Parecer
Processo n. 2054830-91.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos
Requerida: Câmara Municipal de Guarulhos
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.235, de 11 de fevereiro de 2014, do Município de Guarulhos. Iniciativa Parlamentar. Obrigatoriedade de instalação de câmeras de monitoramento em unidades de terapia intensiva nos hospitais públicos. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1. A iniciativa parlamentar de lei local que obriga à instalação de câmeras de monitoramento em unidades de terapia intensiva nos hospitais públicos é incompatível com o princípio da separação de poderes, e gera despesas sem cobertura (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV, e XIX, a, 174, III, e 176, I, CE/89). 2. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo
Prefeito do Município de Guarulhos impugna a Lei n. 7.235, de 11 de fevereiro
de 2014, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que obriga à
instalação de câmeras de monitoramento nas unidades de terapia intensiva dos
hospitais públicos, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, §§ 1º
e 2º, 25, 47, II, XIV, XVIII, 111, 144, 174 e 176, I, da Constituição Estadual.
Concedida a liminar, a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da
lei vergastada, e a Câmara Municipal de Guarulhos prestou informações
defendendo sua constitucionalidade.
2. É
o relatório.
3. O contencioso de
constitucionalidade de lei municipal não tem outro parâmetro senão a
Constituição Estadual, sendo defeso o contraste da norma impugnada com o
direito infraconstitucional, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei
Orgânica do Município.
4. Não se verifica ataque aos
princípios de razoabilidade e proporcionalidade (art. 111, Constituição do
Estado). A lei tem conteúdo meritório, de aperfeiçoamento da prestação do
serviço público de saúde, oferecendo medida racional e adequada. Tampouco há
lugar para invocação de ofensa ao art. 24, § 2º, 1, da Constituição Paulista,
na medida em que o parâmetro suscitado se refere à criação de cargos e empregos
públicos.
5. A inconstitucionalidade decorre
da iniciativa parlamentar, agressiva da separação de poderes, porque seu objeto
é típico ato de administração ordinária, reservado exclusivamente ao Poder
Executivo e imune da interferência do Poder Legislativo, como se capta dos
arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da
Constituição Estadual.
6. E
é inegável que a obrigação contida na lei local implica diretamente ônus
financeiro relativamente à organização e ao funcionamento da Administração, o
que demandaria a observância da iniciativa legislativa reservada do Chefe do
Poder Executivo, nos termos do art. 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual,
pois, lhe conferiu atribuição. Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 11.830,
DE 16 DE SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ADEQUAÇÃO DAS
ATIVIDADES DO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL E DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO
PÚBLICOS E PRIVADOS AOS DIAS DE GUARDA DAS DIFERENTES RELIGIÕES PROFESSADAS NO
ESTADO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 22, XXIV; 61, § 1.º, II, C; 84, VI, A; E 207 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. No que toca à Administração Pública estadual, o diploma
impugnado padece de vício formal, uma vez que proposto por membro da Assembleia
Legislativa gaúcha, não observando a iniciativa privativa do Chefe do
Executivo, corolário do princípio da separação de poderes. Já, ao estabelecer
diretrizes para as entidades de ensino de primeiro e segundo graus, a lei
atacada revela-se contrária ao poder de disposição do Governador do Estado,
mediante decreto, sobre a organização e funcionamento de órgãos administrativos,
no caso das escolas públicas (...)” (RTJ 191/479).
7. Se, em linha de princípio, a
falta de recursos orçamentários não causa a inconstitucionalidade de lei, senão
sua ineficácia no exercício financeiro respectivo à sua vigência, quando lei de
iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus
órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no
orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte
de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176,
I, da Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos
para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é
reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento
anual, conforme pronuncia o Supremo Tribunal Federal:
“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do
Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e atribuições de Secretaria
Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução
da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Precedentes. 5. Ação julgada procedente”
(LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Do
Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. 3.
Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. 4.
Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6.
Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. 7.
Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF
v. 29, n. 338, p. 46).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE
ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA
ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61,
§ 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa,
vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de
matéria típica de Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na
Administração Pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre
outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o
Estado-membro. Afronta ao disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da
Constituição do Brasil. 3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a
elaboração da lei orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso
III, da Constituição de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de
inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5.
Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ 200/1065).
8. Face ao exposto, opino pela procedência da ação para
declarar a incompatibilidade da Lei n. 7.235, de 11 de fevereiro de 2014, do
Município de Guarulhos, com os arts. 5º,
24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV, e XIX, a,
174, III, e 176, I, da
Constituição Estadual.
São
Paulo, 13 de junho de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj