Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2066166-92.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Presidente Bernardes

Objeto: inconstitucionalidade da Emenda nº 01 à Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes, de 02 de maio de 2012.

 

 

 

 

 

 

 

Ementa:

I - Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Emenda nº 01 à Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes, de 02 de maio de 2012. Revogação. Carência da Ação.

1. É inviável o controle concentrado de constitucionalidade de norma já revogada.

2. Se tal norma, porém, gerou efeitos residuais concretos, o Poder Judiciário deve se manifestar sobre as relações jurídicas dela decorrentes, por meio do controle difuso.

3. Parecer pela extinção do processo sem exame do mérito.

II - Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda nº 01/2012 à Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes. Restrições, previstas na Lei Complementar nº 135/2010, ao exercício de funções, na admissão em empregos públicos e no provimento dos Cargos da Administração Pública Direta e Indireta do Município de Presidente Bernardes. Alegações de ofensa ao princípio da separação de poderes e de invasão da competência normativa federal. Improcedência da ação. 

1. Lei municipal que dispõe sobre o exercício de funções, admissão em empregos públicos e nomeação para cargos da Administração Direta e Indireta do Município, inclusive Conselho Tutelar, vedando-os nos casos de inelegibilidade previstos na Lei Complementar nº 135/2010, não invade a competência normativa federal (art. 22, I, CF), porque não trata das matérias ali enumeradas, e não cuida de eleições, mandatos, responsabilidade criminal, situando-se no espaço da autonomia municipal (arts. 29 e 30, CF).

2. O Chefe do Poder Executivo tem iniciativa legislativa reservada para o provimento de cargos públicos (art. 24, § 2º, 1 e 4, CE; art. 61, § 1º, II, a e c, CF), mas a exigência de honorabilidade para o provimento de cargos públicos, tal e qual a restrição ao nepotismo, se situa no raio de incidência do princípio da moralidade administrativa (art. 37, CF; art. 111, CE), não impondo a observância dessa reserva.

3. A reserva de iniciativa legislativa é referente aos requisitos para o provimento de cargos públicos, e não para as condições para provimento de cargos públicos, matéria que está no domínio da iniciativa legislativa comum ou concorrente, porque não se refere ao acesso ao cargo público, mas à aptidão para o seu exercício. 4. Ademais, a lei impugnada foi de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, o que torna descabida a alegação de violação do princípio da separação dos poderes.  

5. Improcedência da ação.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Eminente Relator

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Presidente Bernardes impugnando a Emenda nº 01/2012 à Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes, que, em síntese, estabelece restrições, previstas na Lei Complementar nº 135/2010, para o exercício de funções, admissão em empregos públicos e no provimento de cargos na Administração Pública Direta e Indireta do Município, sob alegação de violação ao princípio da separação de poderes e de invasão da competência normativa da União.

2.                Indeferida a liminar (fls. 44/45), a Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato, vislumbrando apenas o interesse local (fls. 49/51).

3.                O Presidente da Câmara Municipal de Presidente Bernardes prestou informações, afirmando que a lei, diferentemente do alegado na petição inicial, foi de iniciativa do Prefeito Municipal, e que o ato normativo, objeto da presente ação, não se encontra mais em vigor, em decorrência da aprovação da Emenda nº 01, de 21 de março de 2014 (fls. 58/78).

4.                É o relatório.

5.               Revogado o dispositivo legal ora impugnado pela Emenda nº 01/2014, em momento anterior ao ajuizamento desta ação, falece interesse de agir, na conformidade de julgamento do Supremo Tribunal Federal:

“Esta Suprema Corte entende que é inviável o controle concentrado de constitucionalidade de norma já revogada. Se tal norma, porém, gerou efeitos residuais concretos, o Poder Judiciário deve se manifestar sobre as relações jurídicas dela decorrentes, por meio do controle difuso. Precedente: ADI 1.436” (STF, RE-AgR 397.354-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 18-10-2005, v.u., DJ 18-11-2005, p. 21).

6.                Esse precedente, ademais, serve como norte para encaminhamento e solução das questões decorrentes da eficácia do preceito legal revogado e de sua revogação explícita ou implícita.

7.                Diante disso, opino pela resolução do processo sem exame do mérito por falta de interesse de agir.

8.                Se esse, contudo, não for o entendimento desse Colendo Órgão Especial, no mérito, merece repulsa a alegação de invasão da competência normativa da União.

9.                Com efeito, a lei não impôs proibições de ordem civil, penal e eleitoral, e, por essa razão, não é possível concluir que tratou de matérias que são reservadas à competência normativa federal disposta no art. 22, I, da Constituição Federal, na medida em que apenas estabeleceu condições para o exercício de funções, admissões em empregos públicos e provimento de cargos no âmbito da administração direta e indireta municipal, inclusive o Conselho Tutelar, não dispondo sobre eleições, mandatos, responsabilidade criminal etc.

10.              Destarte, o Poder Legislativo laborou na esfera de competência própria do Município, atuando no círculo de atribuições decorrente de sua autonomia emergente dos arts. 29 e 30 da Constituição Federal, ao vedar o exercício de funções, admissão em empregos públicos e a nomeação para cargos públicos de pessoas inseridas nas situações de inelegibilidade previstas na Lei Complementar nº 135/2010.

11.              Com relação ao outro argumento, consistente em violação ao princípio da separação de poderes, não fosse o registro que adiante far-se-á, convém obtemperar que não se situa no domínio da reserva da Administração ou da discricionariedade administrativa o estabelecimento de condições para o provimento de cargos públicos. É tradicional no direito brasileiro cláusula da reserva legal a respeito do assunto, e que se encontra hospedada no art. 37, I, da Constituição Federal, reproduzida no art. 115, I, da Constituição do Estado.

12.              Oportuno lembrar admoestação do Marques de São Vicente, mui apropriada ao caso:

“A arte e o tino do govêrno está em assinar aos homens que reunem o talento à probidade o lugar que lhes compete, não só para que o auxiliem, como para que não lhe criem embaraços e não procurem abrir carreira, forçando as traves que lhe são opostas” (José Antonio Pimenta Bueno. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, pp. 379-433, RT 731/678).

13.              O ponto central de discussão residiria, sob o color do princípio da separação de poderes, em decifrar se a iniciativa legislativa para o provimento de cargos, funções e empregos públicos é reservada ou não ao Chefe do Poder Executivo.

14.              A primeira impressão, extraída do art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição Federal, tende a uma resposta positiva.

15.              Ocorre que essa questão recebeu diferente tratamento em situação absolutamente similar, consistente na edição de regras de combate ao nepotismo, afinal, a exigência de honorabilidade para o provimento de cargos públicos é algo que se situa no raio de incidência do princípio da moralidade administrativa (art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual), base que une a legislação reacionária ao nepotismo e de adoção da “ficha limpa” no provimento de cargos públicos comissionados.

16.              Se, como naquela hipótese semelhante, concluiu-se que o princípio da moralidade administrativa era bastante para orientar a criação e a interpretação de norma restritiva, a solução deste caso deveria adotar idênticas premissas, lembrando-se que com razão Diógenes Gasparini não visualizou a proibição do nepotismo nas matérias da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (“Nepotismo político”, in Corrupção, Ética e Moralidade Administrativa, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, pp. 73-98).

17.              Há de se ponderar, nesta quadra, a diferença entre requisitos para o provimento de cargos públicos - matéria situada na iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (STF, ADI 2.873-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 20-09-2007, m.v., DJe 09-11-2007, RTJ 203/89) - e condições para o provimento de cargos públicos - que não se insere na aludida reserva, e está no domínio da iniciativa legislativa comum ou concorrente entre Poder Legislativo e Poder Executivo – porque não se refere ao acesso ao cargo público, mas à aptidão para o seu exercício.

18.              A alegação de violação ao princípio da separação de poderes, portanto, só por isso, não mereceria guarida.

19              Registre-se, todavia, que a emenda à lei orgânica impugnada, conforme demonstra a cópia do processo legislativo anexada pelo Presidente da Câmara Municipal, foi, diferentemente do alegado pelo autor da presente ação, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, o que torna deveras descabida a alegação de violação ao princípio da separação dos poderes.

20.              Posto isso, opino pela improcedência da ação.

 

São Paulo, 4 de julho de 2014.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico em Exercício

 

mao