Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 2052725-44.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Atibaia
Requerida: Presidente da Câmara Municipal de Atibaia
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 670, de 02 de outubro de 2013, do Município de Atibaia, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a comercialização de lanches e bebidas alcoólicas em escolas públicas e privadas do município, e dá outras disposições. Inocorrência de criação direta de despesas para a Administração Pública. Iniciativa reservada do Poder Executivo quanto ao funcionamento da Administração (escolas públicas). Ofensa ao princípio da separação de poderes quanto às determinações relativas ao sistema público de ensino. Parcial procedência da ação. 1. Do texto da lei não se depreende diretamente a criação de despesa. Debate referente à geração de despesa pública inadmissível na via do contencioso objetivo de constitucionalidade por envolver questão de fato que demanda prova. Ainda que se entenda pela criação de despesa, não há inconstitucionalidade, pois somente há o comprometimento da eficácia da lei no exercício de sua vigência. 2. A iniciativa parlamentar de lei local que regula o comércio de alimentos e bebidas nas escolas da rede pública de ensino é incompatível com o princípio da separação de poderes em virtude da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo pela conferência de atribuições a órgãos do Poder Executivo (arts. 5º; 24, §2°, e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89). 3. Quanto às escolas privadas, a matéria não se encontra na reserva da Administração. 5. Parcial procedência da ação.
Egrégio Tribunal:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município Atibaia, impugnando
a Lei Complementar n. 670, de 02 de outubro de 2013, do Município de Atibaia, de iniciativa
parlamentar, que “dispõe sobre a comercialização de lanches e bebidas
alcoólicas em escolas públicas e privadas do município de Atibaia”,
alegando incompatibilidade com o art. 25 da Constituição Estadual, e a violação
do princípio da separação dos poderes (arts. 5º; 24, § 2º; 47, II, XIV e XIX e
144 da Constituição do Estado).
2. Negada a liminar (fls. 23/24), a
douta Procuradoria-Geral do Estado se absteve da defesa do ato (fls. 34/36) e a
Câmara Municipal de Atibaia prestou informações (fls. 38/40).
3. É o relatório.
4. A ação comporta parcial
procedência.
5. Inicialmente, é de se apontar
que o autor alega, além da inconstitucionalidade, a incompatibilidade com a Lei
Orgânica do Município de Atibaia.
6. Contudo, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade, a cognição a ser realizada pelo tribunal limita-se ao confronto direto entre o ato normativo impugnado e a Constituição Estadual. Fica excluída dessa análise a eventual incompatibilidade entre o texto da lei e dispositivos contidos na Constituição Federal ou mesmo na legislação infraconstitucional, que não podem ser adotados como parâmetro para o controle objetivo e abstrato da constitucionalidade da lei no âmbito da jurisdição constitucional estadual.
7. Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.
8. Portanto, fica restrita a análise à compatibilidade da Lei Complementar n. 670, de 02 de outubro de 2013, do Município de Atibaia, com a Constituição Estadual.
9. A lei em comento, que “dispõe
sobre a comercialização de lanches e bebidas alcoólicas em escolas públicas e privadas
do município de Atibaia”, tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 1° - O comércio de lanches e de
bebidas realizado em escolas de ensino fundamental e médio das redes pública e
privada do Município de Atibaia deverá atender essencialmente ao perfil de
produtos e de serviços que visem à saúde e a qualificação nutricional dos alunos.
I – Os alimentos tais como frutas,
salada, sucos naturais e sanduíches, serão ofertados com maior evidência nos
bares e nas cantinas das escolas.
Art. 2° - Os proprietários dos
estabelecimentos deverão garantir a qualidade higiênico-sanitário e nutricional
dos produtos comercializados.
Art. 3° - Deverá ser afixado, pelo
estabelecimento, em local visível, painel informativo tratando de assuntos
relacionados com a qualidade nutricional dos alimentos, bem como o alvará
sanitário expedito pelo órgão competente.
Art. 4° - Fica vedada a exposição de
cartazes publicitários que estimulem a aquisição e o consumo de balas,
chicletes, salgadinhos industrializados e refrigerantes no ambiente escolar,
público e privado.
Art. 5° - Fica expressamente proibida
a comercialização e a ingestão de bebidas alcoólicas em festas ou eventos de
qualquer natureza nas dependências de todos os estabelecimentos da rede de
ensino público e privado do Município de Atibaia, seja por alunos, pais,
professores, administradores ou visitantes.
Art. 6° - Os estabelecimentos em
funcionamento nas escolas públicas ou privadas no Município de Atibaia deverão,
em prazo a ser estipulado pelo Poder Executivo, adequar-se as normas e as
exigências desta Lei.
Art. 7° - Os diretores dos
estabelecimentos de ensino são responsáveis pelo cabal cumprimento desta Lei.
Art. 8° - O descumprimento do
estabelecimento na presente Lei sujeitará o infrator à sanção de suspensão do
alvará sanitário até a sua regularização, bem como a interdição definitiva, na
reiteração.
Art. 9° - Esta Lei Complementar
entrará em vigor na data de sua publicação.
(...)”
10. A princípio, é de se apontar ser impertinente a alegação de violação ao art. 25 da Constituição Estadual, porque a lei local em foco não cria diretamente obrigações ao poder público a demandar específica cobertura financeira nem deflagra programa que empenhe novas despesas não previstas no orçamento anual. Para se extrair da lei a criação de despesas seria necessário o aprofundamento em matérias de fato, objeto ao qual não se presta a ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional.
11. Neste sentido, já se decidiu, com nosso destaque:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E
RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA
PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS
PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33
DO ADCT-CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO
CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de
controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da
questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas
infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da
EC nº 3/93. Alegação fundada em
elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de
efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo
controle concentrado. Ação direta não conhecida” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).
12. Em todo caso, é insubsistente a alegação, posto
que a ausência de lastro financeiro-orçamentário apenas compromete a eficácia
da lei no exercício financeiro de sua vigência. Com efeito, “inclina-se a jurisprudência
no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas
restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo
apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998,
p. 01).
13. Se a lei cria despesa pública ou
renuncia a receita pública isso não é suficiente para conclusão de sua
inconstitucionalidade por violação à iniciativa reservada do Chefe do Poder
Executivo. Como assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de
reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública, diferentemente
do ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição
no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da
República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais
subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme
entende inclusive nossa Suprema Corte” (Iniciativa legislativa em matéria
financeira, in Orçamentos Públicos e
Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307,
coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).
14. Passa-se
à análise da alegação de ofensa ao princípio da separação dos poderes.
15. A
inconstitucionalidade parcial da lei decorre de sua iniciativa parlamentar,
agressiva da separação de poderes, porque parte de seu objeto, aquela que diz
respeito ao funcionamento das escolas públicas, é típico ato de administração
ordinária, reservado exclusivamente ao Poder Executivo e imune da interferência
do Poder Legislativo, como se capta dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
16. Postulado
básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de
observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma
Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de
Direito assentado na idéia de que as funções estatais são divididas e entregues
a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências
indevidas de um sobre o outro.
17. A
Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal,
comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro.
Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da
função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes “consiste em confiar cada
uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a
órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois
elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é
especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica,
significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão
seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de
subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário
contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
18. Se,
em princípio, a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas
matérias, por caracterizarem assuntos de natureza eminentemente administrativa,
são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual) em espaço que
é denominado reserva da Administração. Neste sentido, enuncia a jurisprudência:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E
SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração
impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à
exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC
2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001,
p. 23).
19. No
caso, foi violentada a reserva da Administração Pública, pois compete ao Poder
Executivo o exercício de sua direção superior, a prática de atos de
administração típica e ordinária, a edição de normas e a disciplina de sua
organização e de seu funcionamento, imune a qualquer ingerência do Poder
Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, a,
da Constituição Estadual).
20. A
decisão sobre o comércio de alimentos e bebidas realizado no interior das
escolas públicas, bem como a regulamentação de matérias correlatas, é da
inerência da típica gestão ordinária da Administração, cujas linhas mestras são
reservadas privativamente ao Chefe do Poder Executivo, alforriado da
interferência do Poder Legislativo, no espectro de sua atribuição de governo de
Chefe do Poder Executivo.
21. Em
se tratando de processo legislativo, é princípio basilar o de que as normas do
modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas
federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:
“as regras do
processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF,
ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“(...) I. - As
regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória
pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
“(...) 2. A
Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de
auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo
legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do
Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa
privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau,
04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras
básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que
estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória
pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A
Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de
auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo
legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor
sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo.
(...)” (RTJ 193/832).
22. Decorre
do mencionado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de
controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a
participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a
doutrina:
“É a esse arranjo,
mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial
de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os
ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios
recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances),
tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers)” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
23. A
reserva de iniciativa legislativa se inclui nestes mecanismos, em especial para
organização e funcionamento da Administração (entidades e órgãos do Poder
Executivo), e outorga de respectivas atribuições, quando houver criação ou
extinção de órgãos públicos ou aumento de despesa, segundo se colhe da leitura
conjugada dos arts. 24, § 2º, 2 e 47, XIX, a,
da Constituição do Estado. Neste sentido:
“É indispensável a
iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após
a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma
remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de
determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“À luz do princípio
da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que
versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão
referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não
importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do
Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição
federal)” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).
24. É
inegável que a decisão acerca dos tipos de alimentos e bebidas a serem
comercializadas dentro das escolas públicas, e as demais disposições trazidas
na lei, no que se referem à rede de ensino público, são matérias inseparáveis do
funcionamento da Administração Pública, e que, em que pese a inegável boa
intenção dos legisladores, a lei em comento interferiu na definição de
políticas públicas e no funcionamento de serviços públicos, invadindo matéria
de nítida vocação Administrativa típica.
25. O
colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça já teve a oportunidade
de apreciar situação similar em venerando acórdão relatado pelo eminente
Desembargador Roberto Mac Cracken, assim ementado:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pela Douta e Nobre Prefeita do Município de Guarujá/SP, visando à
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 3.703, de 28 de
novembro de 2008, que dispõe sobre o funcionamento de creches no horário
noturno e adota outras providências - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - Matéria de
competência privativa do Chefe do Poder Executivo local - Presença de vício de
inconstitucionalidade formal na produção da norma impugnada. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE” (ADI 0151911-11.2013.8.26.0000, Rel. Des.
Roberto Mac Cracken, v.u., 27-11-2013).
26. Esse
julgado se apoiou em precedentes do colendo Órgão Especial (ADI
0129730-16.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, 23-10-2013; ADI
135.527-0/5-00, Rel. Des. Carlos Stroppa, 03-10-2007).
27.
É de se concluir que a
instituição de programas destinados à execução de políticas públicas e a
disciplina da prestação dos serviços públicos, executados direta ou indiretamente
pelo poder público, situa-se no domínio da reserva da Administração, espaço
conferido com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo no âmbito de seu poder
normativo, imune a interferências do Poder Legislativo, e que se radica na
gestão ordinária dos negócios públicos, como se infere dos arts. 5º e 47, II,
XIV e XIX, a, da Constituição
Estadual, aplicável na esfera municipal por força de seu art. 144 e do art. 29 caput da Constituição Federal.
28. Também como decorrência da separação de poderes,
incorporada no art. 5º, a Constituição Paulista prevê no art. 47 competência
privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de
governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de
administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois,
veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder
Legislativo.
29.
A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor, mediante decreto, sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao contido art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da
administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da
competência do Poder Executivo, enraizando-se no art. 84, II, da Constituição Federal
de 1988.
30.
Esses assuntos são privativos
do poder normativo do Chefe do Poder Executivo, como já se decidiu:
“(...) 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)” (STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010, v.u., DJe 24-09-2010).
“(...) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência
normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência
administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
31. Na
ordem constitucional vigente, como anotado em tópico precedente, não existe a
mínima possibilidade de a administração municipal ser exercida pela Câmara, por
intermédio da edição de leis. Em relação a esse aspecto, aliás, não paira
nenhuma controvérsia, uma vez que a atual Constituição é suficientemente clara
ao atribuir ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos
Secretários Municipais, a direção superior da administração municipal (CE.,
art. 47, inciso II) e para praticar os atos de administração, nos limites de
sua competência (CE., art. 47, inciso XIV). Bem por isso, ELIVAL DA SILVA RAMOS
adverte que:
“Sob a vigência de
Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes, no entanto,
não é lícito ao Parlamento editar, a seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto
e individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício
da função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas
que, embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres
de generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma
direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta
caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto
Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial.” (“A
Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194).
32. O
Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à
atividade de administrador, tendentes à atuação concreta e referentes,
essencialmente, ao “planejamento, organização e direção de serviços e obras da
municipalidade. Para tanto, dispõe de poderes correspondentes de comando, de
coordenação e de controle de todos os empreendimentos da Prefeitura [...] A
execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em
toda a sua plenitude, à direção do Prefeito, sem interferência da Câmara, tanto
no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços
burocráticos ou técnicos), quanto às atividades externas (obras e serviços
públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade” (Hely
Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, RT, 3ª ed., pp.
870/873). Em idêntica lição, José Afonso da Silva, “O Prefeito e o Município”,
Fundação Pref. Faria Lima, 1977, pp. 134/143.
33. E,
sobre o tema em foco, destaca-se trecho do Acórdão da lavra do Eminente
Desembargador DENSER DE SÁ:
“Segundo a doutrina
a administração da cidade é da competência do Prefeito, tendo o Poder
Legislativo a função de aprovar ou desaprovar os atos do Alcaide, funcionando
como fiscal do governo. (...) Não é dado aos vereadores resolver todos os
assuntos por meio de lei. A Câmara Municipal somente pode estabelecer programas
gerais, com base na Constituição se não criar atribuições para órgãos públicos
ou determinar seu modo de execução, incumbências do Prefeito Municipal” (Oesp –
Adin n. 104.747-0/7, DJ de 10.03.04).
34. Em
vista de tais premissas, a violação ao princípio da separação dos poderes se
faz evidente, na parte da lei em que se organiza e define o funcionamento do
serviço nas escolas públicas. Não se pode afirmar o mesmo no que tange às
escolas privadas, pois, nestas, o estabelecimento de diretrizes se mostra
apartado da hipótese de “funcionamento da administração”.
35. Face ao exposto, opino pela parcial procedência da ação,
para declarar a inconstitucionalidade das expressões “pública”, presente no
art. 1°; “público”, contida nos arts. 4° e 5°; e também da expressão “públicas”,
constante do art. 6°, todos da Lei Complementar n. 670, de 02 de outubro de
2013, do Município de Atibaia, bem como de qualquer interpretação desta lei que
amplie ao sistema público de ensino as regulamentações nela previstas, por
incompatibilidade com os arts. 5º, 47, II, XIV, e XIX, a,
e 174, III, da Constituição Estadual.
São Paulo, 06 de junho de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj