Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2071137-23.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Santa Isabel

Requerida: Câmara Municipal de Santa Isabel

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 115, de 05 de dezembro de 2007, do Município de Santa Isabel. Irregularidade da representação processual. Diligência alvitrada. Parâmetro do controle de constitucionalidade de lei municipal. Limites de cognição do contencioso de constitucionalidade por via de ação direta. Violação ao princípio da legalidade. Ofensa indireta. Causa de pedir aberta. Fomento econômico. Instituição do Programa de Desenvolvimento Econômico do Município de Santa Isabel – PRODESI. Concessão de benefícios administrativos, financeiros e fiscais. Validade de isenção e suspensão tributária e redução de base de cálculo de impostos e taxas municipais. Ressarcimento de despesas e investimentos de empresas para instalação ou ampliação. Violação dos princípios de moralidade, razoabilidade, igualdade, finalidade, e interesse público. Inobservância da regra da licitação. Requisitos desarrazoados e desigualitários. Vinculação proibida da receita de impostos. Parcial procedência da ação. 1. Pertencendo a legitimidade ativa ad causam ao Chefe do Poder Executivo Municipal é irregular a representação processual baseada em mandato outorgado pelo Município, pessoa jurídica de direito público interno. 2. O controle objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem exclusivo parâmetro na CE/89, inclusive quando reproduza, imite ou remeta a preceito da CF/88 ou se trate de norma de observância obrigatória (art. 125, § 2º, CF/88), não podendo balizá-lo ofensa à norma infraconstitucional como a Lei de Responsabilidade Fiscal. 3. Insuscetível nesta via o conhecimento de violação ao art. 111, CE/89 – que ampara o princípio da legalidade – consistente na ofensa ao art. 14, LRF, por se tratar de ofensa indireta à Constituição. 4. Inerência do conceito de causa de pedir aberta ao contencioso de constitucionalidade. 5. A Lei Complementar n. 115/07 retrata o fomento econômico de atividade privada de interesse público pela instituição do Programa de Desenvolvimento Econômico do Município de Santa Isabel (PRODESI) que se concretiza pela concessão de benefícios administrativos, financeiros e fiscais. 6. Validade de isenção e suspensão tributária e redução de base de cálculo de impostos e taxas municipais, à míngua de demonstração de pessoalidade ou irrazoabilidade. 7. O ressarcimento de despesas e investimentos relacionados à instalação ou ampliação de empresas (incisos I a V e §§ 1º a 4º do art. 2º, os §§ 1º a 4º e 6º do art. 3º, e os arts. 5º, 10 e 11) viola os princípios de moralidade, razoabilidade, igualdade, finalidade, e interesse público, ofendendo a regra da licitação e a competência normativa federal sobre contratações públicas quando autoriza devolução de importâncias pagas pelo particular na execução de obras e serviços públicos necessários ao estabelecimento (arts. 111, 117 e 144, CE/89). 8. Exigência de requisitos desarrazoados, tendentes à dispensa de tratamento mais favorável (§ 4º, do art. 2º, do § 1º do art. 3º e dos incisos III e VIII do art. 4º), para concessão dos benefícios fiscais, financeiros e administrativos (arts. 111 e 163, II, CE/89). 9. Cobertura do ressarcimento de despesas e investimentos privados (arts. 7º, 8º e 12) mediante vinculação de receita de impostos próprios ou a cuja parcela tem direito o Município que é incompatível com o princípio da não afetação de receita de imposto a despesa (art. 176, IV, CE/89), além fórmula normativa (art. 12) que caracteriza ofensa à impessoalidade e igualdade por permeável a dispensa de tratamento orientado por critérios subjetivos, ocultos e pessoais, ao permitir juízos subjetivos antagônicos (arts. 111 e 163, II, CE/89). 10. Inconstitucionalidade dos incisos I a V e §§ 1º a 4º do art. 2º, dos §§ 1º a 4º e 6º do art. 3º, dos incisos III e VIII do art. 4º, dos arts. 5º, 7º, 8º, 10, 11 e 12, da Lei Complementar n. 115/07. 11. Parcial procedência da ação.

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Santa Isabel em face da Lei Complementar n. 115, de 05 de dezembro de 2007, do Município de Santa Isabel, que institui o Programa de Desenvolvimento Econômico do Município de Santa Isabel – PRODESI, por incompatibilidade com os arts. 111, 144, 163, II e 176, IV, da Constituição Estadual e os arts. 150, II e 167, IV, da Constituição Federal, bem como o art. 14 da Lei Complementar n. 101/00 (fls. 01/16).

2.                A liminar foi indeferida (fls. 121/123), e o douto Procurador-Geral do Estado de São Paulo declinou da defesa do ato normativo contestado (fls. 131/134).

3.                O Presidente da Câmara Municipal de Santa Isabel sustenta que não há qualquer inconstitucionalidade que macule a existência da lei em discussão (fls. 138/141).

4.                É o relatório.

5.                Observo inicialmente que padece de irregularidade a representação processual do autor. O Prefeito Municipal de Santa Isabel que não subscreve a petição inicial é representado por doutos advogados, porém, os respectivos mandatos anexados foram outorgados pela pessoa jurídica Município de Santa Isabel que não é legitimada ativa ad causam (fl. 17).

6.                No contencioso de constitucionalidade a legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

7.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

8.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado que não porte mandato com finalidade específica.

9.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

10.              Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

11.              O colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça tem secundado a orientação dispensada pelo Supremo Tribunal Federal:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (TJSP, ADI 0030396-43.2012.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, v.u., 17-10-2012).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.664/2011 do Município de Mauá. Ação ajuizada pelo Prefeito Municipal que, entretanto, não subscreveu a petição inicial, nem outorgou procuração com poderes específicos aos subscritores daquela peça processual. Apresentação de procuração outorgada pelo Município no prazo concedido para regularização. Atendimento insuficiente e inadequado, uma vez que a legitimidade para a propositura da ação é do Prefeito (pessoa física), e não do município enquanto pessoa jurídica. Inteligência do art. 90, inciso II, da Constituição Estadual. Precedentes deste C. Órgão Especial. Processo extinto sem resolução do mérito (art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil)” (TJSP, ADI 0131964-05.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Luiz Pires Neto, v.u., 08-05-2013).

“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei n. 4.782, de 29/05/2012, do Município de Mauá – Irregularidade na representação processual do Prefeito Municipal – O Chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial tampouco outorgou procuração aos advogados subscritores – Oportunidade de regularização concedida, sem adequado cumprimento da deliberação judicial – Ação extinta, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV, do CPC” (TJSP, ADI 0200888-68.2012.8.26.0000, Rel. Des. Grava Brazil, v.u., 06-03-2013).

12.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização da representação processual, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

13.              A petição inicial pretende a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 115, de 05 de dezembro de 2007, do Município de Santa Isabel que “institui o Programa de Desenvolvimento Econômico do Município de Santa Isabel – PRODESI, e dá outras providências” (fls. 68/76), sob alegação de incompatibilidade com os arts. 111, 163, II e 176, IV da Constituição do Estado de São Paulo, os arts. 150, II e 167, IV, da Constituição Federal e o art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

14.              É assente o entendimento de que não é possível o exame abstrato de inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça do Estado, a partir de parâmetros de controle contidos na Constituição Federal (ADI 347, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 20-09-2006).

15.              É inadmissível o contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Magna Carta (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

16.              Além disso, tratando-se de processo objetivo, não é possível o exame de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, a partir da existência de conflito entre a lei municipal impugnada e a legislação infraconstitucional (por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal). Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:

“A Constituição da República, em tema de ação direta, qualifica-se como o único instrumento normativo revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o STF. (...). O controle normativo abstrato, para efeito de sua válida instauração, supõe a ocorrência de situação de litigiosidade constitucional que reclama a existência de uma necessária relação de confronto imediato entre o ato estatal de menor positividade jurídica e o texto da CF. Revelar-se-á processualmente inviável a utilização da ação direta, quando a situação de inconstitucionalidade – que sempre deve transparecer imediatamente do conteúdo material do ato normativo impugnado – depender, para efeito de seu reconhecimento, do prévio exame comparativo entre a regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucional, como os atos internacionais – inclusive aqueles celebrados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT” (STF, ADI-MC 1.347-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 05-10-1995, v.u., DJ 01-12-1995).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Ato estatal e conteúdo de norma infraconstitucional. Precedente da Corte. 1. A pretensão de cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outra norma infraconstitucional não enseja ação direta de inconstitucionalidade, na linha de precedentes da Corte. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-ADI 3.790-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, 29-11-2007, v.u., DJe 01-02-2008).

17.              Não procede argumentar violação à Lei Complementar n. 101/2000 porque, como já dito, o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade de lei municipal é a Constituição Estadual, sendo irrelevante para o seu desate o direito infraconstitucional.

18.              Nem se presta a tanto a alegação de agressão ao art. 111 da Constituição Estadual porque o processo legislativo afrontou o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se de ofensa indireta que não habilita o contencioso de constitucionalidade por via de ação direta. Descabido o controle abstrato de constitucionalidade se a alegação de violação ao art. 111 da Constituição Estadual – que sufraga o princípio da legalidade - depende do exame de norma infraconstitucional interposta (Lei de Responsabilidade Fiscal), por caracterizar ofensa indireta à Constituição.

19.              Com efeito, se para se concluir pela ofensa de violação a normas constitucionais torna-se necessária a incursão no patamar normativo infraconstitucional em razão da intermediação de norma desse jaez, desautorizada está a ação direta de inconstitucionalidade por residir a questão em ofensa indireta e reflexa à Constituição. Neste sentido, já se decidiu:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ADI CONTRA LEI PARANAENSE 13.519, DE 8 DE ABRIL DE 2002, QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÃO, CONFORME ESPECIFICA, NOS RÓTULOS DE EMBALAGENS DE CAFÉ COMERCIALIZADO NO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I e VIII, 170, CAPUT, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 174 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. OFENSA INDIRETA. AÇÃOJULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - Não há usurpação de competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual porque o ato normativo impugnado buscou, tão-somente, assegurar a proteção ao consumidor. II - Precedente deste Tribunal (ADI 1.980, Rel. Min. Sydney Sanches) no sentido de que não invade esfera de competência da União, para legislar sobre normas gerais, lei paranaense que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre produtos combustíveis. III - Afronta ao texto constitucional indireta na medida em que se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais, no caso, o Código do Consumidor. IV - Inocorre delegação de poder de fiscalização a particulares quando se verifica que a norma impugnada estabelece que os selos de qualidade serão emitidos por entidades vinculadas à Administração Pública estadual. V - Ação julgada parcialmente procedente apenas no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação” (RTJ 205/1107).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.004, DE 14/04/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 150, § 6º; E 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE CONFLITO DIRETO COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta, sem ocorrência de ofensa direta à Constituição Federal. Hipótese caracterizada nos autos, em que, para aferir a validade da lei alagoana sob enfoque frente aos dispositivos da Constituição Federal, seria necessário o exame do conteúdo da Lei Complementar nº 24/75 e do Convênio 134/97, inexistindo, no caso, conflito direto com o texto constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.122-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 04-05-2000, m.v., DJ 16-06-2000, p. 31).

“Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, da Lei 14.999/06, do Estado do Paraná, que faculta a utilização do limite de importação não esgotado nos critérios da legislação estadual 13.971/02 – a qual dispõe sobre o tratamento tributário, em relação ao ICMS, de estabelecimentos portadores de autorização emitida pela secretaria da fazenda, especificamente para importar mercadorias através da Estação Aduaneira Interior de Maringá. Sustenta o autor, em síntese, a ocorrência de renúncia de receita na hipótese. Daí a alegada afronta ao artigo 163, I, da Constituição Federal (...). Aduz, ainda que ‘o benefício instituído pela Lei
Estadual nº 14.999/2006 implica expressivas perdas na arrecadação, ocasionando dificuldades ao Estado no cumprimento de seus deveres voltados à promoção do bem comum e também aos Municípios, aos quais é repassado o equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor arrecadado como ICMS, de acordo com o disposto pelo artigo 158, IV da Constituição Federal (...). Pretende o autor, em verdade, o cotejo entre o ato estatal impugnado e conteúdo de outra norma infraconstitucional editada pelo Poder Público (art. 14 da LC 101/00): o controle abstrato de normas exige que o ato normativo impugnado seja examinado, exclusivamente, sob a luz do texto constitucional” (STF, ADI 3.790-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11-09-2006, DJ 15-09-2006, p. 67).

“1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Governador do Estado do Paraná para impugnar a validade constitucional da Lei 15.003, de 09 de fevereiro de 2006, do Estado do Paraná, que alterou a disciplina local a respeito do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação ICMS, reduzindo de 18% (dezoito por cento) para 12% (doze por cento) a alíquota do imposto. (...) A tese enunciada pelo requerente é a de que a lei paranaense em questão teria operado renúncia de receita tributária sem obedecer às condições estabelecidas na Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) para operações do tipo, o que acarretaria afronta ao art. 163, I, da Constituição Federal, que reservou a disciplina sobre finanças públicas ao domínio do legislador complementar. (...) 2. O requerente pretende obter declaração de inconstitucionalidade da Lei paranaense 15.003/06 sob o pressuposto de que a sua edição estaria em contravenção com um único padrão de controle, constante do art. 163, I, da Constituição Federal (...). É isso o que se depreende da petição inicial, onde se argumenta que o flagrante desrespeito à LRF detectado no Projeto de Lei nº 337/2005 e a decorrente violação do artigo 163 da Constituição Federal levaram ao veto externado pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado e que embora constitua evidente hipótese de dispensa legal do pagamento de parte do tributo, isto é, renúncia de receita, a Lei Estadual nº 15.003/2006 está à margem do disposto na LC nº 101/2000. Como não há, no conteúdo do art. 163, I, da Constituição Federal, qualquer condicionamento à realização de renúncia fiscal, a verificação de eventual ilegitimidade do ato normativo há de ser aferida, necessariamente, a partir do seu cotejo direto com a Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, a ação direta de inconstitucionalidade não é o meio processual adequado para viabilizar exame de eventual ofensa reflexa à Constituição Federal” (STF, ADI 3.789-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 06-08-2013, DJe 14-08-2013).

20.              Feito esse registro, a ação deve ser julgada procedente à vista dos fundamentos da petição inicial e do conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo (RTJ 200/91) que torna possível o contraste da norma contestada com outros preceitos da Constituição Estadual que não foram suscitados na petição inicial.

21.              A lei local impugnada institui programa de desenvolvimento econômico, cuja finalidade é o fomento da atividade econômica mediante a outorga de benefícios fiscais, financeiros e administrativos às empresas nele inscritas.

22.              E o faz violando os princípios de moralidade, razoabilidade, não afetação, impessoalidade e igualdade, como será demonstrado.

23.              Destaco no ato normativo impugnado os seguintes preceitos:

“Art. 1º. Fica instituído o Programa de Desenvolvimento Econômico de Santa Isabel – PRODESI, com a finalidade de fomentar a atividade econômica, mediante outorga de benefícios de ordem fiscal, financeira e administrativa às unidades empresariais inscritas no referido Programa, na forma desta Lei Complementar.

Art. 2º. O Chefe do Poder Executivo poderá outorgar às unidades empresariais, atuantes no ramo industrial, comercial ou no de prestação de serviços, que se instalarem em áreas incentivadas definidas no Plano Diretor Estratégico do Município, bem como àquelas que já estejam em atividade e pretendam aumentar sua produção, os seguintes benefícios:

I – ressarcimento das despesas e dos investimentos, comprovadamente efetuados, relativos à aquisição de imóvel necessário à implantação de unidade empresarial ou à ampliação daquela já existente no Município;

II – ressarcimento das despesas relativas à execução dos serviços de terraplanagem em imóvel próprio, cedido ou alugado, necessários à implantação de nova unidade empresarial ou à ampliação daquela já existente no Município;

III – ressarcimento dos recursos financeiros investidos nos serviços e obras de natureza pública, assim considerados e aprovados pela Administração Pública Municipal, necessários à implantação de nova unidade empresarial, ou à ampliação daquela já existente no Município, com a finalidade de incrementar sua atividade econômica no Município;

IV – ressarcimento dos recursos financeiros investidos na elaboração dos projetos necessários à implantação da unidade empresarial ou à ampliação de sua unidade no Município;

V – ressarcimento dos recursos financeiros investidos na aquisição de máquinas para processo produtivo, assim considerados, e aprovados pela Comissão Gestora do PRODESI, necessários à implantação de nova unidade empresarial ou à ampliação daquela já existente no Município, com a finalidade de incrementar suas atividades econômicas;

(...)

§ 1º. As unidades empresariais que se instalarem no Município farão jus ao ressarcimento previsto no inciso I, em valores equivalentes a 100% (cem por cento) do valor venal do imóvel.

§ 2º. As unidades empresariais já instaladas em imóvel próprio, no território do Município de Santa Isabel, e que realizarem obras de ampliação de sua área edificada farão jus ao ressarcimento previsto no inciso I em valores equivalentes a 100% (cem por cento) do valor venal do imóvel.

(...)

§ 4º. Os benefícios previstos nesta Lei Complementar somente poderão ser concedidos e estendidos às unidades empresariais atuantes no ramo comercial, desde que estas realizem no território do Município de Santa Isabel, empreendimento com área de edificação superior a 2.000,00 m² (dois mil metros quadrados), a qual esteja vinculada, quando de sua efetiva implantação, para o desenvolvimento de suas atividades, a geração de emprego de mais de 50 (cinquenta) trabalhadores, observada a determinação do inciso III do artigo 4º desta Lei Complementar.

(...)

Art. 3º. Às unidades empresariais que se instalarem no Município, em edificações já existentes, mediante contrato de locação ou arrendamento mercantil, para desenvolver atividades industriais ou de prestação de serviços, serão concedidos os benefícios constantes nos incisos VIII, IX, X, XIII e XIV do art. 1º, desde que atendido o disposto no art. 4º desta Lei Complementar.

§ 1º. Às unidades empresariais que se instalarem no Município em edificação com área superior a 2.000,00 m² (dois mil metros quadrados), desde que utilizem mais de 50 (cinquenta) trabalhadores em suas atividades, incluídas as terceirizadas, em conformidade com o disposto no inciso III do artigo 4º desta Lei Complementar, será concedido, além dos benefícios previstos no ‘caput’, o ressarcimento do valor do aluguel mensal ou de parte dele, pelo período de cinco anos, na forma disposta nos artigos 7º e 8º desta Lei complementar.

§ 2º. Os benefícios previstos no § 1º deste artigo, no que se refere ao ressarcimento do valor do aluguel mensal ou parte dele, serão concedidos na seguinte conformidade:

I – período superior a sessenta meses: ressarcimento de até 40% (quarenta por cento) do valor correspondente ao aumento da arrecadação do Município, calculado na forma disposta nos artigos 7º e 8º desta Lei Complementar;

II - período superior a cento e vinte meses: ressarcimento de até 70% (setenta por cento) do valor correspondente ao aumento da arrecadação do Município, calculado na forma disposta nos artigos 7º e 8º desta Lei Complementar.

(...)

§ 6º. Os benefícios previstos neste artigo, concedidos às unidades empresariais que inicialmente enquadrarem-se na presente, pela locação ou arrendamento mercantil de imóvel, ficam mantidos até que se complete 60 (sessenta) meses de ressarcimento, conforme previsão dos §§ 2º e 3º deste artigo, quando ocorrer à aquisição dos respectivos imóveis por parte da unidade empresarial beneficiária.

Art. 4º. Para se habilitarem aos incentivos previstos nesta Lei Complementar deverão as unidades empresariais interessadas inscreverem-se no Programa ora instituído, obedecendo ao seguinte procedimento:

I – protocolizar requerimento instruído com:

(...)

II – indicar efetivamente as atividades sociais no Município no prazo máximo de:

a) no caso de imóvel próprio, 24 (vinte e quatro) meses, contados da data de aprovação do projeto de construção;

b) no caso de imóvel locado ou arrendado, 6 (seis) meses, contados da data da celebração do contrato.

III – no prazo de 2 (dois) anos do início efetivo das atividades sociais, 60% (sessenta por cento) de mão-de-obra deverá ser composta por trabalhadores residentes no Município de Santa Isabel, prorrogável a critério da Comissão Gestora do PRODESI prevista no artigo 6º, desde que atendido ao previsto no § 1º deste artigo;

(...)

V – comprovar o faturamento no Município de Santa Isabel de toda produção da unidade instada;

(...)

VIII – licenciar toda a sua frota de veículos no Município de Santa Isabel;

(...)

Art. 5º. Para se habilitar ao primeiro benefício fiscal, seja por celebração de contrato de locação ou arrendamento mercantil, seja por ocasião do pedido de aprovação de projeto de construção ou ampliação, a unidade empresarial interessada deverá comprovar sua capacidade jurídica e os investimentos realizados na forma do art. 4º desta Lei Complementar.

Parágrafo único. O valor do ressarcimento mensal, previsto nos artigos 7º e 8º desta Lei Complementar, deverá ser requerido pela unidade empresarial que cumprir com as exigências legais previstas nesta Lei Complementar, anexando a respectiva planilha de cálculo que será conferida pela Secretaria Municipal de Governo e Coordenação e encaminhada à Comissão Gestora do PRODESI, que emitirá parecer conclusivo.

Art. 6º. A análise do requerimento referido no art. 4º desta Lei Complementar será feita pela Comissão Gestora do PRODESI, composta por 5 (cinco) membros, indicados pelo Poder Executivo.

(...)

Art. 7º. O ressarcimento das despesas e dos investimentos, previstos nesta Lei Complementar, será efetuado mediante requerimento da unidade empresarial interessada através de parcelas programadas, a partir do exercício em que o índice do imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) do Município for influenciado pelo valor adicionado declarado pela unidade empresarial, através de Guia de Informação e Apuração de ICMS (GIA) ou documento que venha a substituí-la.

§ 1º. O ressarcimento será mensal e corresponderá a 70% (setenta por cento) do valor das quotas do ICMS, ou do imposto substituto, transferido à Municipalidade em função da participação relativa ao valor adicionado da unidade empresarial na formação do índice do ICMS do Município, excluídos do total recebido os valores referentes às aplicações obrigatórias na educação e na saúde, de acordo com as disposições constitucionais incidentes à espécie.

§ 2º. O ressarcimento fica limitado ao valor total das despesas e dos investimentos efetivamente realizados e comprovados, devendo ser corrigidos anualmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou por seu substituto.

§ 3º. O ressarcimento das despesas e dos investimentos efetivamente realizados e comprovados de unidade empresarial já instalada no Município, que amplie sua área construída, será feito mensalmente, de modo proporcional ao aumento real de seu valor adicionado, calculado da seguinte forma: VAA = VA atual – VA base (1 + i), sendo que:

I – VAA significa Valor Adicionado Acrescido em função da ampliação da unidade empresarial;

II – VA atual significa Valor Adicionado do primeiro ano de funcionamento, após a ampliação das instalações da unidade empresarial;

III – VA base significa Valor Adicionado do ano em que foi concluída a ampliação da unidade empresarial; e

IV – i significa taxa de crescimento do Valor Adicionado do Estado de São Paulo, no período compreendido entre o ano base e o atual.

Art. 8º. No caso de unidades empresariais prestadoras de serviços tributadas pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), o ressarcimento das despesas e dos investimentos será feito mensalmente, a partir do exercício subsequente ao do início da atividade e corresponderá a 70% (setenta por cento) do valor devido e (efetivamente recolhido) do tributo.

§ 1º. No caso de ampliação de unidade empresarial prestadora de serviços, o benefício fiscal incidirá sobre o valor acrescido do tributo, deduzido o valor médio dos últimos 12 (doze) meses, atualizados monetariamente pela variação do IPCA/IBGE.

§ 2º. A critério do Poder Executivo o benefício poderá ser concedido através de desconto na respectiva guia de recolhimento do tributo.

§ 3º. O ressarcimento fica limitado ao valor total das despesas e dos investimentos efetivamente realizados e comprovados, devendo ser corrigidos anualmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou por seu substituto.

(...)

Art. 10. As unidades empresariais já possuidoras de imóvel no Município, que queiram desenvolver atividades econômicas, poderão gozar dos benefícios ora instituídos, desde que cumpram todas as exigências contidas nesta Lei Complementar.

§ 1º. As unidades empresariais já instaladas no território do Município de Santa Isabel e que possuam ou adquiram área de terra para edificação de nova unidade visando ampliação de suas atividades, inclusive com diversificação de sua produção existente, por saturação da unidade atual ou por impedimento motivado pela Lei Complementar de Zoneamento e Ocupação do Solo, farão jus aos benefícios previstos no artigo 2º desta Lei Complementar.

§ 2º. O ressarcimento previsto no parágrafo anterior será calculado de acordo com o estabelecido no § 3º do artigo 7º e § 1º do artigo 8º desta Lei Complementar.

Art. 11. As unidades empresariais que adquirirem imóveis com edificações já prontas e que passarem a desenvolver atividades no Território do Município, poderão gozar dos benefícios previstos no artigo 2º, desde que cumpram todas as exigências contidas na presente Lei Complementar, e, desde que comprovem não se tratar de simples mudança de razão social, ou de proprietário, no caso de unidade empresarial que já funcionasse no Município de Santa Isabel.

§ 1º. As unidades empresariais tratadas neste artigo farão jus ao ressarcimento do valor venal do terreno correspondente a duas vezes a área construída.

§ 2º. As unidades empresariais já instaladas no território do Município, e que venham a adquirir imóveis edificados, visando ampliar suas atividades, farão, obedecidas às exigências da presente Lei Complementar, jus aos benefícios descritos no ‘caput’ deste artigo, independentemente da área ocupada anteriormente, calculando o seu ressarcimento em conformidade com o estabelecido no § 3º do artigo 7º e § 1º do artigo 8º desta Lei Complementar.

Art. 12. As unidades empresariais que investirem na modernização do seu processo produtivo e/ou diversificação da produção, tornando-o mais eficiente e que (demonstrarem) experimentarem aumento no seu valor adicionado de, no mínimo, 20% (vinte por cento) superior à média estadual, farão jus a desconto no valor do seu Imposto Predial e Territorial sobre Terrenos Urbanos, na importância equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor acrescido nas transferências de ICMS para o Município de Santa Isabel, ocorrido em função desse aumento de produção”(fls. 68/76 - sic).

24.              Embora o requerente pretenda a declaração de inconstitucionalidade da íntegra da lei local impugnada, não é possível essa extensão.

25.              Em primeiro lugar, a causa petendi se é forte no tocante à violação do princípio da não afetação de imposto, no tocante à “isenção de pagamento de IPTU, dentre outros inúmeros benefícios tributários em patente renúncia de receita”, como alega (fl. 07), não pode ser conhecida na medida em que se resume em violação indireta da Constituição, consoante acima exposto.

26.              Em segundo lugar, e ainda que tenha referido que a lei “fere violentamente os princípios que regem a Administração, e explicitados pelo art. 111, da Constituição do Estado de São Paulo” (fl. 07), assim como assinale ofensa ao princípio da isonomia (fls. 04/05 e 07), a petição inicial não demonstrou, como de era de rigor, o conteúdo da incompatibilidade vertical da lei com os parâmetros constitucionais invocados.

27.              Certo é, como também acima explorado, que o juízo abstrato de constitucionalidade por via de ação direta, é, no que tange à fundamentação, aberto, mas, isso não significa que o órgão julgador pronuncie a inconstitucionalidade integral da lei se ela contém parcela independente e autônoma em relação ao vício que se aponta.

28.              Firme nessas premissas obtempero, inicialmente, que não se verifica a priori inconstitucionalidade em benefícios tributários como isenção ou suspensão de exigibilidade de impostos e taxas municipais ou redução de sua base de cálculo, tal como previsto nos incisos VI a X, XII a XIV do art. 2º da Lei Complementar n. 115/07, nem no fomento através de assessoramento contido no inciso XI do art. 2º desse diploma legal, e as demais disposições que a eles se conectam diretamente.

29.              A outorga de benefícios tributários para fomento de atividade privada de interesse público não é, de per se, inconstitucional. Havendo finalidade pública em sua instituição para o desenvolvimento de política econômica, e pautando-se por mecanismos razoáveis, não se constata, à míngua de elementos outros, violação aos princípios de igualdade, razoabilidade, interesse público etc. pela atração ao particular que, voluntariamente, adere a específico programa.

30.              Em sentido inverso, há na Lei Complementar n. 115/07 outra sorte de benefícios que, todavia, são inconstitucionais, como os dos incisos I a V e dos §§ 1º a 4º do art. 2º, dos §§ 1º a 4º e 6º do art. 3º, dos incisos III e VIII do art. 4º, dos arts. 5º, 7º, 8º, 10, 11 e 12.

31.              Chamo a atenção para a evidência da ausência de moralidade, razoabilidade, finalidade, interesse público – princípios contidos no art. 111 da Constituição Estadual – no ressarcimento de despesas e investimentos relativos à aquisição ou ampliação de imóveis, execução de serviços de terraplanagem e de serviços e obras de natureza pública, elaboração de projetos, e aquisição de máquinas (incisos I a V e §§ 1º a 4º do art. 2º), e de aluguel (§§ 1º a 4º e 6º do art. 3º), e nos preceitos respectivos (arts. 5º, 10 e 11), e, ainda, nos requisitos constantes dos incisos III e VIII do art. 4º. Além disso, nota-se a incompatibilidade do ressarcimento com recursos públicos oriundos da arrecadação de impostos (arts. 7º, 8º e 12) à vista do art. 176, IV, da Constituição Paulista.

32.              Trata-se da concessão de benefícios administrativos incompatível com o art. 111 da Constituição Paulista.

33.              Realmente, não se afina com essa pauta o ressarcimento de despesas do particular para estabelecimento, desenvolvimento ou incremento de sua atividade privada, com intuito lucrativo, mormente porque o Município, como historiado, já os contemplou com incentivos fiscais. O erário não pode ser convolado em fonte de subvenção da liberdade de iniciativa econômica, ainda que entremeie a inspiração do programa o mero interesse público secundário consistente no aumento de arrecadação tributária associado à predisposição de superação de desigualdades sociais e econômicas. Configura-se, aí, o uso e a apropriação de recursos públicos para ressarcimento de despesas – de interesse meramente privado – das unidades empresariais. Os recursos públicos devem financiar atividades públicas, de interesse coletivo direto e imediato, sem dispensar tratamento mais favorável à míngua de razoabilidade na discriminação ou direcionar dinheiros públicos para fins privados. Destarte, são inconstitucionais os incisos I a V e §§ 1º a 4º do art. 2º, os §§ 1º a 4º e 6º do art. 3º, e os arts. 5º, 10 e 11.

34.              Em oportuna síntese, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 94). No caso em exame salta aos olhos a violação ao princípio da moralidade administrativa, pois, o poder público custeia despesas privadas de unidades empresariais.

35.              Há mais. O art. 2º, III, ao permitir o “ressarcimento dos recursos financeiros investidos nos serviços e obras de natureza pública” cria exceção à regra da licitação prestigiada no art. 117 da Constituição Estadual ao possibilitar a realização de serviço ou obra de natureza pública, suprime o procedimento licitatório respectivo, o que significa afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo (arts. 22, XXVII, 37, XXI, e 175, Constituição Federal), patenteando ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da Constituição Estadual.

36.              No caso, a lei simplesmente autoriza o ressarcimento de despesas com obras e serviços públicos, assumidas pelo particular, para viabilização do empreendimento. Ora, exceções à licitação (inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição) constituem matéria da essência das normas gerais de licitações e contratações públicas, não sendo lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para além das prescrições contidas em lei federal. Neste sentido:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).

“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).

“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).

37.              Ademais, há requisitos para fruição dos benefícios inclusive os de natureza tributária – como os do § 4º do art. 2º, do § 1º do art. 3º e dos incisos III e VIII do art. 4º – que são notoriamente agressivos à igualdade e à razoabilidade.

38.              A exigência de certa área edificada e de determinada quantidade de empregos gerada (arts. 2º, § 4º, e 3º, § 1º) não se apresenta como hábil elemento diferencial se há inclinação pelo aumento da arrecadação tributária e da capacidade econômica sediada no Município, pois, empresas que não se situem nesses parâmetros têm a potencialidade de alcance de resultados iguais ou superiores.

39.              Agrava-se a situação quando se exige percentual de mão-de-obra residente no Município e o licenciamento da frota de veículos igualmente na comuna (art. 4º, III e VIII), critérios discriminantes desarrazoados que, criam preferências em razão do domicílio – o que é vedado (art. 19, III, Constituição de 1988) – e cuja relação de pertinência com a finalidade perseguida pelo programa é inexistente, supérflua e onerosa, e alija outros que não preencham tais condições.

40.              É visível a afronta à razoabilidade. A jurisprudência é fértil na aplicação do princípio, salientando o Supremo Tribunal Federal que “cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam” (RTJ 204/385). A Suprema Corte censura a irrazoabilidade das normas, limitando o poder de legislar ao enunciar que:

“(...) O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador” (STF, ADI-MC 1.407-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-03-1996, DJ 24-11-2000, m.v., p. 86).

41.              Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins, tendo importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua aplicação (Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).

42.              Gilmar Ferreira Mendes examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade, anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83).

43.              Não bastasse, o ressarcimento previsto é abastecido com frações ou percentuais resultantes da arrecadação de impostos (arts. 7º, 8º e 12), o que contraria o art. 176, IV, da Constituição Paulista.

44.              O preceito constitucional estadual agasalha o princípio da não afetação, consistente na impossibilidade de vinculação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, com exceção de algumas hipóteses previstas na norma constitucional.

45.              O princípio da não afetação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, denota a característica não vinculada dessa espécie tributária (Kiyoshi Harada. Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Atlas, 1998, 4ª ed., p. 74) e significa que “não pode haver mutilação das verbas públicas. O Estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-o a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais” (Régis Fernandes de Oliveira. Curso de Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 328).

46.              O princípio da não afetação se justifica “na medida em reserva ao orçamento e à própria Administração, em sua atividade discricionária na execução da despesa pública, espaço para determinar os gastos com os investimentos e as políticas sociais” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 275), pois, “em virtude da generalidade e da impessoalidade que haverão de presidir a elaboração e a execução do orçamento, em obséquio, inclusive, ao postulado de igualdade, que não poderia tolerar privilégios na destinação dos recursos públicos, que pertencem a toda a coletividade e não a um grupo de suseranos” (Eduardo Marcial Ferreira Jardim. Manual de Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Saraiva, 1994, 2ª ed., p. 25).

47.              Como esclarece a literatura especializada, na atividade financeira a Administração Pública deve ter a prerrogativa de estabelecimento de metas e prioridades e os recursos oriundos dos impostos se destinam, via de regra, ao atendimento das necessidades gerais, e o princípio tende a evitar leis que, vinculando receita proveniente de impostos, prejudiquem o custeio de despesas genéricas pelo orçamento (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., p. 348; Pinto Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1994, vol. VI, p. 115), assegurando “que os recursos sejam livres e à disposição para a realização de obras e serviços, em conformidade com as necessidades existentes e em obediência à escala de prioridades estabelecida a partir de análise rigorosa da situação existente” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 697).

48.              A vedação constitucional é prestigiada na jurisprudência para neutralização da destinação de imposto para financiamento de programa habitacional (RTJ 167/287), programas de desenvolvimento econômico (STF, ADI 1.759-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-04-2010, v.u., DJe 20-08-2010), incentivo aos esportes (RTJ 202/68) e fornecimento gratuito de energia elétrica (STF, ADI-MC 2.848-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 03-04-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26), proclamando-se a inadmissibilidade de extensão das exceções constitucionalmente previstas ao princípio da não afetação.

49.              Trata-se de princípio constitucional de obediência obrigatória não só pela União, mas, também, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios (STF, ADI 103-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 03-08-1995, v.u., DJ 08-09-1995, p. 28.353), atuando como princípio sensível e norma de reprodução obrigatória pelos Estados e Municípios.

50.              Portanto, o princípio da não afetação é acima de tudo uma interdição dirigida à lei, ao processo legislativo e ao legislador, pois, como destacado pelo Ministro Celso de Mello, “traduz vedação constitucional que incide sobre o legislador, pois impede que se proceda, em sede meramente legislativa, à vinculação”, que “há de ser observada pelo legislador comum, que não poderá fixar regras em sentido diverso, ressalvadas, unicamente, as situações excepcionais previstas, de modo expresso, no texto da própria Constituição da República” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, m.v., DJe 29-06-2007).

51.              Cuida-se, também, de norma de direito financeiro e não de direito tributário (STF, AgR-RE 329.196-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 17-09-2002, v.u., DJ 11-10-2002, p. 42).

52.              As exceções ao princípio estão topicamente enumeradas no art. 167, IV, e § 4º, da Constituição Federal, concorrem outras expressamente indicadas na Constituição Federal (arts. 100, § 15, 204, parágrafo único, 216, § 6º, 218, § 5º) e no Ato das Disposições Transitórias (arts. 71, 72, 79, 80, 82). O art. 176, IV, da Constituição Estadual, reproduz o art. 167, IV, da Constituição Federal.

53.              A não afetação é a regra e a vinculação a exceção; dessa sentença decorre a inadmissibilidade da ampliação das exceções pelas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais ou leis (STF, ADI 1.689-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 12-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25), porque a sua enumeração é taxativa e sua sede é a Constituição Federal; ademais, essas exceções configuraram direito estrito, merecendo interpretação restritiva que refuta ampliações de seu alcance e de seu sentido.

54.              O princípio da não afetação não diz respeito somente aos tributos próprios, como os do Município – em especial, os referidos na lei impugnada (ISS, ITBI, IPTU). O § 4º do artigo 167, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 03, de 17 de março de 1993, arrola expressamente outras exceções permissivas da vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos estaduais e municipais (artigos 155 e 156, Constituição Federal) e dos recursos da repartição das receitas tributárias (artigos 157, 158 e 159, I, a e b, e II), para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com a União. O § 4º do art. 167 da Constituição Federal cunha como exceção – merecedora de interpretação restritiva – a vinculação dos recursos decorrentes de transferências tributárias somente quando destinadas à prestação de garantia ou contragarantia à União para pagamentos de débitos com ela.

55.              Sem obliterar a finalidade do princípio, o art. 176, IV, da Constituição Estadual, reproduzindo o art. 167, IV, da Constituição Federal, enuncia que a afetação vedada é da “receita de impostos”, e não “de impostos”, de maneira a frasear que o dispositivo compreende não somente a proibição da “vinculação de receita de impostos” como também a de “vinculação de impostos”, denotando o primeiro significado maior amplitude porque abarca receitas de impostos próprios ou não, como as decorrentes de transferências tributárias.

56.              Não se pode perder de vista que se é verdade que uma das exceções a não afetação é endereçada ao ente tributante na repartição do produto da arrecadação dos impostos (transferências públicas governamentais), a interpretação constitucional revela que para a entidade dotada de competência tributária a destinação de parcela da receita oriunda de seus impostos é vinculada às entidades políticas beneficiadas com a participação na arrecadação, e não que a titularidade ou o ingresso da receita daí partilhada na entidade beneficiada possa ser por ela vinculada, salvo aquela oriunda dos arts. 198, § 2º, e 212, da Constituição Federal e para os fins ali indicados. 

57.              Ademais, ressalta a adequada exegese constitucional que em se tratando de receita resultante da arrecadação e participação de imposto estadual (como o ICMS, por exemplo) a sua afetação (ou vinculação) só é admitida nas hipóteses constitucionalmente previstas (e não para garantir desconto no IPTU de unidades empresariais, como no caso dos autos).

58.              Para o efeito do alcance do princípio da não afetação é irrelevante se a receita é oriunda de imposto de competência própria ou alheia (isto é, resultante da participação). Como dito, a fórmula constitucional expressiva da regra da não afetação não menciona “vinculação de impostos”, mas, e com maior dimensão, “vinculação da receita de impostos”, o que abrange, destarte, a arrecadação tributária própria ou partilhada.

59.              De fato, o dado relevante é a consideração do ingresso decorrente da participação no produto de impostos de outro ente tributante (transferência corrente) é como receita pública derivada de natureza tributária, pois, obtida a partir de obrigação legal que grava o patrimônio particular e transfere suas riquezas ao Estado – perfeitamente amoldada ao conceito de tributo constante do art. 3º do Código Tributário Nacional. Como salientado em julgamento do Supremo Tribunal Federal, é “irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da entrada da receita nos cofres públicos” (RTJ 202/68).

60.              A vantagem prevista é um benefício ou incentivo financeiro. É como se o erário municipal recebesse parcela da arrecadação de imposto alheio (ICMS) e concedesse um percentual ao particular (desconto no IPTU), gerando uma espécie de dispêndio público, pois, o benefício é egresso do erário municipal.

61.              Consoante elucida a literatura especializada, a partir da arrecadação, “quando o dinheiro entra nos cofres públicos, ele fica sujeito às regras do Direito Financeiro” (Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1992, 2ª ed., p. 136), o que compreende as regras da repartição de receitas tributárias. Neste sentido, acentua a doutrina:

“Os privilégios tributários, que operam na vertente da receita, estão em simetria e podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar a despesa pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A verdade é que a receita e a despesa são entes de relação, existindo cada qual em função do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se a receita, pela isenção ou dedução, como aumentar-se a despesa, pela restituição ou subvenção, que a mesma conseqüência financeira será obtida” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 259).

62.              O benefício financeiro em foco pode ser encarado, para o Município, como desconto de tributo a título de incentivo, não se apresentando, a rigor, como incentivo tributário ou fiscal, mas um incentivo financeiro. A importância “descontada” não é tributo em si, categoria exclusiva da receita, mas uma prestação de direito público idêntica a qualquer outra obrigação do Estado.

63.              No caso dos autos, o ressarcimento das despesas e investimentos privados é promovido através de recursos gerados pela arrecadação do ICMS que pertencem ao Município (art. 7º), assim do ISS (art. 8º) e, ainda, com desconto do IPTU lastreado nas receitas do ICMS que lhe cabe (art. 12). Trata-se, portanto, de vinculação proibida da receita de imposto a uma despesa, em flagrante inconstitucionalidade ao ordenamento constitucional. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:

“LEI ESTADUAL QUE DETERMINA QUE OS MUNICÍPIOS DEVERÃO APLICAR, DIRETAMENTE, NAS ÁREAS INDÍGENAS LOCALIZADAS EM SEUS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS, PARCELA (50%) DO ICMS A ELES DISTRIBUÍDA - TRANSGRESSÃO À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA NÃO-AFETAÇÃO DA RECEITA ORIUNDA DE IMPOSTOS (CF, ART. 167, IV) E AO POSTULADO DA AUTONOMIA MUNICIPAL (CF, ART. 30, III) - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPEDE, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, A VINCULAÇÃO, A ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA, DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS - INVIABILIDADE DE O ESTADO-MEMBRO IMPOR, AO MUNICÍPIO, A DESTINAÇÃO DE RECURSOS E RENDAS QUE A ESTE PERTENCEM POR DIREITO PRÓPRIO - INGERÊNCIA ESTADUAL INDEVIDA EM TEMA DE EXCLUSIVO INTERESSE DO MUNICÍPIO - DOUTRINA - PRECEDENTES - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CONFIGURAÇÃO DO ‘PERICULUM IN MORA’ - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, m.v., DJe 28-06-2007).

64.              Nesse julgamento ficou assentado que:

“O exame do diploma legislativo estadual em causa parece evidenciar que a hipótese de afetação da receita oriunda da arrecadação de imposto (ICMS), nele prevista, não se subsume ao rol taxativo, que, em numerus clausus, encontra fundamento no art. 167, IV, da Constituição da República, expondo-se, em conseqüência, tal vinculação – porque instituída com inobservância do modelo federal – à censura do próprio magistério jurisprudencial firmado, no tema, pelo Supremo Tribunal Federal, quer sob a égide da Carta Política anterior (RTJ 120/997, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 127/56, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RE 100.435-SP, Rel. Min. SOARES MUÑOZ), quer em face da vigente Lei Fundamental (RDA 185/148, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RDA 192/174, Rel. Min. CARLOS VELLOSO)”.

65.              Em outro precedente, a Corte Suprema reforça a tese:

“(...) Com efeito, revela-se inexigível a majoração de um ponto percentual (de 17% para 18%), instituída pelas Leis paulistas nºs 6.556/89 e 7.003/90, que destinaram, o produto da arrecadação resultante dessa elevação tributária (ICMS), ao financiamento de programas habitacionais desenvolvidos e executados pelo Estado de São Paulo. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 183.906/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – e tendo em vista o princípio constitucional da não afetação da receita (RTJ 167/287) de impostos – proclamou a inconstitucionalidade dessa vinculação legal: “Imposto – Vinculação a órgão, fundo ou despesa (CF, art. 167, IV). A teor do disposto no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, é vedado vincular receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. A regra apanha situação concreta em que lei local implicou majoração do ICMS, destinando-se o percentual acrescido a um certo propósito – aumento de capital de caixa econômica, para financiamento de programa habitacional. Inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 6.556, de 30 de novembro de 1989, do Estado de São Paulo.” Sob tal aspecto, a decisão proferida pelo Tribunal de origem ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada por esta suprema Corte, na análise do tema ora em exame. (...)” (AI 489625/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/03/2004 PP-00045).

66.              E em hipótese similar, este egrégio Órgão Especial assim decidiu:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCENTIVOS FISCAIS PARA EMPRESAS QUE SE ESTABELECEREM NO MUNICÍPIO. DEVOLUÇÃO DE PARCELA DO ICMS REPASSADO À ENTIDADE FEDERATIVA LOCAL. AFETAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTOS A DESPESA PÚBLICA. VULNERAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 176, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.

A vinculação de parcela do ICMS repassado pelo Estado ao Município gera situação incompatível com o princípio da isonomia e transfere para o ambiente municipal a nefasta consequência do fenômeno conhecido como guerra fiscal já existente no Brasil entre vários dos Estados da Federação” (TJSP, ADI 0427921-20.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 03-02-2011).

67.              Mas não é só. A fórmula normativa “unidades empresariais que investirem na modernização do seu processo produtivo e/ou diversificação da produção, tornando-o mais eficiente” (art. 12) fornece ampla margem de discricionariedade para concessão do benefício do art. 12, permitindo juízos subjetivos, o que esbarra nos preceitos que amparam o princípio da impessoalidade (art. 111) e o princípio especial da isonomia tributária (art. 163, II), reproduzindo as normas dos arts. 37 e 150, II, da Constituição Federal.

68.              Em maior ou menor escala, tais princípios manifestam a noção – basilar ao regime republicano – de igualdade, vedando a outorga de tratamentos discriminatórios desarrazoados. É inadmissível a dispensa, na lei ou na sua execução, de tratamento desigualitário entre pessoas, e, em especial, contribuintes, “que se encontrem em situação equivalente”. A vedação de ofensa à isonomia implica duas espécies de proibições: privilégios odiosos e discriminação fiscal. E abrange qualquer instrumento fiscal, tanto na receita, quanto na despesa, de forma negativa ou positiva, como incentivos, subvenções, subsídios e restituições de tributos (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, pp. 167-168).

69.              Não se predispõe à afirmação de que a criação do benefício tributário previsto na lei local seja, de per se, violador da isonomia. O que se evidencia, claramente, do texto legal é a abertura de potente válvula a tratamentos discriminatórios em seu art. 12. É justamente nessa fórmula normativa que se radica a ofensa à igualdade, na medida em que a regra é permeável a dispensa de tratamento orientado por critérios subjetivos, ocultos e pessoais.

70.              Totalmente pertinente a invocação do magistério a admoestar que a restituição de tributo “por beneficiar o contribuinte, enquadra-se na proibição do art. 150, II, da CF 88, quando odiosa” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 268).

71.              Destarte, proporcionando a regra jurídica enfocada tratamento desigual entre contribuintes com idêntica, similar ou equivalente situação jurídica, implica ofensa ao conteúdo jurídico da igualdade prestigiada nos arts. 111 e 163, II, da Constituição Estadual.

72.              Face ao exposto, opino preliminarmente, pela intimação do autor para regularização da representação processual, no prazo legal, sob pena de indeferimento, e no mérito, pela parcial procedência da ação para declaração da inconstitucionalidade dos incisos I a V e §§ 1º a 4º do art. 2º, dos §§ 1º a 4º e 6º do art. 3º, dos incisos III e VIII do art. 4º, dos arts. 5º, 7º, 8º, 10, 11 e 12, da Lei Complementar n. 115, de 05 de dezembro de 2007, do Município de Santa Isabel, por ofensa aos arts. 111, 117, 144, 163, II, e 176, IV, da Constituição Estadual.

               

São Paulo, 04 de agosto de 2014.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

wpmj/dcm