Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2074451-74.2014.8.26.0000

Requerente: Partido Social Liberal – Diretório Estadual de São Paulo

Requeridos: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12 da Lei Orgânica Municipal de São José do Rio Preto, na redação dada pela Emenda à Lei Orgânica n. 34, de 08 de junho de 2005, que fixa em 17 o número de vereadores que compõe a Câmara Municipal.

2)     Preliminar. Conversão do julgamento em diligência para a requisição de informações do Prefeito do Município de São José do Rio Preto (arts. 6º da Lei Federal nº 9.868/99).

3)     Lei anterior ao atual regime constitucional. Impossibilidade de impugnação em sede de processo abstrato de controle de normas. A situação de incompatibilidade se resolve pela revogação tácita, tornando desnecessária a realização do controle de constitucionalidade. Pela extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação.

4)     Extinção da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo o art. 12 da Lei Orgânica Municipal de São José do Rio Preto, na redação dada pela Emenda à Lei Orgânica n. 34, de 08 de junho de 2005, que fixa em 17 o número de vereadores que compõe a Câmara Municipal.

Sustenta o requerente que o dispositivo legal é inconstitucional porque violaria o art. 29, IV, “g” e “h” da Constituição Federal e o art. 144 da Constituição Estadual, que estabelecem que, para municípios de população entre 300.000 e 450.000 habitantes, o número mínimo de vereadores seria 21 e o número máximo seria 23.

O Procurador-Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 107/109).

Notificada, a Câmara Municipal apresentou informações sobre o processo legislativo (fls. 116/119).

O prefeito municipal não apresentou informações.

É o breve relato do ocorrido nos autos.

PRELIMINARMENTE

Requer-se a conversão do julgamento em diligência, a fim de que sejam requisitadas informações ao Prefeito do Município de São José do Rio Preto, na forma do art. 6º da Lei 9.868/99.

 

DA CARÊNCIA DA AÇÃO

Caso seja regularizada a questão exposta em sede de preliminar, carece ao autor direito de ação, por falta de interesse de agir.

O dispositivo impugnado teve sua redação dada pela Emenda à Lei Orgânica n. 34, de 08 de junho de 2005. Vejamos:

“Art. 1º - O artigo 12 da Lei Orgânica do Município de São José do Rio Preto/SP passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 12 – A Câmara Municipal é composta de dezessete Vereadores, representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, mediante voto direto e secreto, com mandato de quatro anos.’

Art. 2º - Esta Emenda à Lei Orgânica do Município entra em vigor na data de sua publicação.”

O requerente sustentou que o art. 12 da Lei Orgânica de São José do Rio Preto, na redação dada pela Emenda n. 34, seria inconstitucional por violação ao art. 29, inciso IV, alíneas “g” e “h” da Constituição Federal.

Ocorre que o dispositivo impugnado é anterior à Emenda Constitucional nº 58, de 23 de setembro de 2009, que alterou a redação do art. 29 da Constituição Federal, incluindo as alíneas “g” e “h”, as quais foram utilizadas na ação direta como parâmetro pelo requerente.

A Constituição federal dispõe nos seguintes termos:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

IV - para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de: (Redação dada pela Emenda Constituição Constitucional nº 58, de 2009)  

(...)

g) 21 (vinte e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 160.000 (cento e sessenta mil) habitantes e de até 300.000 (trezentos mil) habitantes; (Incluída pela Emenda Constituição Constitucional nº 58, de 2009)

h) 23 (vinte e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 300.000 (trezentos mil) habitantes e de até 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes; (Incluída pela Emenda Constituição Constitucional nº 58, de 2009)” (g.n.)

E, como se sabe, é pacífico o entendimento, especialmente na jurisprudência do STF, pelo qual a incompatibilidade de lei com norma constitucional superveniente é questão que se resolve pela revogação tácita da norma infraconstitucional, o que inviabiliza o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.

Nesse sentido:

“(...)

A ação direta de inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do Poder Público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato. A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a Carta Política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova Constituição, à tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstrato – orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 – 95/993 – 99/544) – foi reafirmado por esta Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 74, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-1992, Plenário, DJ de 25-9-1992.)” No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011.

Neste sentido, invoca-se o leading case do Supremo Tribunal Federal após o advento da Constituição de 1988:

 

“Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente. Impossibilidade. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.” (ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-1992, Plenário, DJ de 21-11-1997.) (g.n.)

Com efeito, a inconstitucionalidade é sempre congênita e nunca superveniente, à vista de eventual conflito entre lei anterior e Constituição posterior, sua solução se rege pela recepção ou pela revogação, ou seja, pelo direito intertemporal (STF, ADI 1.227-4-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 02-10-2002, v.u., DJ 29-11-2002) e não pela incompatibilidade vertical própria do controle abstrato de constitucionalidade que, no plano estadual, tem como parâmetro a Constituição Estadual, nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal. Como leciona Luís Roberto Barroso:

 

“Toda a legislação ordinária anterior, naquilo em que for compatível com a nova ordem constitucional, subsiste validamente e continua em vigor, ainda que com um novo fundamento de validade (...); toda a normatização infraconstitucional preexistente incompatível com a Constituição fica automaticamente revogada. Portanto, entre nós, o contraste entre a nova Constituição e o direito anterior se coloca no plano da vigência e não da validade das normas.

À vista de tais premissas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceu, de longa data, o entendimento de que não cabe ação direta de inconstitucionalidade tendo por objeto o direito pré-constitucional”. (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 266)

Assim, entende o Supremo Tribunal Federal que a anulação de uma norma inconstitucional é necessária somente quando a lei é mais recente que a Constituição. Tratando-se de uma lei anterior em contraste, estará ela não recepcionada, sem a declaração formal da inconstitucionalidade. 

As normas de uma Constituição se projetam sobre todo o sistema jurídico, globalmente, alterando-lhes os critérios de validade, princípios e valores subjacentes. A nova Constituição tem os seguintes efeitos sobre a ordem jurídica, a saber: a) a nova Constituição revoga globalmente a Constituição anterior (revogação de sistema); b) novas normas constitucionais (advindas de emenda ou revisão) revogam normas constitucionais em contrário, anteriores; c) a nova Constituição produz novação em relação às normas anteriores, não desconformes com ela (no Brasil comumente se fala em recepção); d) normas constitucionais novas revogam normas infraconstitucionais com ela incompatíveis, data venia, com as observações que fizemos.

Entre nós, como se disse, não se admite a tese da inconstitucionalidade superveniente. As normas inferiores, anteriores e incompatíveis com a Constituição estão revogadas.

Assim, da análise da petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em questão tem-se que tanto o pedido principal do requerente – declaração de inconstitucionalidade da Emenda à Lei Orgânica – quanto o pedido cumulativo – interpretação conforme à Constituição Federal do art. 12 da Lei Orgânica na redação anterior à Emenda - não podem ser objeto de exame em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

Feitas estas considerações, requer-se, em caráter preliminar, a conversão do julgamento em diligência a fim de que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal, opinando-se, então, pela extinção do processo sem resolução do mérito em razão da carência da ação.

 

São Paulo, 15 de agosto de 2014

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

aaamj/mam