Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 2050398-29.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Franca

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Complementar Municipal nº 238, de 17 de março de 2014, de Franca, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a “Concessão de Isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – para portadores de câncer possuidores de um único imóvel”.

2)      Preliminar. Vício de representação. Petição inicial subscrita por procurador do Município, sem juntada de procuração outorgada pelo Prefeito, legitimado para a propositura da ação. Necessidade de regularização, sob pena de extinção do feito sem exame do mérito.

3)      Preliminar. Limites à cognição em sede de ação direta de inconstitucionalidade estadual. Impossibilidade de exame da inconstitucionalidade mediante confronto das normas impugnadas com dispositivos da Constituição Federal ou da legislação infraconstitucional.

4)      Lei tributária benéfica, que é fruto de iniciativa parlamentar. Entendimento pacífico do col. STF no sentido da inexistência de reserva de iniciativa do Poder Executivo, ou mesmo de quebra do princípio da separação de poderes.

5)      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Franca, tendo como alvo a Lei Complementar Municipal nº 238, de 17 de março de 2014, de Franca, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a “Concessão de Isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – para portadores de câncer possuidores de um único imóvel”.

Sustenta o requerente a inconstitucionalidade da lei, anotando que: (a) há, na hipótese, iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo; (b) há ainda conflito entre o ato normativo e a Lei de Responsabilidade Fiscal, visto que o projeto de lei não foi acompanhado do estudo relativo ao impacto orçamentário da iniciativa.

Alega, portanto, contrariedade aos seguintes artigos da Constituição Paulista: 5º, 47, II e XIV, 111, 163, II, 174, I, II, III, §§ 2º e 6º.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls. 66).

Citado (fls. 76), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 78/81).

A Câmara Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade da lei (fls. 83/93).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR

Devido à irregularidade de representação, o Senhor Prefeito Municipal, autor da ação, deve ser intimado para regularizá-la, sob pena de extinção do feito sem exame do mérito.

Observe-se que petição inicial foi subscrita apenas por procurador do município (fls. 20), com poderes outorgados pelo Município Franca (fls. 22).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal em julgados que, mutatis mutandis, aplicam-se ao caso em exame:

“(...)

O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

(...)”

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2. ed., p. 246).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“(...)

Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente”(ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

(...)”

Assim sendo, requer-se a intimação do autor para regularização de sua representação processual ou ratificação da petição inicial, no prazo legal, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV do CPC.

PRELIMINAR

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

Superadas as preliminares, no mérito a ação deverá ser julgada improcedente.

Toda a argumentação apresentada na inicial resume-se a uma única ideia, qual seja o entendimento de que as leis tributárias benéficas são de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo.

Ocorre que, com a devida vênia aos fundamentos apresentados pelo autor, o entendimento pacificado no âmbito do STF, nessa matéria, é diametralmente oposto.

A orientação do Supremo Tribunal Federal enuncia que matéria tributária não se inclui dentre as reservadas à iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 24-05-2007; STF, ADI 3.205-MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, v.u., DJ 17-11-2006, p. 41; STF, ADI 3.809-5-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 14-06-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30; STF, RE 371.887-SP, Rel. Min. Carmén Lúcia, 29-06-2009, DJe 04-08-2009; STF, RE 357.581-SP, Rel. Min. Eros Grau, 16-12-2008, DJe 03-02-2009), como se pode constatar da transcrição dos seguintes julgados:

“6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a competência para iniciar processo legislativo sobre matéria tributária não é privativa do Poder Executivo” (STF, AI 805.338-MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, 29-06-2010, DJe 04-08-2010).

“PROCESSO LEGISLATIVO. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE INICIATIVA. PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA INICIATIVA CONCORRENTE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INICIATIVA PARLAMENTAR. RECONHECIDO E PROVIDO.

- Sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em conseqüência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969. Precedentes” (STF, RE 556.885-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 17-06-2010, DJe 05-08-2010).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. É CONCORRENTE A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. ACÓRDÃO DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO RELATOR. RECURSO PROVIDO” (STF, RE 541.273-SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 08-06-2010, DJe 22-06-2010).

Não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, era descabida a arguição de ofensa ao art. 174 da Constituição Estadual, assim como ao art. 165, § 6º, da Constituição Federal. Neste sentido:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).

O art. 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal, cuida de lei tributária dos Territórios, sendo inadmissível sua invocação, como julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 553/2000, DO ESTADO DO AMAPÁ. DESCONTO NO PAGAMENTO ANTECIPADO DO IPVA E PARCELAMENTO DO VALOR DEVIDO. BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. 1. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI nº 2.724, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 02.04.04, ADI nº 2.304, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15.12.2000 e ADI nº 2.599-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.12.02 2. A reserva de iniciativa prevista no art. 165, II da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI nº 724-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.04.01 e ADI nº 2.659, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 06.02.04. 3. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente” (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 25-05-2007).

Por tais motivos, nosso parecer é no sentido de que, superada a preliminar, seja a ação direta julgada improcedente, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 238, de 17 de março de 2014, de Franca.

São Paulo, 02 de julho de 2014.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

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