Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2061601-85.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Cruzeiro

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Cruzeiro

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Cruzeiro. Emenda n. 24, de 31 de março de 2014. Falta de capacidade postulatória isolada do Procurador. Irregularidade sanável. Diligência alvitrada. Lei Orgânica do Município. afastamento de prefeito do cargo que esteja sendo processado por infração político-administrativa, infração penal comum e ação de improbidade administrativa. competência da união para legislar sobre direito processual. Procedência da ação. 1. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE/89) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, poderes específicos e subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador, sendo necessária a regularização. 2. Mérito. Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 22, I). O Município não tem competência legislativa para dispor sobre afastamento do Prefeito do cargo que esteja sendo processado por, infração político-administrativa, infração penal comum e ação de improbidade administrativa, visto ser matéria de direito processual, cuja iniciativa é privativa da União. 3. A definição sobre normas de processo em infrações político-administrativa (art. § 4º, 56, LOM) é da competência normativa federal (Súmula 722, STF);  

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face dos §§ 4º e 5º do art. 56, da Lei Orgânica do Município de Cruzeiro, introduzida pela Emenda nº 24, de 31 de março de 2014. Sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado atribuiu à Câmara Municipal de Cruzeiro a faculdade de cassar o mandato do Prefeito que esteja sendo processado por crime de responsabilidade, por infração penal comum ou por improbidade administrativa usurpando a competência privativa da União, violação aos princípios da separação dos poderes e isonomia, conforme artigos 5º, 48, e 144 da Constituição Estadual e Súmula 722, do Colendo Supremo Tribunal Federal (fls. 01/16).

2.                A liminar foi deferida (fls. 104/107), o douto Procurador-Geral do Estado se absteve da defesa da norma impugnada (fls. 130/132), e as informações prestadas alegam a constitucionalidade das inovações e a sua conformidade com a legislação (fls. 118/124).

3.                É o relatório.

4.             A Emenda nº 24, de 31 de março de 2014, de Cruzeiro, de iniciativa parlamentar, que Acrescenta o § 4º e § 5º, ao Artigo 56, da Lei Orgânica do Município de Cruzeiro, na forma que menciona”, tem a seguinte redação:

“Art. 56 (...)

§ 4º - O Prefeito Municipal ficará, afastado do cargo no período em que estiver sendo processado judicialmente, por crime de responsabilidade ou criminalidade por qualquer infração penal comum, desde que seu afastamento seja aprovado pelo Plenário da Câmara Municipal, por quórum qualificado de seus membros, mediante requerimento subscrito por qualquer Vereador, que será recebido pela Mesa e transformado em Projeto de Decreto legislativo.

§ 5º - Ficará também afastado o Prefeito que responder por ação civil pública de improbidade administrativa e que, no referido processo, tenha havido a concessão de qualquer medida liminar ou sentença em seu desfavor, desde que seu afastamento seja aprovado pelo Plenário da Câmara Municipal, por quórum qualificado de seus membros, mediante requerimento subscrito por qualquer Vereador, que será recebido pela Mesa e transformado em Projeto de Decreto Legislativo.

Artigo 2º - Esta Emenda a Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação.”

 

5.                Preliminarmente, a petição inicial é subscrita apenas por douta advogada (fl. 16) constituída pelo Prefeito com mandato genérico (fl. 18).

6.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

7.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

8.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado.

9.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

10.              Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

11.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação da autora para subscrição da petição inicial e regularização da representação processual (mandato com poderes específicos), no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

12.              No mérito a ação é procedente.

13.             Inicialmente, cumpre registrar que o art. 48 da Carta Política Estadual não serve para solucionar a controvérsia instaurada nestes autos, seja porque tal norma só se aplicam à responsabilidade do Governador, que é regida por disposições próprias (Lei n.º 1.079/50), inexistindo, por conseguinte, a possibilidade de atribuir-se tratamento simétrico aos Prefeitos, que – em matéria de responsabilidade – estão sujeitos ao Decreto-Lei n.º 201/67, seja porque o Supremo Tribunal Federal suspendeu parcialmente a sua eficácia, inviabilizando, com tal iniciativa, a sua adoção como parâmetro válido do controle abstrato de normas.

14.          No mais, o legislador municipal ao dispor sobre o afastamento do Prefeito do cargo que esteja sendo processado por infração penal comum ou ação de improbidade administrativa invadiu a esfera de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, inciso I, da Constituição Federal).

15.            Conclui-se, daí, que os §§ 4º e 5º são inconstitucionais porque, à vista do disposto no art. 144 da Carta Política Estadual, os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Constituição Federal, dentre os quais aquele que consagra a competência privativa da União para legislar sobre direito processual, impedindo que norma local se ocupe desse tema.

16.       São igualmente contrários à Constituição, e não deve ser mantido, o dispositivo legal que prevê o afastamento do Prefeito acusado da prática de crimes de responsabilidade, dado que a competência para legislar sobre infrações político-administrativas e a definição de regras peculiares ao seu processo e julgamento também é privativa da União (CF., art. 22, inciso I).

17.         De igual modo, o Colendo Supremo Tribunal Federal vem entendendo que o estabelecimento de regras peculiares ao processo e julgamento dos crimes de responsabilidade é da competência privativa da União, à vista do disposto nos arts. 85, parágrafo único, e 22, inciso I, da Constituição Federal (ADI n.º 2.220/SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, DJU, Seção I, 7.dez.2000, p.4; ADI n.º 1.628-MCDJ 26.set.97; ADI n.º 2.050-MCDJ de 1º.out.99; ADI n.º 2.235-MC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ 7.mai.04; ADI n.º 1.628-MC, Rel. Min. NELSON JOBIM, j. em 30-6-97, DJ de 26.set.97).    

18.         A matéria, inclusive, já se encontra sumulada no Supremo Tribunal Federal: São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento." (Súm. 722).

17.              Desta forma, opino pela regularização da petição inicial e do mandato, e, no mérito, pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 4º e 5º, do art. 56 da Lei Orgânica do Município de Cruzeiro, introduzida pela Emenda nº 24, de 31 de março de 2014.

                   São Paulo, 18 de junho de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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