Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 2049626-66.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Hortolândia
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de
Hortolândia
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade.
Lei nº 2.941, de 12 de março de 2014, do Município de Hortolândia, de iniciativa
parlamentar, que “Institui o Programa
Municipal de Saúde do Homem e dá outras providências”.
2) Inconstitucionalidade. Encontra-se na
reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do
Poder Executivo a instituição de programas, campanhas e serviços
administrativos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar
pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da
Constituição Estadual).
3) Violação do princípio da separação de
poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XIV e XIX; 144 e 176, I, da
Constituição do Estado). Procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial,
Senhor Desembargador
Relator:
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 2.941, de 12 de março de 2014, do Município de Hortolândia, de iniciativa parlamentar, que “Institui o Programa Municipal de Saúde do Homem e dá outras providências”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violar o princípio da separação dos poderes e criar despesa sem indicação de fonte de recurso. Daí a afirmação de violação dos arts. 5º, 25, 47, II e XIV e 144 da Constituição Estadual.
Foi deferida a liminar para suspender a eficácia da Lei Municipal nº 2.941, de 12 de março de 2014, de Hortolândia (fl. 15).
Devidamente notificado, o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações sobre o processo legislativo (fls. 21/26).
Citado regularmente (fl. 78), o Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 80/82).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
Procede o pedido.
A Lei nº 2.941, de 12 de março de 2014, do Município de Hortolândia, de iniciativa parlamentar, que “Institui o Programa Municipal de Saúde do Homem e dá outras providências”, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do executivo, tem a seguinte redação:
“Art. 1º Fica instituído o Programa Municipal de Saúde do Homem no Município de Hortolândia.
Parágrafo único. O Programa Municipal de Saúde do Homem será de atendimento multidisciplinar, pertinente às doenças que atingem a população masculina e dará ênfase às campanhas educativas com o objetivo de esclarecer a esta população sobre os riscos, cuidados e medidas para a prevenção e principalmente ao combate às doenças do Sistema Urinário e Reprodutor.
Art. 2º No Programa Municipal de Saúde do Homem, a Secretaria Municipal de Saúde realizará atendimento e exames clínicos referentes às doenças que tenham maior incidência na população masculina.
Art. 3º A Secretaria Municipal de Saúde coordenará ações em Hospitais e Unidades Básicas de Saúde no Município de Hortolândia.
Art. 4º A Secretaria Municipal de Saúde promoverá, junto às Instituições Públicas de Ensino Médio, por meio do Programa Municipal de Saúde do Homem, campanhas de orientação no sentido de desenvolver programas de informações e educação aos adolescentes.
Art. 5º O Programa Municipal de Saúde do Homem será realizado ao longo de cada ano e terá como semana comemorativa a que abrange o dia 15 de julho.
Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“(...)
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A
matéria disciplinada pela lei impugnada encontra-se no âmbito da atividade
administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior
cabem ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.
A instituição de um programa municipal de saúde é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo, porque disciplina programa governamental.
Trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades coletivas, vinculadas aos direitos
fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida
na esfera do poder discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita a disciplina legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode
através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.
Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da criação do Programa Municipal de Saúde do Homem, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da criação e implantação do Programa Municipal de Saúde do Homem. Trata-se de atuação administrativa que é fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que devem existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes à interferência de outro poder (art. 47, II e IX
da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao regulamentar, ainda que parcialmente um serviço público, de um lado,
viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção
da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
Criar programas e disciplinar serviços públicos –
precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do
Chefe do Executivo.
Ademais, para consolidação do programa, são necessárias diversas providências a cargo do Poder Executivo, como a implementação de campanhas educativas e de orientação (arts. 1º e 4º), a realização de atendimentos e exames clínicos (art. 2º), ações em Hospitais e Unidades Básicas de Saúde (art. 3º), dentre outras. Por este motivo, a matéria de que cuida o ato normativo impugnado é de atribuição privativa do Poder Executivo.
De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.
A norma combatida, ao impor ao Município a instituição do Programa Municipal de Saúde do Homem, determinando a realização de atendimentos médicos e campanhas educativas, não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cujo desenvolvimento demanda meios financeiros que não foram previstos.
Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com os preceitos mencionados da Constituição Estadual.
Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 2.941, de 12 de março de 2014, do Município de Hortolândia.
São Paulo, 14 de maio de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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