Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 2063662-16.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Requerida: Câmara Municipal de Catanduva

 

 

 

Ementa: Constitucional. Ambiental. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 5.489, de 08 de novembro de 2013, de iniciativa parlamentar, do Município de Catanduva. Imposição de obrigação a todas empresas instaladas e que vierem a se instalar no município de catanduva, de que tenham projetos de educação ambiental. inexistência de Vício de iniciativa ou violação à Separação de poderes. Preservação do meio ambiente. Violação à razoabilidade. Procedência da ação.  1. Lei local, de iniciativa parlamentar, que cria a obrigatoriedade de empresas instaladas no Município terem projetos de educação ambiental. 2. Improcedente a alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes em razão da excepcionalidade da iniciativa legislativa reservada, demandando expressa previsão constitucional, não se presumindo. 3. Causa de pedir aberta. 4. Lei local de iniciativa parlamentar que viola o princípio da razoabilidade (art. 111 da CE/89). 5. Procedência da ação.

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Catanduva, em face da Lei n. 5.489, de 08 de novembro de 2013, de iniciativa parlamentar, do Município de Catanduva, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de que todas as empresas já existentes e as que forem abertas no Município de Catanduva ou que venham a prestar serviços à Municipalidade que de alguma forma estejam ligados a impactos ou prestação de serviços ao meio ambiente no Município, tenham projetos de educação ambiental na Cidade de Catanduva”, por incompatibilidade com os arts. 5º, 25 e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/10).

Concedida liminar (fls. 17/18), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada (fls. 41/42), e a Câmara Municipal de Catanduva prestou informações (fls. 23/25).

É o relatório.

O pedido é procedente.                  

A lei local contestada obriga todas as empresas instaladas no Município de Catanduva a providenciarem projetos de educação ambiental.

Não há, na matéria em exame, reserva de iniciativa legislativa por parte do Poder Executivo.

É pacífico o entendimento de que a reserva de iniciativa é matéria de direito estrito, comportando interpretação restritiva.

Confira-se, no STF: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003;ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006. Vide: ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.

Não há, no art. 24, § 2º, da Constituição Paulista, dispositivo este que cuida dos casos de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo, nenhuma hipótese à qual se amolde o caso em exame.

Por outro lado, não houve, como alega o requerente, violação da regra da separação de poderes, estabelecida nos artigos 5º, e 47, II e XIV da Constituição do Estado.

A simples imposição de dever de fiscalização do cumprimento da lei, por parte do Poder Executivo, é reflexo do exercício do poder de polícia, tendo em vista que cabe necessariamente ao Executivo fiscalizar o cumprimento das leis.

O entendimento sustentado pelo requerente, no sentido de que a exigência fiscalização no cumprimento da lei pelo Poder Executivo implica violação da separação de poderes, esvazia, por completo, o poder de iniciativa, no processo legislativo, por parte do Poder Legislativo. Por não ser razoável tal solução, mencionado entendimento não pode prevalecer.

Não bastasse isso, corolário do raciocínio sustentado pelo requerente é de que a lei provocaria o aumento de despesa sem indicação de fontes de receitas (art. 25 da Constituição do Estado).

Isso não corresponde à realidade, entretanto, considerando que a lei não cria cargo nem exige a implantação de nenhum serviço ainda inexistente. Para chegar-se à conclusão adotada pelo autor seria necessário descer a peculiaridades da eventual regulamentação da lei, não sendo possível extrair dela própria, portanto, contrariedade à Constituição.

Ademais, o STF já assentou a impossibilidade de declarar-se a inconstitucionalidade da lei sob o argumento de que ela provocará despesas sem conter indicativo de receitas. Confira-se:

“(...)

A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes : ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003.’ (...) (RTJ 202/569).

(...)”

 

Contudo, a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão, é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

 “(...)

 Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

 (...)”

 Confira-se, ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

Neste contexto, percebe-se que a obrigação imposta pela lei impugnada está viciada pela falta de razoabilidade, com violação ao art. 111 da Constituição Estadual.

A razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, e proporcionalidade, interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas.

Na espécie, a obrigatoriedade imposta pela lei, que por deficiente técnica legislativa não define concretamente a obrigação imposta, está desprovida de qualquer justificativa ponderável.

Criou-se exigência desarrazoada que pode obstaculizar o exercício da atividade comercial desenvolvida por empresas instaladas em Catanduva, sem qualquer critério que diferencie o projeto a ser realizado, de acordo com o porte da empresa.

Há ofensa, portanto, ao princípio da razoabilidade, imanente ao nosso sistema constitucional, o qual exige que o ato normativo supere o “teste” consubstanciado: (a) na necessidade do ato normativo; (b) na sua adequação à situação material normatizada; (c) na proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, na compatibilidade entre os meios empregados pelo legislador e as metas que ele desejou alcançar.

         Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83.

Na hipótese em comento, a imposição dirigida a toda e qualquer empresa, sem qualquer critério de diferenciação ou mesmo conceituação da obrigação criada, mostra-se desproporcional, não evidenciando a necessária adequação ao fim ao qual se destina, que é a defesa ao meio ambiente.

Feitas estas considerações, manifesta-se pela procedência da ação, a fim de que se reconheça a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 5.486, de 08 de novembro de 2013, do Município de Catanduva, por violação ao princípio da razoabilidade.

 

São Paulo, 14 de julho de 2013.

 

 

 

         Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

        - em exercício-

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