Parecer
Processo n. 2071090-49.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de José Bonifácio
Requerida: Câmara Municipal de José Bonifácio
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 3.721, de 11 de abril de 2014, do Município de José Bonifácio. Iniciativa parlamentar. Dispõe sobre a exumação de restos mortais para o reaproveitamento de jazigos do cemitério de José Bonifácio. Serviço Público. Separação de poderes. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1. O contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º, CF/88), razão pela qual é inadmissível seu contraste com a Lei Orgânica do Município, lei federal ou dispositivo da Constituição Federal não reproduzido nem imitado pela Constituição Estadual ou que não seja de observância obrigatória. 2. Viola a separação de poderes lei de iniciativa parlamentar que disciplina serviços administrativos a cargo de órgãos ou entidades da Administração Pública direta ou indireta. 3. Criação de despesa sem indicação de fonte de custeio. 4. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. É ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 3.721, de 11 de abril de 2014, do Município de José Bonifácio, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a exumação de restos mortais para o reaproveitamento de jazigos do cemitério de José Bonifácio e da outras providências.” (fls. 01/18), por alegação de incompatibilidade com os arts. 4°, §§ 1° e 2°, inciso V, 16, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o art. 60 da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, os arts. 5º, 25, 47, II, 144 da Constituição Estadual, o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal.
2. Concedida a liminar às fls. 47/55.
3. A douta Procuradoria-Geral do
Estado absteve-se da defesa da lei (fls. 228/230).
4. As informações foram prestadas
defendendo sua constitucionalidade (fls. 56/223).
5. É o relatório.
6. O contencioso de
constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo
parâmetro a Constituição Estadual ainda que remissiva ou reprodutora da
Constituição Federal (art. 125, § 2º, Constituição Federal), razão pela qual é
inadmissível seu contraste com a Lei Orgânica do Município, lei federal ou
dispositivo da Constituição Federal não reproduzido nem imitado pela
Constituição Estadual ou que não seja de observância obrigatória.
7. É impossível invocar-se como
parâmetro o art. 61, § 1º, II, b, da
Constituição da República, por ser norma específica destinada exclusivamente à
organização administrativa, serviços públicos e matéria tributária e
orçamentária dos Territórios. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal
Federal que:
“(...) a reserva de lei de
iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b,
da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...)” (STF, ADI 2.447-MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009)
8. A lei se destina à disciplina do uso do cemitério público municipal e, por essa razão, a iniciativa parlamentar a tisna de inconstitucionalidade por violação à cláusula da separação de poderes.
9. O serviço funerário é serviço público e sua disciplina, por entender com a atribuição de órgãos e entidades da Administração Pública, demanda ato normativo privativo da alçada do Chefe do Poder Executivo (art. 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual) e, quando muito, exigiria à luz de reserva absoluta ou formal de lei, lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 2, Constituição Estadual).
10. Assim, a lei impugnada, de iniciativa parlamentar, viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada.
11. Neste
sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE
INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO. C.F,
art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II
e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise
a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública:
C.F, art. 61, § 1°, II, e, art.
84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem
respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos
Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a
iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após
a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma
remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de
determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
12. E
como exposto, invade a denominada reserva de Administração, consoante já
decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E
SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração
impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à
exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais
matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos
administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo,
ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação
de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham
sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas
atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada,
subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional
do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e
importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua
atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de
suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
13. Em razão do previsto no § 3° do art. 1° da lei objeto desta ação, há ofensa à regra que condiciona o estabelecimento de nova despesa pública à cobertura financeiro-orçamentária (art. 25 da Constituição Estadual).
14. A Lei n. 3.721, de 11 de abril de 2014, do Município de José Bonifácio, é incompatível com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
15. Face ao exposto, opina-se pela procedência da ação.
São Paulo, 07 de julho de 2014.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico em exercício
wpmj