Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 2072114-15.2014.8.26.0000

Requerente: Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TELCOMP)

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.814, de 05 de julho de 2010, com as alterações promovidas pela Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013, e, do Município de Piracicaba que “estabelece normas e procedimentos para a instalação de torres de transmissão de telefonia celular e de outras fontes emissoras no Município de Piracicaba”.  

2)      Usurpação da competência legislativa privativa da União (art. 22, IV, da CF), com violação do princípio federativo (CE, art. 1º). Não é o Município competente para disciplina da instalação de estação de rádio-base, torres e equipamentos afins de telefonia celular e de televisão (arts. 21, XI, e 22, IV, Constituição Federal).

3)      Normas da legislação municipal que, a pretexto de estabelecer a proteção ao meio ambiente e à saúde pública, bem como regular o uso e ocupação do solo urbano, estabelecem critérios de instalação, manutenção, operação e fiscalização das antenas de telecomunicações (Estações Rádio-Base – ERBs) que ostentam, manifestamente, aptidão para interferir, do ponto de vista técnico, no desempenho do serviço prestado pelas operadoras de telefonia.

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TELCOMP) tendo por objeto a Lei 6.814, de 05 de julho de 2010, com as alterações promovidas pela Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013, do Município de Piracicaba, que “estabelece normas e procedimentos para a instalação de torres de transmissão de telefonia celular e de outras fontes emissoras no Município de Piracicaba”. 

Sustenta a autora que os atos normativos impugnados são inconstitucionais por usurpação legislativa da União, que no uso de sua competência privativa de legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão (CF, art. 22, IV), editou a Lei nº 9.472/97, disciplinando a matéria e conferindo a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), atribuição para organizar a exploração dos serviços de telecomunicações, bem como a Lei nº 11.934/09 que dispõe sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos. Afirma existência de erros conceituais e vícios materiais geradores de reflexos negativos que inviabilizam a prestação de serviço de telecomunicação e necessidade de observância aos parâmetros e critérios técnicos definidos pela ANATEL. Daí a alegação de violação do art. 144 da Constituição Estadual.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 320/321). Em face desta decisão foram opostos embargos de declaração pela omissão em relação ao pedido alternativo (fls. 367/369).

Os embargos foram acolhidos sendo deferida a liminar para a suspensão da eficácia da Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013 (fls. 371/373). Contra tal decisão, o Município de Piracicaba interpôs agravo regimental (fls. 379/383), ao qual foi negado provimento (fls. 389/393).

Citado regularmente (fl. 338), o Procurador-Geral do Estado declinou de defender o ato normativo impugnado, consignando tratar de interesse exclusivamente local (fls. 334/336).

Notificado (fl. 365), o Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba apresentou informações defendendo a validade dos atos normativos impugnados afirmando que os dispositivos impugnados não interferem em matéria de telecomunicações, constituindo, na verdade, regra de proteção à saúde da população e ao meio ambiente, sem conflito com normas de legislação federal, conforme já decidido na ADI nº 0128923-93.2013.8.26.0000, pelo Órgão Especial da Corte Paulista de Justiça, em 23/04/2014, que reconheceu pertinência temática do Município para editar atos normativos sobre a matéria (fls. 341/350).

O Prefeito Municipal foi notificado à fl. 363, apresentando informações às fls. 353/359 em defesa dos atos normativos impugnados.

É a síntese do que consta dos autos.

Procede parcialmente o pedido.

A Lei nº 6.814, de 05 de julho de 2010, do Município de Piracicaba, estabelece normas e procedimentos para a instalação de torres de transmissão de telefonia celular e de outras fontes emissoras no Município de Piracicaba, revoga a Lei nº 5.608/05 e dá outras providências.

A Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013, do Município de Piracicaba, por sua vez, promoveu alteração da redação do art. 25 da Lei nº 6.814/2010, incluindo o inciso V, vedando a instalação de sistemas de transmissores ou receptores em áreas localizadas até 100 (cem) metros de residências, hospitais, clínicas, escolas, creches e asilos.

A Lei nº 6.814/2010 estabelece que se aplicam os limites previstos na Lei Federal nº 11.934/09 (art. 1º); reproduz conceitos da Lei nº 6.814/2010 (art. 3º); adota os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde - OMS para a exposição ocupacional da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados pelas Estações Rádio Base e pelos sistemas de energia elétrica que operam na faixa de até 300 Ghz (art. 4º); estabelece o controle ambiental e as atribuições nesta área da Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente (arts. 6º, 7º e 30); estabelece regras para o licenciamento no que se refere à emissão de ondas eletromagnéticas (arts. 8º, 9º e 10º); determina a priorização do compartilhamento de infraestruturas (art. 11); cuida dos afastamentos mínimos (art. 12); disciplina normas relativas aos padrões urbanísticos, de segurança e identificação  das antenas (arts. 13, 14, 15, 16, 21, 31, 32, 33); dispõe sobre o procedimento administrativo do licenciamento e fiscalização (arts. 18, 20, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 34, 35 e 37); impõe a obrigatoriedade do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (art. 19); veda a instalação de sistemas de transmissores ou receptores em determinadas áreas (art. 25); limita a instalação em locais onde a densidade de potência total ultrapasse os limites legais (art. 29), e dispõe sobre as penalidades (art. 36).

Não há como negar, com a devida vênia em relação à profunda e ponderável argumentação em sentido contrário, apresentada tanto pelo Prefeito Municipal como pela Presidência da Câmara Municipal, que as diretrizes estabelecidas nos arts. 4º, 8º, 9º, 10º, 12, e 29 da Lei 6.814, de 05 de julho de 2010, do Município de Piracicaba, bem como o inciso V do art. 25 da Lei nº 6.814/20, inserido pela Lei nº 7.725 de 07 de outubro de 2013, do Município de Piracicaba, interferem direta e indiretamente, em aspectos técnicos da prestação de serviços de telefonia.

Observe-se nessa linha de raciocínio que indicações relativas, por exemplo, à distância entre antenas, estabelecimento de obrigatoriedade de apresentação de laudos radiométricos, restrições à instalação próximas a determinados imóveis, e assim por diante - apenas para ficar em algumas situações que podem ser extraídas da lei em exame -, interferem, necessariamente, na forma como os serviços são estruturados e prestados, guardando relação com aspectos essencialmente técnicos dos serviços de telecomunicações.

Encontra apoio na percepção daquilo que se revela como situação notória, a compreensão de que insuficiências decorrentes de limitações dessa natureza repercutirão na qualidade dos serviços.

Por outro lado, envolvendo o sistema de telefonia celular um complexo e intrincado conjunto de estações e pontos de transmissão, que repercutem não apenas nos moradores de determinada cidade, mas também das que lhe são contíguas, e, em última análise, até mesmo em outras longínquas, é razoável supor que esse sistema deva funcionar com padrões mínimos que guardem similaridade ou equivalência em todo o território nacional.

Mesmo sem o domínio da informação técnica relacionada à telefonia, o conhecimento daquilo que ordinariamente ocorre (id quod plerumque accidit) evidencia que os padrões técnicos desse serviço (seja no que diz respeito ao funcionamento do sistema, seja no que se refere à preservação do meio ambiente bem como da saúde das pessoas que habitam os centros urbanos e os locais onde há estações repetidoras devem ser uniformes.

Em outros termos: para que o sistema de telefonia seja seguro e apresente padrões apropriados de qualidade, ele deve guardar estrutura material e técnica que lhe confira possibilidade de funcionar de modo equalizado não apenas dentro da cidade.

Isso revela o acerto da conclusão de que o tratamento legislativo dado ao tema deve ser uniforme em todo o território nacional.

A partir dessa afirmação é possível concluir que os artigos 4º, 8º, 9º, 10º, 12, e 29 da Lei 6.814, de 05 de julho de 2010, do Município de Piracicaba, bem como o inciso V do art. 25 da Lei nº 6.814/20, inserido pela Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013, do Município de Piracicaba, violam o princípio federativo, que se manifesta na repartição constitucional de competências conforme arts. 1º e 144 da Constituição Estadual, os quais dispõem o seguinte:

“Artigo 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

De outro lado, dispor sobre serviços de telecomunicações é matéria de competência da União, estando sujeito à normatização federal, pois prevê a Constituição Federal que:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.

(..)

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

A competência legislativa ampla em matéria de telecomunicações não diz respeito apenas à União como ente central, afeta a todos os entes federativos e à população de modo geral, assumindo caráter nitidamente nacional.

O trato da matéria, visualizada numa perspectiva abrangente e múltipla, envolve não só as telecomunicações, mas sua conexão com relações e efeitos direta ou indiretamente dela derivados, ou seja, o impacto e a interferência em questões colaterais à execução da atividade, como segurança, meio ambiente, saúde, tranquilidade, privacidade, proteção ao consumidor etc., demandando, por isso mesmo, uma disciplina normativa uniforme para todo território nacional e aplicável a todas as coisas e pessoas físicas ou jurídicas.

O estado de probabilidade (prevenção) ou de incerteza (precaução) de riscos, perigos ou danos decorrentes dos serviços de telecomunicações é unitariamente concebível e estimável para qualquer Estado ou Município da Federação, motivo que inspira a uniformidade e a centralidade normativa (não bastasse a titularidade federal do serviço), pois, os efeitos serão os mesmos em bens e pessoas situados no território nacional.

No exercício desta competência, a União editou uma série de atos normativos de abrangência expressamente nacional tratando dos serviços de telecomunicações e, mais especificamente, dos limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.

Sobre a matéria, a União no uso de sua competência privativa de legislar (CF, art. 22, IV), editou a Lei nº 9.472/97, estabelecendo que a ela, através do órgão regulador, cabe organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Dispôs que a organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e do funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e de espectro de rádio-frequência (art.1º e parágrafo único).

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a quem a lei conferiu as atribuições de órgão regulador (art. 8º), com a competência para adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, dentre elas a expedição de normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem (art. 19, XII), já disciplinou, ainda que parcialmente, a matéria objeto da lei estadual impugnada, através da Resolução nº 303/2002, que aprovou o Regulamento sobre limitação da exposição a campos elétricos, Magnético e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9khz e 300 GHz.

Nem se alegue a existência de interesse local ou autonomia municipal para simples disciplina do uso e ocupação do solo urbano. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência da predominância – chave-mestra para delimitação da autonomia local – na medida em que não se cinge às peculiaridades de cada comuna o estabelecimento de posturas edilícias para evitar riscos ou perigos à vida, à saúde, à segurança, decorrentes de instalações de telecomunicações, posto que em qualquer espaço do território nacional prevalece, ao contrário, a identidade de causas e de efeitos. Deste modo, normas que contêm ou indicam padrões ou parâmetros para uso de instalações e de equipamentos dos serviços de telecomunicações, inclusive relativamente a seus reflexos a terceiros, são da órbita de competência normativa federal.

Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

Enfim, e corroborando a tese aqui exposta, decidiu esta colenda Corte Paulista:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n ° 12, de 12.05.2004, que acrescenta o artigo 163-A à Lei Orgânica Municipal de Estiva Gerbi. Proibição de instalação de antenas ou torres de telefonia celular no perímetro urbano do Município. Inconstitucionalidade reconhecida por ingerência do Parlamento Municipal em assunto de competência legislativa da União. Art. 22, IV, da Constituição Federal e arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente” (TJSP, ADI 114.569-0/2-00, Órgão Especial, Rel. Des. Roberto Stucchi, m.v., 08-11-2006).

“Em reforço ao quanto já expendido, esclareça-se que a ação direta de inconstitucionalidade acima citada, da qual foi relator Desembargador Roberto Stucchi, foi julgada em 08 de novembro de 2 006 e à semelhança da Procuradoria Geral de Justiça, extrai-se:

‘Trata-se, portanto, de ingerência nas competências material e legislativa da União, bem lembrando o Procurador-Geral de Justiça, a fls. 111/112, a orientação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que '(...) Ainda cerceiam a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa. São estas que, presentes na própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos (União, Estados Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será editada por eles (...)’.

Desse modo, desnecessária a repetição dos princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual para se constatar agressão à disciplina dos arts. 1º, 111 e 144, da Constituição Paulista’.

Existindo, pois, precedente desta Corte, que vem ao encontro das convicções expressas nesta decisão, a norma impugnada é, com efeito, inconstitucional, pois o legislador local extrapolou da sua esfera de competência” (TJSP, ADI 141.511-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., DJ 19-09-2007).

Não pode o legislador municipal, a pretexto de legislar concorrentemente ou suplementar a legislação federal, invadir a competência legislativa deste ente federativo superior (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto nos arts. 1º, 5º, 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Vale ainda ressaltar que em relação à prestação dos serviços públicos, a doutrina contemporânea destaca o princípio da predominância do interesse como diretriz da repartição de competências entre os entes federativos. Assim, compete à União tratar das questões de interesse geral, nacional; aos Estados, cabem as matérias de interesse regional; e, aos Municípios, as de interesse local.

Os serviços públicos de interesse nacional, como parece óbvio, exigem estrutura também de vulto nacional, com soluções técnicas e econômicas de larga escala, capazes de fazer frente às necessidades de todo o país, o que justifica sua atribuição à União. O serviço de telecomunicação em questão é um exemplo claro dessa circunstância e, com fundamento nessa competência, a União tem regulado a matéria e mantido o serviço.

A competência da União para prestar o serviço de telecomunicações, importa também na competência para regulamentar a prestação do referido serviço, uma vez que por questão de lógica confere a esse ente o poder de se valer dos meios essenciais à prestação do serviço.

As competências constitucionais não são enunciados vazios, elas vem acompanhadas das prerrogativas explícitas ou implícitas indispensáveis a sua execução.  Não faria sentido imaginar que a Constituição Federal outorgasse competência a um ente e não lhe conferisse poderes para executá-la.

Os entes locais no exercício de suas próprias competências não podem restringir ou inviabilizar as competências de caráter nacional atribuídas à União. Na verdade, o que não se admite é que pretensões locais possam inviabilizar a realização de necessidades mais abrangentes, que incluem a localidade, mas vão para além dela.

Interesses locais não podem inviabilizar a execução de competências de caráter nacional e a competência de regular determinado assunto não autoriza o ente a inviabilizar a execução de uma competência específica atribuída a outro.

A questão central da presente ação envolve o conflito entre o que dispõe, de um lado, a competência e atribuição constitucional conferida à União para a disciplina do serviço público de telecomunicações, e de outro lado, a lei municipal que pretende impor exigências aos concessionários do referido serviço, invocando competências relacionadas à proteção do meio ambiente.

Importante, então, traçar algumas considerações acerca da competência municipal para legislar acerca de matéria relacionada à proteção do meio ambiente.

COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ENTES FEDERADOS EM MATÉRIA DE MEIO AMBIENTE

O art. 225 da Constituição impõe ao Poder Público e à coletividade o dever abrangente de defender e preservar o meio ambiente para a geração presente e para as gerações futuras. A doutrina é unânime em reconhecer que a expressão Poder Público é utilizada para designar União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Tal conclusão é endossada pela partilha concreta de competências relativas ao meio ambiente.

A participação coordenada dos diferentes entes em matéria ambiental insere-se no chamado federalismo cooperativo e justifica-se, sobretudo, pelas particularidades de que podem se revestir as questões ambientais em cada região ou localidade.

O dever compartilhado não significa, porém, que o propósito da Constituição seja a superposição completa entre a atuação dos entes federados, como se todos detivessem competência irrestrita em relação a todas as questões.

Na realidade, a divisão de competências ambientais é realizada não apenas em respeito à autonomia federativa - o que já seria fundamento bastante – mas também para assegurar efetividade à tutela do meio ambiente e harmonizá-Ia com outras finalidades igualmente protegidas pela Constituição.

 Dissociar as competências - na verdade, poderes-deveres - dos fins a que se destinam, sobretudo em matéria ambiental, daria ensejo a conflitos permanentes, que, longe de garantirem tutela reforçada ao bem protegido, tenderiam a produzir ao menos duas consequências negativas: (i) o bloqueio de uma iniciativa pela outra em razão do impasse sobre a competência, reduzindo a eficácia da proteção ao meio ambiente; e (ii) a cumulação de exigências semelhantes, reduzindo a racionalidade da tutela ambiental e onerando excessiva e desnecessariamente o desempenho de atividades de interesse das comunidades afetadas ou mesmo de toda a população nacional.

Os dois riscos descritos não são puramente hipotéticos. A imensa maioria das atividades humanas produz algum tipo de impacto sobre a natureza, sendo comum que esse impacto potencial ou efetivo ultrapasse as fronteiras políticas das unidades federativas. A definição concreta das esferas de atuação de cada ente na matéria dependerá da interpretação sistemática tanto das normas constitucionais que dispõem especificamente sobre a repartição de competências em matéria ambiental quanto das que tratam de outras competências, cujo exercício pressuponha o equacionamento de questões ambientais.

Da competência legislativa em matéria ambiental

A maioria das competências legislativas em matéria especificamente ambiental é titularizada de forma concorrente pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal. O tema vem disposto no art. 24 da Constituição, em três incisos específicos:

"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagistico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagistico; (...)"

Mesmo nesses domínios compartilhados, a Constituição estabelece um padrão interno de divisão das atribuições. À União compete editar normas gerais, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a tarefa de suplementar a legislação instituída pelo ente central. Assim, caberá à União instituir linhas orientadoras para a atividade legislativa dos Estados e dispor diretamente sobre as matérias que exijam logicamente a instituição de regramento uniforme. No caso, e.g., de atividades que devam ser desenvolvidas nacionalmente, de forma contínua e interligada, as exigências impostas pelo Poder Público em matéria ambiental devem ser naturalmente homogêneas. Disso decorreria a necessária inserção da disciplina de tais questões no âmbito das normas gerais e, consequentemente, na esfera de competência da União.

 Por fim, resta tratar das competências legislativas dos municípios em matéria ambiental. A Constituição, nos seus arts. 30, VIII e 182, § 1°, reserva ao Município um papel de destaque na ordenação e no zoneamento do solo urbano, sobretudo por meio da aprovação de um plano diretor, obrigatório para Municípios com mais de vinte mil habitantes. Essa competência apresenta grande interesse para a tutela do meio ambiente, permitindo que seja delimitada a zona de impacto das atividades potencial ou efetivamente poluentes.

No mais, a competência dos Municípios para legislar sobre matéria ambiental seguirá a regra geral de atribuição de competência legislativa a esses entes. Em síntese, estará restrita ao tratamento de assuntos de interesse local (art. 30, I, da Constituição) e à eventual complementação da legislação federal e estadual (art. 30, II, da Constituição) em função de eventuais peculiaridades da municipalidade.

É certo que o exposto acima sob a perspectiva teórica aplica-se às competências municipais referentes à proteção do meio ambiente. A Constituição não autoriza os Municípios a legislarem sobre toda e qualquer questão que seja capaz de afetá-los em matéria ambiental, ainda quando extrapole as fronteiras locais e repercuta em outros Municípios ou mesmo nacionalmente. Pelo contrário: em matéria ambiental, a Constituição atribuiu expressamente competências político-administrativas aos Municípios - ao passo que os excluiu, também expressamente, da partilha das competências legislativas referentes ao tema, divididas entre União, Estados e Distrito Federal. Diante de tais opções do constituinte, não é legítimo ampliar o conceito de interesses locais, para o fim de alargar indevidamente a competência dos Municípios na matéria.

É bem de ver que uma leitura ampliativa da competência municipal para legislar sobre interesse local desequilibraria o sistema de repartição de competências federativas por uma razão bastante simples. Lembre-se que a União e os Estados não detêm um território diverso do que é representado pelo conjunto dos Municípios, de modo que a imensa maioria das questões, por mais abrangentes que sejam, pode ser descrita como afetando também interesses locais. Se essa circunstância, por si só, autorizasse a intervenção legislativa municipal, seu objeto seria praticamente ilimitado, esvaziando a competência dos demais entes.

Diversos exemplos ilustram o ponto. Um Município de fronteira não poderá legislar sobre defesa nacional ou imigração, matérias de competência privativa da União, sob o argumento de que o conjunto normativo editado pelo ente central é insatisfatório e causa transtornos à municipalidade. Da mesma forma, não há dúvida de que a instalação de uma usina nuclear ou hidroelétrica em determinado Município é um evento capaz de afetar profundamente os negócios e a vida local. Os possíveis impactos para o meio ambiente municipal também são evidentes. Nada obstante, a Constituição determina que a União determinará por lei a localização dessas instalações (no caso das nucleares). O Município cujo território venha a ser escolhido não poderá invocar sua competência legislativa para o fim de impedir a instalação da usina, quer diretamente, quer por meio da instituição de exigências que tomem inviáveis a instalação ou o funcionamento da unidade.

Ainda que os legisladores municipais ou mesmo a população local se oponham radicalmente a determinada política de imigração ou à utilização da referida matriz energética, a decisão simplesmente não lhes cabe no âmbito da Federação brasileira. Esses agentes poderão tentar se valer de ações políticas ou mesmo jurídicas para modificar a vontade do ente central, mas não podem subverter a divisão federativa de competências e atropelar as decisões tomadas por outras esferas de governo no exercício de suas atribuições constitucionais. O argumento está sendo empregado em relação aos Municípios, mas pode ser generalizado no âmbito da Federação: a repartição de competências determina quem deverá decidir, sem que se abra espaço para que outras unidades federativas, descontentes, reformulem ou ignorem a decisão tomada.

Das competências político-administrativas em matéria ambiental

As competências político-administrativas relacionadas diretamente com a proteção do meio ambiente foram atribuídas pela Constituição aos três níveis federativos, de forma concorrente:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

(..)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e aflora;

(..)

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional".

É justamente no domínio das competências político-administrativas que se pode realizar com maior intensidade a intenção do constituinte, indicada no art. 225 da Carta, de comprometer todo o Poder Público com o objetivo de tutelar os bens ambientais. No entanto, tal como foi mencionado, isso não significa que essas matérias sejam cometidas a cada um dos entes federativos de forma indiscriminada, como se soberanos fossem. A própria Constituição previu, no parágrafo único do artigo 23, transcrito acima, a edição de uma lei complementar nacional para disciplinar a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser pautada pela busca do equilíbrio no desenvolvimento e no bem-estar em âmbito nacional.

O fato de a referida lei ainda não ter sido editada dificulta a delimitação das competências, mas não autoriza os entes a ignorarem que estão inseridos em um Estado Federal. Os respectivos espaços de atuação material devem ser definidos a partir da interpretação sistemática do sistema de repartição de competências, aplicando-se os critérios de solução de conflitos: (i) a prevalência de competências específicas sobre competências genéricas; e (ii) a predominância do interesse.

Será igualmente necessário observar o conjunto normativo editado sobre cada tema no exercício das competências legislativas já analisadas.

Afinal, embora se admita que a Constituição possa fundamentar diretamente a prática de atos administrativos, a lei continua sendo a grande baliza dos atos materiais praticados pelo Poder Público, sobretudo quando a norma constitucional prevê uma meta geral ficando a definição dos meios para atingi-Ia a cargo da política majoritária. Nesse contexto, e como parece evidente, as competências legislativas condicionam o exercício de competências administrativas, e não o contrário. Assim, não é correto afirmar que o art. 23, por si só, forneceria a todos os entes poder normativo primário em matéria ambiental, como se este fosse um instrumento indispensável para a realização de suas atribuições político-administrativas. Essa interpretação faria desaparecer a distinção entre competências legislativas e materiais e tomaria sem sentido o sistema de repartição de competências previsto na Constituição.

À luz desses parâmetros, é possível concluir que caberá à União a primazia no controle administrativo incidente sobre as atividades que apresentem repercussão ambiental nacional; aos Estados e ao Distrito Federal, as atividades de repercussão regional; e aos Municípios, a fiscalização das atividades que apresentem impacto local.

É certo que tais critérios não estabelecem zonas de competência absolutamente estanques, sendo até mesmo desejável que haja cooperação entre os entes na fiscalização de possíveis agressões ao meio ambiente, coordenando esforços e minimizando o risco de omissões. Cuida-se, como foi referido, de uma relação de primazia, cuja principal manifestação ocorrerá nos casos de conflito entre a orientação de entes situados em diferentes níveis federativos. Nesses casos será necessário definir o responsável pela palavra final, devendo prevalecer a decisão emanada do ente situado no nível de abrangência correspondente ao potencial ou efetivo impacto ambiental. Estando presente interesse nacional, não há como afastar a precedência da União.

Os critérios de divisão de competências que se acaba de resumir foram adotados de forma expressa pelo Min. Celso de Mello ao decidir sobre pedido de medida cautelar na AC 1255/RR. Vale a pena transcrever uma passagem da decisão:

"É certo que os limites de atuação normativa e administrativa das pessoas políticas que compõem a estrutura institucional da Federação brasileira (CF, art. 18, "caput") acham-se predeterminados no próprio texto da Constituição da República, que define, mediante a técnica dos poderes enumerados e residuais, a esfera de atribuições de cada uma das unidades integrantes do Estado Federal, como resulta claro do que dispõem os arts. 21 a 24 da Lei Fundamental. Nesse contexto, cabe, à União Federal, considerada a maior abrangência dos interesses por cuja defesa deve velar, o desempenho de um papel de alto relevo no plano da proteção ambiental e da utilização dos mecanismos inerentes ao fiel adimplemento de tal encargo constitucional. (..) Vê-se, portanto, considerada a repartição constitucional de competências em matéria ambiental, que, na eventualidade de surgir conflito entre as pessoas políticas no desempenho de atribuições que lhes sejam comuns - como sucederia, p. ex., no exercício da competência material a que aludem os incisos VI e Vll do art. 23 da Constituição -, tal situação de antagonismo resolver-se-á mediante aplicação do critério da preponderância do interesse e, quando tal for possível, pela utilização do critério da cooperação entre as entidades integrantes da Federação (...). Isso significa que, concorrendo projetos da União Federal e do Estado membro visando à instituição, em determinada área, de reserva extrativista, o conflito de atribuições será suscetível de resolução, caso inviável a colaboração entre tais pessoas políticas, pela aplicação do critério da preponderância do interesse, valendo referir - como já assinalado - que, ordinariamente, os interesses da União revestem-se de maior abrangência. (...) Isso tudo evidencia, em princípio, notadamente em face da norma de competência exclusiva inscrita no art. 21, IX, da Constituição da República, o caráter preponderante (porque mais abrangente) do interesse da União Federal em tema ambiental, em ordem a reconhecer-se-lhe, ordinariamente, precedência, se e quando concorrerem, relativamente à mesma área, projetos federais e estaduais eventualmente conflitantes, ressalvada, no entanto, a possibilidade constitucional – sempre desejável - de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nos termos de lei complementar da própria União, cujas normas considerarão, para efeito da referida colaboração, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único) ( ..) .

Como já descrito, a questão central do presente estudo envolve o conflito entre o que dispõe, de um lado, a legislação federal que trata do serviço público de telecomunicações e, de outro, lei municipal que pretende impor exigências aos concessionários do referido serviço, invocando competências relacionadas à proteção do meio ambiente.

O primeiro passo para a solução do conflito federativo descrito é a identificação das competências atribuídas a cada um dos entes estatais pela Constituição Federal. No caso da União, interessa à presente hipótese suas competências:  a) privativa para legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão (art. 22, IV); b) concorrente com os Estados para legislar sobre meio ambiente em geral e, mais especificamente, sobre controle da poluição, cabendo-lhe a edição de normas gerais (art. 24, VI, VII e VIII); c) privativa para de explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações (art. 21, XI); e d) concorrente com os demais entes (art. 23, III, VI e VII) para a proteção do meio ambiente no plano político-administrativo.

Enquanto que os Estados detêm competência concorrente para legislar sobre questões particulares relacionadas ao meio ambiente, observadas as normas gerais editadas pela União. Os Municípios, por sua vez, não detêm nenhuma competência legislativa explícita sobre o assunto. Compete-lhes, porém, "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII), o que lhes permite zonear seus respectivos territórios e, assim, evitar que atividades poluentes provoquem impacto direto sobre áreas residenciais. Adicionalmente, os Municípios podem legislar sobre assuntos de interesse local e complementar a legislação federal ou estadual em função das suas particularidades.

Assim, podemos identificar o seguinte conflito normativo gerado pela lei municipal: 1) conflito entre a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e a competência dos Estados para legislar, em concorrência com a própria União, sobre meio ambiente; e 2) conflito entre a competência da União para instituir normas gerais sobre meio ambiente e a competência dos Estados para complementar a legislação sobre o mesmo tema.

A competência da União para prestar o serviço de telecomunicações. Por si só, ela teria o condão de conferir a esse ente o poder de se valer dos meios essenciais à prestação do serviço. As competências constitucionais não são enunciados vazios, vindo naturalmente acompanhadas das prerrogativas indispensáveis a sua execução. Contudo, considerando que a competência normativa na matéria também é privativa da União, toma-se desnecessário considerar esse aspecto em um primeiro momento.

Nos dois conflitos apontados, os Municípios não detêm competências legislativas expressas, de modo que a sua eventual participação no regramento da matéria apenas seria admissível se fosse caracterizada a existência de interesses locais.  De outro lado, a competência de natureza político-administrativa prevista no art. 23 da Carta não confere aos entes um poder normativo autônomo, em contraste com as competências legislativas sobre a matéria de que a Constituição trata de modo específico em outros dispositivos.

O suposto conflito entre a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e a competência dos Estados para, em concorrência com a União, legislar sobre meio ambiente, atrairia a aplicação do critério da generalidade-especialidade: a competência legislativa genérica em matéria ambiental opera como norma geral e a competência sobre telecomunicações como norma especifica nesse particular, inclusive no que diz respeito às repercussões ambientais da atividade. Essa modalidade de conflito, como é corrente, é solucionada pela prevalência das competências específicas, na medida da sua especificidade, mantendo-se a validade dos enunciados gerais e sua aplicação às demais hipóteses.

Com efeito, a disciplina das telecomunicações, terá de cuidar em alguma medida de questões ambientais correlatas, sendo indispensável que haja um regime nacional na matéria. Por outro lado, o tratamento do aspecto ambiental não poderá ser concebido de forma isolada e estanque, sem comunicação com os outros interesses envolvidos na regulação do setor, notadamente a necessidade de manutenção de sistema de comunicações eficiente e acessível.

Por tudo isso, retirar os aspectos ambientais da disciplina unificada das telecomunicações poderia prejudicar o desempenho dessa competência. Essa mesma circunstância pode ser identificada em algumas outras competências atribuídas à União em caráter exclusivo, a despeito de suas inúmeras repercussões para o meio ambiente. Esse é o caso, e.g., da competência privativa da União para legislar sobre jazidas, minas, recursos minerais e metalurgia (art.22, XII) e sobre atividades nucleares de qualquer natureza (art. 22, XXVI).

Simplesmente não seria possível dispor sobre mineração - atividade de elevado potencial polui dor - sem disciplinar as exigências ambientais. Diga-se o mesmo sobre atividades nucleares, nas quais um acidente pode comprometer o meio ambiente em escala não apenas nacional, mas até mesmo mundial.

A lógica que define a extensão das competências da União nessas matérias é a mesma que se aplica à competência desse ente para legislar sobre telecomunicações. Em ambos os casos, trata-se de competências legislativas específicas, devendo prevalecer, em princípio, sobre competências legislativas genéricas. Isso afastaria a competência legislativa concorrente dos Estados em matéria ambiental e, mais ainda, qualquer pretensão dos Municípios de invocar supostos interesses locais para legislar genericamente sobre exigências e proibições incidentes sobre a instalação de torres de transmissão de telefonia celular e de outras fontes emissoras no Município.

Eventual ruído produzido pelos motores das composições ferroviárias paradas ou estacionadas são circunstâncias comuns a todas as localidades por onde passam os trens, descaracterizando a existência de um interesse local.

Essa conclusão tornaria, em princípio, desnecessário analisar o segundo conflito potencial entre as competências da União e dos Estados, haja vista a inconstitucionalidade evidenciada pela violação do princípio federativo. No entanto, a análise do segundo binômio - competência da União para editar normas gerais sobre meio ambiente em oposição à competência dos Estados para complementar esse conjunto normativo - servirá para reforçar a conclusão obtida e, mais importante, para afastar qualquer dúvida sobre ela.

Para definir as competências normativas em matéria ambiental, seria preciso determinar o campo das normas gerais - atribuído à União - e o campo da legislação suplementar, conferido aos Estados. O conceito de normas gerais é relativamente indeterminado. Apesar disso, é possível reconhecer dois conteúdos logicamente inseridos nessa categoria: (i) a instituição de diretrizes, destinadas a conferir alguma uniformidade ao tratamento das matérias, sem prejuízo da competência dos Estados; e (ii) a disciplina de questões nas quais predomine o interesse nacional, superposto a eventuais interesses regionais ou locais, exigindo a instituição de um regramento uniforme para todo o país.

Embora possam surgir dúvidas sobre a fronteira entre as normas gerais e a regulamentação específica, é natural que haja também zonas de certeza. As palavras e conceitos ostentam sentidos mínimos, sem os quais a comunicação seria impossível. Assim, por mais que seja difícil, em algumas circunstâncias, caracterizar o que seja um "interesse nacional predominante", ninguém duvidará que a rubrica se aplica ao sistema de transporte ferroviário que perpassa Estados e liga portos e fronteiras. As normas indispensáveis à existência de tal sistema devem ser unificadas, para que o tráfego possa fluir nacionalmente.

A regionalização das exigências inviabilizaria ou, quando menos, oneraria gravemente a prestação do serviço.

Dessa forma, ainda que a competência privativa da União para legislar nacionalmente sobre telecomunicações não abarcasse as repercussões ambientais da atividade, isso não afastaria a conclusão de que a matéria deve ser regulada por esse ente federativo. No caso de atividades que devam ser desenvolvidas nacionalmente, de forma interligada, é necessário que haja requisitos também nacionais de controle da poluição, atraindo inquestionavelmente a matéria para o âmbito de competência da União, a quem caberá instituir normas gerais sobre o tema.

Resta, ainda, uma nota final. A eventual omissão do ente central autorizaria os Estados a exercer competência legislativa plena na matéria?

Em princípio, a resposta parece positiva, por conta do art. 24, § 2°. No entanto, o exercício dessa competência suplementar por parte dos Estados estaria sujeito a um importante limite, que decorre de tudo o que já se expôs: ele não poderia inviabilizar o serviço público de telecomunicações titularizado pela União. A observação é feita apenas por zelo teórico, já que, não se verifica na hipótese a omissão do ente central.

A União, no uso de desta competência, editou uma série de atos normativos já mencionados, estabelecendo condições gerais para a prestação dos serviços de telecomunicações, tratando inclusive de aspectos de proteção a saúde das pessoas e meio ambiente.

Como se vê, não se trata aqui de omissão da União em regulamentar a matéria. O fato de a União não haver editado norma com o conteúdo eventualmente desejado pelo Município não significa, por natural, omissão. O ponto é saber se o tema foi objeto de consideração pelo ente competente. Havendo disciplina nacional sobre o tema, não se verifica a hipótese do art. 24, § 2° da Constituição.

Por fim no que se refere a inconstitucionalidade da exigência do estudo de impacto de vizinhança a questão se relaciona a incompatibilidade do dispositivo legal com legislação infraconstitucional , confronto vedado em sede de controle direto de constitucionalidade.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado parcialmente procedente reconhecendo-se a inconstitucionalidade os artigos 4º, 8º, 9º, 10º, 12, e 29 da Lei 6.814, de 05 de julho de 2010, do Município de Piracicaba, bem como o inciso V do art. 25 da Lei nº 6.814/20, inserido pela Lei nº 7.725, de 07 de outubro de 2013, do Município de Piracicaba.

 

São Paulo, 26 de janeiro de 2015.

 

 

 

       Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

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