É a síntese necessária.

A ação é integralmente procedente.

A Emenda à Lei Orgânica nº 63, de 05 de fevereiro de 2014, de Franca, de iniciativa parlamentar, que “Acrescenta o Artigo 118-D à Lei Orgânica do Município de Franca, dispondo sobre redução de carga horária de servidor cuidador de portador de necessidade especial”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica acrescentado o seguinte Art. 118-D à Lei Orgânica do Município de Franca:

‘Art. 188-D – O Servidor Público Municipal que seja responsável legal e cuide diretamente de portador de necessidade especial que, comprovadamente, necessite de assistência permanente, independentemente de estar sob tratamento terapêutico, terá redução de 50% (cinquenta por cento) de sua carga horária de trabalho, sem prejuízo de sua integral remuneração.

§ 1º - Para fins de concessão do benefício de que trata este artigo, considera-se portador de necessidade especial a pessoa de qualquer idade portadora de deficiência física ou mental comprovada e tenha dependência sócio-educacional e econômica do servidor público.

§ 2º - A redução da carga horária de que trata este artigo perdurará enquanto permanecer a necessidade de assistência e a dependência econômica do portador de necessidade especial.

§ 3º - Nos casos em que a deficiência for confirmadamente considerada irreversível, a concessão de que trata este artigo será definitiva, devendo o servidor comprovar anualmente, apenas a dependência econômica.

Art. 2º. As despesas para a execução desta emenda à Lei Orgânica correm à conta de dotação orçamentária própria.

Art. 3º. Esta emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.

A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

Decorrente do princípio da divisão funcional do poder é explícito que as regras acerca da remuneração e do regime jurídico dos servidores públicos são da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual), sendo interditado seu tratamento por lei de iniciativa parlamentar ou pela lei orgânica municipal (RTJ 167/355).

Deveras, em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

 “(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

Esse concerto, como se sabe, advém do caráter compulsório das regras do processo legislativo federal (arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, Constituição Federal) no âmbito estadual e municipal (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

Destarte, a iniciativa legislativa da lei local é incompatível com o art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que decorre do princípio da separação de poderes contido no art. 5º da Constituição Estadual (e que reproduzem o quanto disposto nos arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, da Constituição Federal), aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144.

Posto isso, aguarda-se seja julgada procedente a ação.

 

São Paulo, 27 de maio de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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