Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2050858-16.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

Requerida: Câmara Municipal de Taubaté

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.838, de 12 de fevereiro de 2014, do Município de Taubaté. Necessidade de citação do Procurador-Geral do Estado. Diligência alvitrada. Proibição do uso de herbicidas e agrotóxicos em geral para capina química no território municipal, nas áreas urbanas públicas e privadas, e nas áreas de proteção ambiental e mananciais. Iniciativa parlamentar. Irrelevância de impacto financeiro-orçamentário. Invasão da competência normativa alheia. Procedência parcial da ação. 1. Impositiva a citação do PGE (art. 90, § 2º, CE/89) para regular trâmite da ação. 2. Proibição de uso de herbicidas e agrotóxicos em lei de iniciativa parlamentar: além de o art. 61, § 1º, II, b, CF/88, ser aplicável exclusivamente aos Territórios, a matéria não se insere na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo nem na reserva da Administrativa. 3. Arguição imprópria de impacto financeiro-orçamentário se a lei contém obrigação negativa além de a questão demandar exame de fato vedado nesta via e da eventual carência de recursos apenas impedir sua execução no exercício de sua vigência. 4. Tem o Município competência normativa supletiva para o uso de agrotóxicos, porém, não pode subverter a esfera normativa federal ou estadual proibindo totalmente aquilo que a União permite. 5. Procedência parcial da ação referente à expressão “nas áreas urbanas públicas e privadas”.

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté impugnando a Lei n. 4.838, de 12 de fevereiro de 2014, do Município de Taubaté, de iniciativa parlamentar, que proíbe o uso de herbicidas e agrotóxicos em geral para capina química no território municipal, nas áreas urbanas públicas e privadas, de proteção ambiental e mananciais, por alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 24, 25, 47, II, 144, e 176, I, da Constituição Estadual e os arts. 61, § 1º, II, b, e 167, I, II e V, da Constituição Federal.

2.                A liminar foi indeferida. As informações da Câmara Municipal de Taubaté sustentam a constitucionalidade da lei inclusive sob o ângulo da competência normativa municipal à luz dos arts. 23, VI, 24, VI, 30, I e II, e 225, da Constituição Federal e dos arts. 192 e 193 da Constituição Estadual.

3.                Preliminarmente, requeiro a citação do douto Procurador-Geral do Estado em obediência ao art. 90, § 2º, da Constituição Estadual.

4.                É impossível invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1º, II, b, da Constituição da República, por ser norma específica destinada exclusivamente à organização administrativa, serviços públicos e matéria tributária e orçamentária dos Territórios. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que:

“(...) a reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...)” (STF, ADI 2.447-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009).

5.                A reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo deve ser explícita e interpretada restritivamente, alijando exegese ampliativa ou presunção, conforme alvitra a doutrina (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593) e enuncia a jurisprudência (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001; RT 866/112; STF, ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; STF, ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006), tendo em vista que em se tratando de processo legislativo as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33; STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008; RT 850/180; RTJ 193/832).

5.                A lei local impugnada não trata de matéria situada no espaço da reserva de iniciativa legislativa nem no da reserva da Administração, de tal sorte que não há violação aos arts. 5º, 47, II, e 24, da Constituição do Estado.

6.                Se a lei cria despesa pública ou renuncia a receita pública isso não é suficiente para conclusão de sua inconstitucionalidade por violação à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Como assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública, diferentemente do ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive nossa Suprema Corte” (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).

7.                É conveniente assentar que se trata de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:

“(...) não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo (...)” (RT 866/112).

8.                Merece repulsa a arguição de ofensa ao art. 25 da Carta Política Paulista, porque a lei não cria novos encargos geradores de despesas imprevistas, ao proibir o uso de determinados produtos na atividade de capinagem química.

9.                Ademais, o exame dessa matéria demandaria análise de fato dependente de prova, o que desborda dos estreitos limites desta via.

10.              Tampouco há ofensa ao art. 176, I, da Constituição Estadual ou aos art. 167, I, II e V, da Constituição Federal. Ainda que padecesse da ausência de recursos específicos para atendimento de novas despesas, isso apenas comprometeria a eficácia da lei no exercício financeiro de sua vigência. Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

11.              Resta saber se a lei atende à competência normativa da matéria. Não há dúvida que o Município pode tutelar o meio ambiente e a saúde pública desde que não nulifique a competência normativa federal ou estadual. Esse é o limite da autonomia municipal. De fato, em linha de princípio, e visando à predominância do interesse local, a lei municipal pode em matéria ambiental ser mais restritiva, mas, não lhe é dado, por exemplo, proibir aquilo que é permitido pela legislação federal ou estadual.

12.              A par de a União ter editado a Lei n. 7.802/89 que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, esse diploma legal prevê o seguinte:

Art. 9º. No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:

I - legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;

II - controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;

III - analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;

IV - controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins”.

13.              A competência municipal é, portanto, supletiva e restrita ao uso e armazenamento de agrotóxicos. Poderia, então, o Município proibir em todo o seu território o uso de agrotóxicos e herbicidas?

14.              Sem embargo da importância do escopo da lei local, penso que de acordo com a partilha de competências normativas – princípio a que o Município está subordinado inclusive para controle de constitucionalidade de suas leis por obra do art. 144 da Constituição Estadual, norma remissiva da aplicabilidade dos preceitos da Constituição Federal – a comuna pode disciplinar locais e condições de uso e armazenamento, mas, não simplesmente proibir a utilização dessas substâncias. É dizer: pode o Município proibir o uso em áreas de proteção ambiental ou em mananciais (como o fez na lei enfocada), porém, não de maneira absoluta alcançando quaisquer áreas públicas ou privadas sem qualquer outro fator relevante (proximidade a creches, escolas, hospitais etc.), pois, significaria proibir aquilo que a lei federal – dentro da competência da União – permite.

15.              Face ao exposto, opino pela procedência da ação pela incompatibilidade da Lei n. 4.838/14 com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo no tocante à expressão “nas áreas públicas e privadas”.

                   São Paulo, 12 de maio de 2014.

 

 

 

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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