Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 2048696-48.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Guarujá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarujá

 

 

 

Ementa:Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 164, de 24 de março de 2014, do Município do Guarujá, de iniciativa parlamentar. Concessão do Serviço Público de Transporte Coletivo. Reajuste da Tarifa e vedação da possibilidade de prorrogação do contrato administrativo. Violação da Separação de poderes. Procedência.1. Compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal enviar, à Câmara Municipal, projeto de lei sobre o regime de concessão de serviço público. 2. A disciplina da política tarifária dos serviços públicos, inclusive os delegados a particulares, é matéria conferida ao Poder Executivo sob o ângulo da separação de poderes (reserva de iniciativa legislativa e da reserva da Administração). 3. Contrariedade aos arts. 5º, 47, II, XIV, XVIII e XIX, 119, 120 e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Prefeita Municipal de Guarujá, tendo como alvo a Lei Complementar nº 164, de 24 de março de 2014, daquele município, de iniciativa parlamentar.

2.                Sustenta a autora, em síntese, que a lei padece de inconstitucionalidade, seja por conter vício de iniciativa, seja por violar o princípio da separação dos poderes, porquanto o ato normativo impugnado, de iniciativa legislativa, alterou a forma de reajuste da tarifa do serviço de transporte municipal, suprimindo, ainda, a possibilidade de prorrogação do contrato administrativo de concessão, matéria de competência do Poder Executivo, por se referir à administração do município e, mais especificamente, à prestação de serviço público.

3.                Concedida a liminar (fls. 176/177), a Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada (fls. 188/190), ao passo que a Câmara Municipal deixou fluir in albis o prazo que lhe foi concedido para prestar informações (fls. 191).

4.                É o relatório.

5.                Em pauta o exame da constitucionalidade da Lei Complementar nº 164, de 24 de março de 2014, do Município de Guarujá, in verbis:

“Art. 1º. O art. 22 da Lei Complementar nº 49, de 27 de dezembro de 1999 passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 22 – A concessionária dos serviços de transporte coletivo regular de passageiros será remunerada mediante pagamento efetuado pelos usuários, na forma de tarifa, fixada e reajustada, quando necessária, através de Lei proposta pelo Executivo e enviada a Câmara Municipal para aprovação, proposta esta que deverá conter os estudos realizados pela concessionária e pelos órgãos competentes da Prefeitura’.

§ 1º - (...)

§ 2º - (...)

Art. 2º - Fica suprimido o parágrafo único do artigo 5º da referida lei

Art. 3º. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

6.                Dispunham, com o nosso destaque, o modificado artigo 22 e o suprimido parágrafo único do artigo 5º, da Lei Complementar 49/99:

 

“Art. 22. A concessionária dos serviços de transporte coletivo regular de passageiros será remunerada mediante pagamento efetuado pelos usuários, na forma de tarifa, fixada e reajustada, quando necessária, através de decreto, pelo Prefeito Municipal, após estudo realizado pela concessionária e pelos órgãos competentes da Prefeitura.”

“Art. 5º O prazo da concessão para o serviço de transporte coletivo regular de passageiros será de 15 (quinze) anos.

“Parágrafo Único – O prazo previsto no ‘caput’ deste artigo poderá ser prorrogado por igual período a critério exclusivo do Município.  

7.                A lei impugnada, portanto, realizou duas significativas mudanças na Lei Complementar que regulamenta a concessão do serviço de transporte coletivo no município de Guarujá: a) alterou, ao exigir lei e não mais decreto do Prefeito Municipal, o Poder competente para o reajuste da tarifa de ônibus; b) suprimiu a possibilidade de o contrato administrativo celebrado com a concessionária ser prorrogado pelo prazo de 15 (quinze) anos, previsto pelo artigo 5º da Lei Complementar nº 49/99.

8.                A lei é flagrantemente inconstitucional.

9.                Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.

10.              A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

11.              Se, em princípio, a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por caracterizarem assuntos de natureza eminentemente administrativa são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II, XIV, XVIII e XIX, “a”, da Constituição Estadual) em espaço que é denominado reserva da Administração. Neste sentido, enuncia a jurisprudência:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

12.            No caso, foi violada a reserva da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária, a edição de normas e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento, imune a qualquer ingerência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV, XVIII e XIX, a, da Constituição Estadual).

13.              Se isso não bastasse, cumpre observar que o ato normativo impugnado contraria frontalmente o disposto no artigo 47, inciso XVIII, da Constituição Estadual, in verbis:

“Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

XVIII - enviar à Assembleia Legislativa projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão de serviços públicos.”

14.              A lei impugnada versa, precisamente, sobre o regime de concessão do serviço de transporte coletivo. A alteração levada a efeito pelo diploma municipal impede a prorrogação do contrato administrativo e altera o instrumento normativo destinado à formalização do reajuste da tarifa, além de suprimir, de maneira transversa, a própria competência do Chefe do Executivo para a adequação da tarifa de ônibus.

15.              Em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

16.              Decorre do mencionado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina:

“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers)” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

17.              Inegável que o tema atinente aos serviços públicos, notadamente os delegados mediante concessão ou permissão, é do domínio da lei, como expressa o parágrafo único do art. 175 da Constituição Federal.

18.              No âmbito normativo estadual, a Constituição Paulista enuncia que “os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e fiscalização do Poder Público” (art. 119, primeira parte) e que “os serviços públicos serão remunerados por tarifa previamente fixada pelo órgão executivo competente, na forma que a lei estabelecer” (art. 120).

19.              Trata-se, portanto, de assunto que se insere tanto na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo quanto na reserva da Administração, concebida esta como matéria submetida ao poder normativo da Administração, espaço conferido à disciplina por ato normativo do Poder Executivo sobre as matérias não reservadas à lei em sentido formal ou inerente à gestão administrativa. 

20.              No caso, é ao Poder Executivo conferida competência para disciplina organizativa e funcional dos serviços públicos, inclusive daqueles delegados à iniciativa privada, havendo ainda reserva de iniciativa legislativa resultante dessa sua atribuição de administração ordinária dos negócios públicos quando a matéria, nos termos do art. 175, parágrafo único, da Constituição de 1988, refletir sobre o contrato e a política tarifária.

21.              Neste sentido, colhe-se deste egrégio Órgão Especial:

 “Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n° 7.158/24.02.2010, do Município de Presidente Prudente, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derrubado o veto do alcaide, que ‘Acrescenta mais um inciso no artigo 1º e dá nova redação ao § 1º do mesmo artigo da Lei Municipal n° 6.213 que regulamenta o passe gratuito aos portadores de deficiência’ - reserva-se exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativade leis que, como a ora impugnada, disponham sobre o serviço de transporte coletivo, porquanto é dele, e privativa, a atribuição de disciplinar os serviços públicos municipais. inconstitucionalidade que também brota do ato normativo vergastado por não prever a fonte dos recursos que pagarão o transporte gratuito aos passageiros de que trata - violação dos artigos 5º, 25, 37, 47, II, 144, 174, I, II e III e 176,I, da Constituição Estadual – ação procedente” (TJSP, ADI 0142417-30.2010.8.26.0000, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 26-10-2011).

“Arguição de inconstitucionalidade. Lei municipal que estende benefício, de gratuidade no transporte público a maiores de sessenta anos. Vício de iniciativa. Arts. 5º e 47, XVIII, da Constituição Estadual. Iniciativa do Prefeito Municipal. Sanção que não convalida o vício. Ausência de previsão dos recursos necessários a fazer frente ànova despesa. Violação aos arts. 25 e 176, I, da Constituição Bandeirante. Ação julgada Procedente” (TJSP, ADI 0525886-95.2010.8.26.0000, Rel. Des. Cauduro Padin, v.u., 24-08-2011).

22.              É conveniente se apropriar das considerações constantes de voto do eminente Desembargador Walter de Almeida Guilherme:

1. A questão atinente à exclusividade do Governador do Estado relativamente ao envio para o Legislativo de projeto de lei e, pela simetria, ao Prefeito Municipal (art. 144 da CE), está disciplinada na Carta Estadual no artigo 24, § 2º, 1 a 6 e artigo 47, XVIII. Este último declara que é de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo projeto de lei que verse sobre o regime de concessão ou permissão dos serviços públicos.

O que a Constituição está ordenando é que a matéria concernente ao regime de concessão ou permissão dos serviços públicos, no sentido mais abrangente, é regulada por lei de iniciativa reservada ao Governador.

Note-se que a Constituição Federal, ao cuidar de lei de iniciativa exclusiva do Presidente da República, no artigo 61, § 1º, não refere aquela que discipline o regime de concessão ou permissão dos serviços públicos. Nem tampouco o faz no mencionado artigo 175 e parágrafo único. Observe-se também que o constituinte não especificou a origem da lei. O silêncio foi proposital, a fim de remeter-se a matéria à competência dos entes federativos autónomos, respeitado o disposto noartigo 22, XXVII, da Constituição Federal, que declara ser privativa da União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. Assim, Estados e Municípios podem legislar sobre concessão e permissão de serviços públicos, inclusive no que concernente à iniciativa da respectiva lei, se concorrente ou exclusiva.

Pois bem, no Estado de São Paulo, e em seus Municípios, já se viu, a iniciativa é exclusiva do chefe do Poder Executivo.

Legislar sobre concessão ou permissão de serviços públicos é regulamentá-la de modo abrangente, em caráter geral, compreendendo todas e quaisquer concessões e permissões de serviços públicos. A respeito da lei reguladora, o artigo 175 da Constituição da República, depois de, no caput, estatuir que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação dos serviços públicos, no parágrafo único, dispõe sobre o seu conteúdo, que será: ‘I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II -os direitos dos usuários; III - política tarifária; a obrigação de manter serviço adequado.’.

Nesse sentido, a questão central da controvérsia assim se oferece: poderia lei de iniciativa parlamentar estabelecer que são beneficiadas com isenção do pagamento de tarifa no transporte coletivo urbano e referentemente a outras atividades do Poder Público de Mococa todas as pessoas que nela são mencionadas?

Já vimos que a Constituição Federal determina que a lei sobre concessão ou permissão de serviços públicos disporá, entre outras matérias, sobre política tarifária.

No âmbito da expressão política tarifária cabe evidentemente a estipulação da remuneração pela execução do serviço, incumbindo ao Poder Público fixar a tarifa a ser paga pelos usuários. Trata-se de preço público e, portanto, fica a sua fixação sob a competência do concedente. Adite-se que a fixação das tarifas é o verdadeiro molde do princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Exatamente por isso, como escreve Hely Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, SP, 1993, pág. 346, é necessária a sua revisão periódica para compatibilizá-la com os custos dos serviços, as necessidades de expansão, a aquisição de equipamentos e o próprio lucro do concessionário.

A esse respeito, por exemplo, como notado por José dos Santos Carvalho Filho, em Manual de Direito Administrativo, Editora Lúmen Júris, 2007, pág. 331, a Lei Federal n° 9.074/1995, ‘Para evitar que maus administradores instituam, de maneira descriteriosa, benefícios tarifários, dispôs que sua estipulação fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da concomitante revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, tudo com o objetivo de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A lei foi mais adiante: tais benefícios só podem ser atribuídos a uma coletividade de usuários, sendo vedado expressamente o beneficio singular, fato que configuraria em iniludível conduta ilegal, caracterizadora do desvio de finalidade’. Não estou a dizer, com isso, que o benefício instituído pelas leis ora impugnadas em favor das pessoas nelas referidas não é criteriosa ou cria um favor individual. O que impende observar, todavia, é que, impondo a Constituição Federal que lei exista a regrar o regime de concessão ou permissão de serviços públicos e que cabe a ela dispor sobre política tarifária, isto é, regular a fixação de tarifas, tratando, portanto, também de isenções e vantagens, essa lei, no Estado de São Paulo, por força do inciso XVIII do artigo 47 de sua Constituição, é de iniciativa exclusiva do Governador e, em razão da simetria obrigatória com esse modelo e aquele da Constituição Federal ao cuidar do processo legislativo, no Município, a iniciativa é exclusiva do Prefeito” (TJSP, ADI 9030457-47.2009.8.26.0000, m.v., 16-03-2011).

23.              Prevalece na Suprema Corte a orientação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em se tratando de serviço público, como estampam as seguintes decisões:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. PEDIDO DEFERIDO. Lei nº 781, de 2003, do Estado do Amapá que, em seus arts. 4º, 5º e 6º, estabelece obrigações para o Poder Executivo instituir e organizar sistema de avaliação de satisfação dos usuários de serviços públicos. Inconstitucionalidade formal, em virtude de a lei ter-se originado de iniciativa da Assembléia Legislativa. Processo legislativo que deveria ter sido inaugurado por iniciativa do Governador do Estado (CF, art. 61, § 1º, II, e). Ação direta julgada procedente” (STF, ADI 3.180-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 17-05-2007, v.u., DJe 15-06-2007).

“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 293 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. Disposição da Constituição que concede prazo de até vinte e cinco anos para o pagamento, pelos municípios, da indenização devida pela encampação dos serviços de saneamento básico (água e esgoto) prestados, mediante contrato, e pelos investimentos realizados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, sociedade de economia mista estadual. 2. Plausibilidade jurídica (fumus boni iuris) da tese sustentada pelo Estado requerente porque a norma impugnada fere o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), a que está submetido o constituinte estadual (CF, art. 25), restando excluída a participação do Poder Executivo no processo legislativo da lei ordinária. Fere, também, a exigida participação do Poder Executivo no processo legislativo, mediante sanção ou veto, como previsto no art. 66 da Constituição Federal. 3. Periculum in mora caracterizado pela iminente aplicação da norma a Municípios que já editaram lei para assumirem a prestação dos serviços públicos referidos. 4. Medida cautelar deferida com efeito ex-nunc - por estarem presentes a relevância dos fundamentos jurídicos do pedido e a conveniência da sua concessão - até o julgamento final da ação” (STF, ADI-MC 1.746-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 18-02-1997, v.u., DJ 19-09-2003, p. 14).

24.              Em arremate, registre-se que a lei impugnada é incompatível, ainda, com o artigo 159, parágrafo único, da Constituição Estadual, segundo o qual “os preços públicos serão fixados pelo Executivo, observadas as normas gerais de Direito Financeiro e as leis atinentes à espécie”.

25.              Ao exigir lei, em vez de decreto, para o reajuste das tarifas de ônibus, a lei impugnada retirou do executivo, passando-a para o Legislativo por via transversa, a competência estabelecida pelo dispositivo constitucional acima transcrito.          

26.              Posto isso, opino pela procedência da ação por vislumbrar contrariedade aos arts. 5º, 47, II, XIV, XVIII e XIX, “a”, 119, 120 e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.

 

         São Paulo, 26 de junho de 2014.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico - em exercício

 

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