Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2077193-72.2014.8.26.0000

Requerente: Partido Democrático Trabalhista Comissão Estadual de São Paulo

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Poá

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.695/2013, do Município da Estância Hidromineral de Poá, que dispõe sobre "alterações no Código Tributário de Poá (lei nº 2.614/1997), e dá outras providências".

2)      Impossibilidade de realização do controle concentrado de constitucionalidade adotando como parâmetros dispositivos da Constituição Federal ou da legislação federal. Precedentes do STF.

3)      Correção aritmética da tabela de valor básico unitário, benéfica ao contribuinte, para adequar ao ato normativo. Mera irregularidade que não vicia o processo legislativo.

4)      Lei Complementar em matéria tributária é reservada ao estabelecimento de normas gerais tributárias que não se confunde com leis tributárias que criam ou majoram determinado tributo.

5)      Limite de cognição no contencioso de constitucionalidade. Texto normativo não evidencia  violação da capacidade contributiva e   da proibição do confisco. Matéria de fato que dependente de prova, incabível na via estreita do controle abstrato de constitucionalidade.

6)      Improcedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 3.695/2013, do Município da Estância Hidromineral de Poá, que dispõe sobre "alterações no Código Tributário de Poá (lei nº 2.614/1997), e dá outras providências".

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por vício formal e por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e do não confisco. Não foram apontados dispositivos da Constituição Estadual que teriam sido violados.

 O pedido de liminar foi indeferido (fls. 94/95).

Citado regularmente (fl. 108), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 114/117).

Devidamente notificado (fl. 112), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 119/126.

Embora notificado à fl. 110, o Prefeito Municipal não apresentou informações.

Nestas condições, vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

1.   PRELIMINARMENTE

No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada.

O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

Tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência, nesse tema, o sentido de que, no processo objetivo, a única avaliação admissível é aquela referente à questão de direito, no confronto direto entre a lei e o texto constitucional.

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

O confronto direto com a Constituição Federal só seria possível nos limites do art. 144 da Constituição Estadual que não foi aventado pelo autor.

2.   NO MÉRITO

a.  Do ato normativo impugnado

A Lei nº 3.695/2013, do Município da Estância Hidromineral de Poá, tem a seguinte redação:

 

b.  Da eventual irregularidade no processo legislativo

Verifica-se que o projeto de lei nº 455/13, que originou a lei ora impugnada, recebeu pareceres de todas as Comissões, foi submetido a duas votações, com aprovação pela maioria dos vereadores, em escrutínio que contou com a participação de todos parlamentares.

Não se observa, assim, traços de ofensa aos dispositivos constitucionais de observância obrigatória pelas Câmaras Municipais, no tocante ao processo legislativo, que pudessem ensejar o reconhecimento de eventual inconstitucionalidade formal.

Está demonstrado que durante o processo legislativo, após a aprovação do ato normativo impugnado, o mesmo foi publicado com a Tabela I diversa daquela que havia sido encaminhada com o projeto de lei.

Instado a esclarecer o fato, o Prefeito Municipal informou à Câmara Municipal que a tabela encaminhada com o projeto de lei por equivoco não representava o valor venal que deveria ser calculado sobre o percentual de 30% dos valores básicos unitários (fl. 70).

Confrontando as tabelas (parciais) existentes nos autos (fls. 59 e 68), realmente verifica-se que os valores são divergentes, porém, correspondem como informado pelo Prefeito Municipal à adequação dos valores ao percentual de 30%, ao invés de 40%, como teria seguido por equívoco com o projeto de lei.

Tratando-se de correção de erro material, sem qualquer prejuízo aos munícipes contribuintes, não está caracterizado vício grave passível de nulidade do processo legislativo.

c.            Da alegação de violação do princípio da legalidade

Em matéria tributária, a lei complementar é reservada para dispor sobre conflitos de competência, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.

As regras matrizes tributárias estão previstas no Código Tributário Nacional.

Sabe-se que a lei complementar é reservada para as hipótese expressamente previstas na Constituição Federal.

Não há previsão na Constituição Federal de que o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana seja instituído por lei complementar (art. 156, I).

Desta forma, não se vislumbra violação do princípio da legalidade em função da matéria ter sido tratada por lei ordinária.

d.          Da alegação de violação dos princípios da capacidade contributiva e não confisco

A violação dos princípios da capacidade contributiva e do não confisco é fundada na alegação de que a atualização da Planta Genérica de Valores Imobiliários do Município de Poá/SP importou em majoração do imposto sobre propriedade territorial urbana (IPTU) em mais de 330%.

Não decorre diretamente dos dispositivos legais transcritos, nem mesmo de sua tabela que fixa o valor básico unitário de metro quadrado dos imóveis, qualquer violação aos princípios da capacidade contributiva e do não confisco ou a dispositivos da Constituição Estadual.

Vale ressaltar que o controle de constitucionalidade de lei municipal, por via de ação direta, tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual (ainda que reproduza, imite, absorva ou remeta norma constitucional central), sendo defeso o seu contraste com o direito infraconstitucional, no caso o Código Tributário Nacional, e, inclusive a Lei Orgânica do Município ou o Regimento Interno da Câmara.

Quanto ao reajuste dos valores da Planta Genérica, trata-se de matéria que exige o exame de questões de fato, não parecendo, a princípio, existir violação a preceitos constitucionais.

Independente do percentual de aumento do IPTU, decorrente da atualização da planta genérica de valores, a legalidade da exação decorre da verificação da adequada fixação da base de cálculo do imposto, que na hipótese se trata do valor venal.

O Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana-IPTU tem como base de cálculo o valor venal do imóvel (art. 33 do CTN), motivo pelo qual somente o referido valor venal e não outros índices, como aqueles apontados pelos autores, pode servir como parâmetro para constatação de eventual violação aos princípios da razoabilidade, segurança jurídica, vedação ao confisco, capacidade contributiva, dentre outros.

De outro lado, para se afirmar eventual confisco, haveria de se apurar a adequação do valor venal do imóvel previsto na planta genérica de valores, matéria de fato cujo exame é impróprio na ação direta de inconstitucionalidade.

Não sendo evidente do texto normativo, a pesquisa sobre a incompatibilidade da lei local, que depende da análise de parâmetros que envolvem a análise de matéria de fato, torna-se inviável o controle concentrado de constitucionalidade.

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, a ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao exame de questões que dependam da verificação ou comprovação de matéria de fato, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional. Senão vejamos:

“(...) 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. (...)” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).O Código Tributário Nacional prevê no inciso XI do art. 156 a dação em pagamento como forma de extinção da obrigação tributária.

“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 160/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária. 2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. Incidência da Súmula 160/STJ: ‘é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.’ Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 66849/MG – Segunda Turma – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julgamento: 06/12/2011)

“A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, Min. Celso de Mello RTJ 147/545-546, g.n.).

Quanto ao verdadeiro aumento, consubstanciado pela lei ora tratada, não há nenhum elemento que possa indicar ofensa a dispositivo da Constituição Estadual, tratando-se da atualização dos valores venais dos imóveis com o objetivo de harmonizá-los aos valores de mercado.

A questão que o Tribunal analisa em controle concentrado é essencialmente jurídica (controvérsia sobre a legitimidade de lei infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional), não podendo o sistema de controle abstrato ser deturpado para se tornar outro meio de impugnação judicial de litígios fáticos.

Este Colendo Órgão Especial também já se pronunciou sobre o tema:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº 666, de 3 de setembro de 2013, do Município de Atibaia, que dispõe sobre a revisão da Planta Genérica de Valores Imobiliários - Ausência dos alegados vícios no processo legislativo, tendo sido o projeto de lei regularmente discutido e votado pela totalidade dos Vereadores integrantes do Legislativo municipal, sem que qualquer nulidade procedimental fosse arguida - Majoração dos valores venais dos imóveis locais que não implica na igual repercussão na carga tributária imposta aos contribuintes municipais, haja vista a criação de mecanismo de bloqueio que estabeleceu um limite máximo de reajuste do tributo - Exame da razoabilidade do aumento previsto na legislação municipal atacada que, de qualquer modo, demandaria a análise de matéria de fato, incabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade - Desconsideração do percentual fixado naquele ato normativo que implicaria, ainda, na indevida substituição da discricionariedade do Poder Legislativo, em sua atuação natural, por uma imprópria atuação do Judiciário - Precedentes desta Corte - Ausência, portanto, de vícios de inconstitucionalidade formal ou material no ato normativo objurgado - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADIN n. 2001017-52.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascharetti, j. 14.05.2014)

No caso em tela, sem prejuízo do controle difuso de eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação para cada caso concreto, não há possibilidade de afirmar acerca da inconstitucionalidade do ato normativo.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado improcedente.

              São Paulo, 02 de setembro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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