Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2054971-13.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 7.159, de 12 de setembro de 2013, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre “A INSTALAÇÃO DE BANHEIROS QUÍMICOS NAS BANCAS EXAMINADORAS DE PRÁTICA DE DIREÇÃO VEICULAR DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS”.

2)      Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado). “Reserva de administração”. Precedentes do STF.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.159, de 12 de setembro de 2013, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre “A INSTALAÇÃO DE BANHEIROS QUÍMICOS NAS BANCAS EXAMINADORAS DE PRÁTICA DE DIREÇÃO VEICULAR DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS”.

Sustenta o autor (fls.01/23) que a lei impugnada seria formalmente e materialmente inconstitucional, tanto pelo seu temário como pelo vício de iniciativa do processo legislativo, considerada a violação à regra da separação de poderes (invasão da esfera da gestão administrativa).

Segundo argumenta, a lei municipal impugnada apresenta dois problemas insanáveis de inconstitucionalidade, um decorrente de vício formal, violando os arts. 24, § 2º, 47, II e XIV, e 144, da Constituição Estadual, consistente na ausência de competência para deflagração da lei, e outro, consistente em vício material, por afronta ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consubstanciado nos arts. 5º, 47, II e XIV, e 144, da Constituição Bandeirante.

Refere-se, também, à questão de os recursos a serem destinados à execução da lei municipal, afirmando que o cumprimento desta aumentará as despesas do erário, sem a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atendimento dos novos encargos.

 Foi deferida a liminar, suspendendo-se a eficácia da norma impugnada (fl. 40/41).

O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou da defesa do ato normativo (fls. 47/49).

A Presidência da Câmara Municipal apresentou informações, sustentando a constitucionalidade do ato normativo (fls. 56/63).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: impossibilidade de exame de parâmetros infraconstitucionais ou contidos na Constituição Federal

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 7.159, de 12 de setembro de 2013, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre “A INSTALAÇÃO DE BANHEIROS QUÍMICOS NAS BANCAS EXAMINADORAS DE PRÁTICA DE DIREÇÃO VEICULAR DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS” tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 1º. A Prefeitura de Guarulhos providenciará a instalação de banheiros químicos gratuitos, em locais próximos às bancas examinadoras da prática de direção veicular instaladas neste Município, para uso dos candidatos, dos examinadores, dos instrutores de trânsito e para a população.

Parágrafo único. Os banheiros especificados no caput deste artigo serão distintos para homens e mulheres, com respectivos lavatórios, adaptação para deficientes físicos e sinalização indicativa de sua localização.

Art. 2º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessárias.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Pois bem.

A ação deve ser julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Note-se, inicialmente, que ao determinar que específica providência administrativa seja adotada pelo Poder Público (instalação de banheiros químicos em local determinado), o Poder Legislativo Municipal pretende regrar atividade que está inserida na esfera da gestão executiva.

Cabe exclusivamente ao Poder Executivo deliberar a respeito da organização dos seus serviços, inclusive, voltando a atenção para a hipótese em exame, sobre escolha de locais contemplados com a instalação de banheiros químicos.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei adotando deliberação concreta que, a rigor, cumpre exclusivamente ao Poder Executivo adotar, isso significa invasão da esfera de gestão administrativa e, portanto, violação ao princípio da separação de poderes, assentado no art. 5º e no art. 47, II e XIV da Constituição Paulista.

Em suma, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema, por tratar-se de hipótese da denominada “reserva de administração”.

Nesse sentido o posicionamento do STF, aplicável à hipótese mutatis mutandis:

“(...)

O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

(...)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público. (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)

 É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Por último e não menos importante, o ato normativo impugnado não fornece elementos concretos, que permitam aferir se do seu cumprimento decorrerá ou não aumento de despesa. Por essa razão não deverão ser adotados como fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade o art. 24, § 5º e o art. 25 da Constituição do Estado.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da       Lei 7.159, de 12 de setembro de 2013, de Guarulhos.

São Paulo, 02 de junho de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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