Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2065425-52.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

Requerida: Câmara Municipal de Taubaté

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 4.831, de 26 de dezembro de 2013, do Município de Taubaté. Plano Plurianual (2014/2017) e Diretrizes orçamentárias (2014). Emendas parlamentares. Descabimento de ofensa à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Regras de transparência (publicidade e participação). Norma processual orçamentária (art. 6º). Norma expletiva. Enunciado da inaplicabilidade do limite de despesa com pessoal à revisão geral anual dos servidores públicos (art. 7º). Admissibilidade. Contenção aos limites materiais do poder de emenda parlamentar em matéria orçamentária. Sujeição à autorização legislativa específica de assunto atinente à organização administrativa em matéria orçamentária (§ 1º do art. 1º). Inadmissibilidade. Procedência parcial da ação.  1. Lei n. 4.831/13, do Município de Taubaté, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, que aprova o plano plurianual (2014/2017) e as metas e prioridades para o exercício de 2014. 2. Emendas parlamentares aprovadas: (a) sujeição à autorização legislativa específica de assunto atinente à organização administrativa em matéria orçamentária (§ 1º do art. 1º); (b) publicidade e participação popular (art. 6º); (c) inoponibilidade dos limites de despesa com pessoal à revisão geral anual dos servidores públicos (art. 7º). 3. Inconsistência de violação ao art. 47, XVII, CE/89, que define a iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, para leis de natureza orçamentária, para acoimar inconstitucionalidade a emendas parlamentares. 4. Se nos processos legislativos das leis de natureza orçamentária é reservada iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo (art. 174, CE/89), isso não impede a apresentação de emendas parlamentares que mantenham pertinência temática e que observem os limites materiais peculiares ao processo legislativo especial (arts. 174 e 175, CE/89). 5. Condicionamento do orçamento anual à lei de diretrizes orçamentárias, cujo conteúdo é mais amplo que o plano plurianual restrito a despesas de capital, envolvendo metas e prioridades. 6. O art. 7º da lei local não concede a revisão geral anual (cuja iniciativa legislativa pertence ao Poder Executivo e depende da fixação de índice e periodicidade); apenas declara, em caráter expletivo ou interpretativo, que o limite de despesa de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal não elide a revisão geral anual dos servidores públicos municipais. 7. Preceito que se afina ao entendimento pretoriano e literário e se insere no âmbito da LDO, não desbordando do âmbito do poder de emenda parlamentar. 8. O art. 6º, por sua vez, ao assegurar publicidade e participação popular no processo legislativo orçamentário, definindo mecanismos, é norma processual orçamentária local que prima pela observância do limite material de emenda parlamentar e o quanto disposto na LRF (art. 48, par. único, I), e se afina à concepção dominante que repugna o mais: a reserva de iniciativa legislativa no particular. 9. A subordinação à autorização (prévia) legislativa específica de alterações relativas à competência intestina da execução orçamentária pelos órgãos do Poder Executivo (§ 1º do art. 1º) ofende o a divisão funcional do poder porque intervenções do Parlamento na execução orçamentária são as explicitadas na Constituição, não se admitindo outras que molestem as competências típicas e ordinárias da Administração na condução executiva dos negócios públicos. 10. Procedência parcial da ação.

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Taubaté impugna o § 1º do art. 1º e os arts. 6º e 7º da Lei n. 4.831, de 26 de dezembro de 2013, do Município de Taubaté, que aprova o Plano Plurianual e as metas e prioridades para o exercício de 2014, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 47, XVII, e 174, § 1º, da Constituição Estadual, por excederem os limites constitucionais à emenda parlamentar (fls. 01/14).

2.                Concedida a liminar (fls. 29/30), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei vergastada (fls. 36/38), e decorreu in albis o prazo das informações da Câmara Municipal de Taubaté (fl. 44).

3.                É o relatório.

4.                Os dispositivos impugnados são resultantes de emendas parlamentares aprovadas e vetadas, sendo o veto derrubado.

5.                O § 1º do art. 1º autoriza o Poder Executivo à alteração da unidade executora ou órgão responsável por programas e ações e os indicadores e respectivos índices, bem como à adequação das metas físicas em função de modificações nos programas, ditadas por leis, por leis de diretrizes e por leis orçamentárias e seus créditos adicionais, mediante autorização legislativa específica.

6.                O art. 6º assegura a participação popular na execução dos programas e ações previstos no Plano Plurianual e na elaboração das leis de orçamento e de diretrizes orçamentárias, inscrevendo os mecanismos de publicidade através da transparência da gestão fiscal, e realização de debates, audiências e consultas públicas regionalizadas.

7.                O art. 7º assegura revisão geral anual aos servidores públicos mesmo excedente a despesa de pessoal do limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

8.                A concessão da liminar gizou o extravasamento dos limites do § 1º do art. 174 da Constituição Estadual que assim enuncia:

“A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes, objetivos e metas da administração pública estadual para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”.

9.                Plano plurianual é um plano de investimentos, enquanto lei de diretrizes orçamentárias é a que compreende metas e prioridades, inclusive despesas de capital para o exercício subsequente, orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre alterações da legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (art. 174, §§ 1º e 2º, Constituição Estadual; art. 165, §§ 1º e 2º, Constituição Federal).

10.              A Lei n. 4.831, de 26 de dezembro de 2013, do Município de Taubaté, não contém apenas o plano plurianual, abrangendo também as metas e prioridades para o exercício subsequente. Logo, é ato normativo que reúne as leis referidas nos incisos I e II do art. 174 da Constituição Estadual, reprodutores dos incisos I e II do art. 165 da Constituição Federal.

11.              Destarte, não parece adequado circunscrever o poder de emenda parlamentar à pertinência temática com o plano plurianual.

12.              E essa observação preliminar é assaz relevante porque o âmbito de conteúdo da lei de diretrizes orçamentárias tem maior dimensão, uma vez que ela condiciona a elaboração da lei orçamentária anual. Pois, segundo o art. 175, §§ 1º e 2º, da Constituição Estadual – que reproduz o art. 166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal:

“Artigo 175 - Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas emendas, serão apreciados pela Assembleia Legislativa.

§ 1º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que:

1 - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

2 - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Municípios.

3 - sejam relacionadas:

a) com correção de erros ou omissões;

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.

§ 2º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual”.

13.              Há uma verdadeira conexão entre esses três atos normativos: o orçamento deve ter compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual; a lei de diretrizes orçamentárias com o plano plurianual. Essa cláusula exógena de compatibilidade é que orienta o espaço consentido às emendas parlamentares.

14.              Veja-se, por exemplo, que a concessão de vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, funções ou empregos públicos, a alteração de estrutura das carreiras, e a admissão ou contratação de pessoal, dependem, dentre outros requisitos, de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (art. 169, § 1º, II, Constituição Federal; art. 169, parágrafo único, 2, Constituição Estadual).

15.              Também prefacialmente afasta-se ofensa ao art. 47, XVII, da Constituição do Estado de São Paulo. O preceito consagra a iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em matéria de plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, dívida pública e operações de crédito. Ora, resultando os preceitos impugnados de emenda parlamentar a projeto de lei de autoria do Prefeito do Município de Taubaté não há lugar para acusação de desafio à regra de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.

16.              O art. 7º da Lei n. 4.831/13 é norma que se insere na concepção de lei de diretrizes orçamentárias. O que nela se contém é algo que a literatura enuncia:

“No domínio da responsabilidade fiscal a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração está sujeita às limitações da Lei Complementar n. 101/00 editada nos termos do art. 169 da Constituição. A concessão de aumentos salariais se inclui no âmbito de suas disposições relativas às despesas com pessoal, não, porém, os reajustes, aludidos no art. 37, X, da Constituição, na medida em que o art. 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal os excluem expressamente na parte final do inciso I de seu parágrafo único” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 122).

17.              Esse também o pensamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro discorrendo que a revisão geral anual da remuneração de servidores públicos:

“não pode ser impedida pelo fato de estar o ente político no limite de despesa de pessoal previsto no artigo 169 da Constituição Federal. Em primeiro lugar, porque seria inaceitável que a aplicação de uma norma constitucional tivesse o condão de transformar outra, de igual nível, em letra morta. Em segundo lugar, porque a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, em pelo menos duas normas, prevê a revisão anual como exceção ao cumprimento do limite de despesa: artigo 22, parágrafo único, I, e artigo 71” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2010, 23ª ed., p. 541).

18.              É o que decidiu a Suprema Corte ao timbrar que não há “impossibilidade de aplicação do inciso X do art. 37 da Carta da República por força da limitação de gastos com pessoal imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que a revisão geral anual de remuneração dos servidores decorre de imperativo constitucional, que não pode, por óbvio, ser contrastado por lei complementar” (STF, ADI 2.481-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-12-2001, v.u., DJ 22-03-2002, p. 29).

19.              O dispositivo da lei municipal não concede a revisão – cuja iniciativa legislativa pertence ao Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 1 e 4, e 115, XI, Constituição Estadual; arts. 37, X, e 61, § 1º, II, a e c, Constituição Federal) – apenas declarando, em caráter expletivo ou interpretativo, que o limite de despesa de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal não elide a revisão geral anual dos servidores públicos municipais. Ela, aliás, não maneja a própria revisão, pois, esta, além de depender da iniciativa do alcaide, envolve outras providências, como a periodicidade (momento) e o índice.

20.              Portanto, é algo próprio a se conter no âmbito da lei de diretrizes orçamentárias – que abrange tanto despesas de capital quanto correntes -, sem prejuízo da lei complementar a que se refere o § 9º do art. 165 da Constituição Federal, e que não desborda do âmbito do poder de emenda parlamentar.

21.              O § 1º do art. 1º, todavia, é inconstitucional. Ele subordina à autorização (prévia) legislativa específica alterações relativas à competência intestina da execução orçamentária pelos órgãos do Poder Executivo. As intervenções do Poder Legislativo na execução orçamentária – atividade administrativa por excelência – são as explicitadas na Constituição, não se admitindo outras que molestem as competências típicas e ordinárias da Administração na condução executiva dos negócios públicos. Portanto, ele é incompatível com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.

22.              Examino agora o art. 6º, disposição de imensa valia na senda da transparência administrativa. Não se deve desmerecer seu conteúdo: a participação nele instrumentalizada com debates, audiências e consultas públicas, é prestigiada pela Lei Complementar n. 101/00 (art. 48, parágrafo único, I), e que ainda não teve a efetividade necessária por falta de leis estaduais e municipais. É, porém, preceito estranho à lei de diretrizes orçamentárias? A quem compete a iniciativa de lei que assegure a participação e a publicidade no processo legislativo orçamentário e na correlata execução?

23.              Essa matéria é reservada à lei complementar referida no § 9º do art. 165 da Constituição da República. Observa José Afonso da Silva se tratar de “lei normativa permanente”, verbalizando normas gerais de direito financeiro, e vigorando a esse título “a Lei 4.320/64, recebida pela Constituição, e a Lei Complementar 101/00” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 703).

24.              A legislação estadual e a municipal devem especificá-la nos seus respectivos âmbitos, contendo os pormenores atinentes à sua operacionalidade, adaptados às suas correlatas peculiaridades. Pois, se não estiver prevista a participação na elaboração e na execução orçamentária na lei de diretrizes orçamentárias e no plano plurianual será incompatível com o orçamento anual o resultado de audiência pública.

25.              Conquanto dispensável in casu definir-se a iniciativa legislativa porque se trata de emenda parlamentar a projeto de lei iniciado pelo Chefe do Poder Executivo, não se afigura impertinente ao tema da norma em foco a disposição invectivada uma vez que é norma processual orçamentária, não estando proibida pela restrição às emendas parlamentares em matéria orçamentária.

26.              E mesmo que se tratasse de lei de iniciativa parlamentar, convém repudiar violação à separação de poderes porque inexistente reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo como concluiu a Suprema Corte no decisum a seguir transcrito:

“Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 5.816/02. Transcrevo a referida ementa:

    ‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Municipal nº 5.816/02, Guarulhos, de iniciativa parlamentar, fixando exigência para elaboração de projeto de lei ou decreto municipal, relacionado à abertura de crédito adicional-suplementar e especial tema relativo à gerência administrativa e de escolha de prioridades de investimento, que é de competência exclusiva do Prefeito Municipal ação procedente’. (fl. 130)

    No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, aponta-se violação ao art. 167, II, V e VII, do texto constitucional.

    Nas razões do recurso, a Câmara Municipal de Guarulhos aduz que a mencionada Lei não interfere na liberdade política e administrativa do prefeito municipal quanto à escolha de prioridade e investimento nos serviços públicos. Defende, em síntese, seguinte:

    (...) quando a Lei Municipal 5.816/02 estabelece a exigência de que o ato que objetiva a instituição de tais créditos adicionais seja acompanhado pela identificação adequada da Rubrica e mais o saldo da dotação que se pretende reduzir ou suplementar, não é nada mais do que a instituição de regras básicas de procedimentos ou atuação, para que a Autoridade responsável evidencie com maior clareza e transparência certos aspectos daquele remanejamento orçamentário, permitindo à sociedade, ao contribuinte e especialmente ao Poder Legislativo, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, a mais adequada fiscalização e efetivo acompanhamento quanto à legalidade e correção da medida. (fl. 140)

    O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário (fls. 179-180).

    Decido.

    Razão assiste à recorrente.

    No caso dos autos, a despeito do elo entre a norma editada pelo Poder Legislativo local e a matéria orçamentária, não vejo razão para ver declarada inconstitucional a norma ora em apreço.

    Isso porque o preceito não visa à modificação do orçamento, nem se trata de lei orçamentária em sentido próprio, isto é, não se enquadra nas hipóteses insertas no art. 165 da Carta Magna, que prevê, taxativamente, o rol de leis orçamentárias às quais se estabeleceu a reserva de iniciativa – para sua instauração – do Chefe do Poder Executivo.

    Ressalte-se que, no tocante à reserva de iniciativa, a Constituição Federal estabelece, de forma taxativa, a autoridade ou órgão legítimos para a instauração do processo legislativo atinente a assuntos restritos.

    Nesse sentido, confira-se:

    ‘SERVIDOR PÚBLICO – REAJUSTE DE VENCIMENTOS –OMISSÃO ATRIBUÍDA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA – PRETENDIDA EXISTÊNCIA, COM BASE NA LEI Nº 7.706/88, DA OBRIGAÇÃO DE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FAZER INSTAURAR O PROCESSO LEGISLATIVO - IMPOSSIBILIDADE DE MERA LEI ORDINÁRIA IMPOR, EM CARÁTER OBRIGATÓRIO, AO CHEFE DO EXECUTIVO, O EXERCÍCIO DO PODER DE INICIATIVA LEGISLATIVA – INICIATIVA VINCULADA DAS LEIS, QUE SÓ SE JUSTIFICA EM FACE DE EXPRESSA PREVISÃO CONSTITUCIONAL – PLEITO QUE BUSCA A FIXAÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DE PERCENTUAL DE REAJUSTE DE VENCIMENTOS – INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA RESERVA DE LEI E POSTULADO DA DIVISÃO FUNCIONAL DO PODER – MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.

    A INICIATIVA DAS LEIS – QUE POSSUI MATRIZ CONSTITUCIONAL – NÃO PODE SER DETERMINADA EM SEDE MERAMENTE LEGAL.

    - A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição – e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis.

    - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima – considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja.

    Em consequência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa.

    O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO.

    - A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador’. (MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ 7.12.2006) (grifei)

    Confira-se, a propósito, o teor do art. 1º da Lei Municipal 5.816/2002, declarado inconstitucional pelo Tribunal de origem:

    ‘Todo projeto de lei ou decreto municipal relacionado à abertura de crédito adicional-suplementar e especial deverá conter a nomenclatura da rubrica, bem como o saldo da dotação que se pretende reduzir ou suplementar’. (grifei)

    Não há falar-se, portanto, em vício de inconstitucionalidade formal da referida norma.

    Cuida-se de exigência de mera explicitação da despesa criada pelo chefe do Poder Executivo, a fim de que se possa depreender, ipso facto, a natureza do crédito adicional proposto: se suplementar ou se especial. Ademais, no que diz respeito à segunda exigência, qual seja, a explicitação do ‘saldo da dotação que pretende reduzir ou suplementar’, não é outra a conclusão.

    A elaboração da referida norma insere-se no âmbito ordinário da competência fiscalizatória do Poder Legislativo, não representando, pois, qualquer incremento de despesa para o ente federado.

    Nesse sentido, confira-se a ADI-MC 724, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 27.4.2001:

    ‘ADI - LEI Nº 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.535/92 - BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO ESTADUAL - ALEGADA USURPAÇÃO DA CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

    - A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário.

    - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca.

    - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara - especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo - ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado’.

    Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal n. 5.816/2002, consoante a jurisprudência desta Corte (art. 557, §1º-A, do CPC).” (STF, RE 416.449-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 22-05-2013, DJe 28-05-2013).

27.              Em outro precedente, a Corte pronunciou:

“Separação e independência dos Poderes: promoção de audiências regionais pela Assembleia Legislativa para colher propostas de investimentos públicos prioritários a incluir no orçamento do Estado: participação de representantes do Executivo e do Judiciário que, despida de caráter compulsório, não ofende o princípio da separação dos poderes; do mesmo modo, não o afronta o encaminhamento do relatório final das propostas à Secretaria da Fazenda, nem a previsão de ser convocado o Secretário para prestar esclarecimento sobre as razões da sua não inclusão de proposta orçamentária de iniciativa do Executivo” (STF, ADI 1.747-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22-05-2002, v.u., DJ 28-06-2002, p. 87).

28.              Face ao exposto, opino pela procedência parcial da ação para declarar a incompatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei 4.831, de 26 de dezembro de 2013, do Município de Taubaté, com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 02 de setembro de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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