Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2063686-44.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva.

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.487, de 26 de novembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a disponibilização de cadeiras de rodas de propulsão própria (manual) para pessoas com deficiência e mobilidade reduzidas em supermercados e hipermercados no município de Catanduva”.

2)      Medida que visa resguardar melhor atendimento aos consumidores portadores de deficiência e mobilidade reduzidas.

3)      Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF.

4)      A lei impugnada impôs obrigações a estabelecimentos privados (supermercados e hipermercados), e não ao Município. Dever de fiscalização não autoriza deduzir que a verificação do cumprimento da lei importará em criação ou aumento de despesas, com consequente ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual, pois se trata de atividade inerente ao poder de polícia. Necessidade de eventual criação ou ampliação da estrutura é matéria fática não sujeita a valoração em sede do controle direto de constitucionalidade.

5)      Parecer pela improcedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 5.487, de 26 de novembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a disponibilização de cadeiras de rodas de propulsão própria (manual) para pessoas com deficiência e mobilidade reduzidas em supermercados e hipermercados no município de Catanduva”.

Aponta contrariedade ao disposto nos arts. 5º, 25, 144 e 163, I da Constituição Estadual, sustentando, em síntese, ofensa ao princípio da separação dos poderes, vício de iniciativa e criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis.

Foi indeferida a liminar (fls. 17/18).

Citado regularmente (fls. 53), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 55/57).

Notificado (fl. 23), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado, (fls. 25/27).

É o breve relato do ocorrido nos autos.

Não procede o pedido.

A Lei nº 5.487, de 26 de novembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, depois de rejeitado o veto do Prefeito, tem a seguinte redação:

 

 

Não se verifica qualquer incompatibilidade vertical da lei impugnada com a Constituição do Estado de São Paulo.

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

(...)”

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da Constituição Federal).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da Constituição Federal).

Só seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes se a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: só é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Todavia, não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 5.487/2013, do Município de Catanduva, impõe a estabelecimentos privados (supermercados e hipermercados) a obrigação de disponibilizar cadeiras de rodas de propulsão própria (manual) para pessoas com deficiência e mobilidade reduzidas.

Não decorre da lei qualquer imposição de atuação administrativa que não seja aquela decorrente de seu ordinário poder de polícia.

A lei impugnada não coacta a atuação administrativa, ao contrário, disciplina aspecto relativo à prestação de serviços pelos supermercados e hipermercados aos munícipes.

A medida imposta pela lei atende ao interesse público, pois se trata de medida de proteção ao consumidor portador de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Trata-se de iniciativa exercida dentro do escopo de tutelar os interesses dos munícipes.

Importante ressaltar que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II da Constituição Federal).

A questão não é diversa em relação às leis municipais que impõem às agências bancárias obrigações em dotar o estabelecimento ou caixas eletrônicos de mecanismos, dentre eles monitoramento por câmeras, para melhor segurança e atendimento aos usuários.

A este respeito, inúmeros são os precedentes desse C. Órgão Especial acerca da constitucionalidade das referidas leis municipais. Basta conferir as seguintes ementas:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 4.682, de 26 de agosto de 2011 do Município de Mogi Guaçu. Possibilidade do Município de legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de vídeo no entorno dos estabelecimentos bancários do Município. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei por Vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Imposição de sanções em caso de descumprimento pelos estabelecimentos bancários que decorrem de descumprimento de norma de conduta. Irrelevância. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. O Município pode legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de segurança no entorno dos estabelecimentos bancários, em favor dos usuários dos serviços, para lhes proporcionar segurança, na esteira, aliás, de precedentes do próprio Supremo Tribunal Federai A iniciativa do projeto de lei por Vereador em matéria dessa natureza não interfere na organização da Administração, mostrando-se irrelevante que o Executivo, na hipótese, tenha dever de fiscalizar ou impor, em sendo o caso, as sanções correspondentes às infrações. Ao Legislativo cabe editar normas abstratas, gerais e obrigatórias, ainda que voltadas apenas aos bancos e ao Executivo cabe a responsabilidade de executá-las, inclusive com fiscalização e imposição de penas. (ADIN 0276050-06.2011.8.26.0000, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, julgamento em 13-06-2012)

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 4.384/2009. Ato normativo de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a obrigatoriedade de atendimento reservado, bem com vídeo de monitoramento nas agências bancárias no âmbito do Município e dá outras providências - Ausência de vício de iniciativa - Legalidade por se tratar de matéria ligada à segurança pública - Matéria de iniciativa não reservada ao Chefe do Poder Executivo - Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança - Competência legislativa concomitante do Município - Matéria de interesse loca) - Efetiva legitimidade do Município para legislar sobre o tema - Finalidade de proporcionar proteção ao consumidor - Ação julgada improcedente. . (ADIN 0318796-20.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgamento em 29-02.2012)

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

O simples fato da previsão de penalidade para o descumprimento da Lei não caracteriza invasão de área da esfera de competência ou interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Se, eventualmente, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei nº 5.487, de 26 de novembro de 2013, do Município de Catanduva.

São Paulo, 18 de março de 2013.

 

    Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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