Parecer
Processo n. 2079250-63.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Estância Hidromineral de Poá
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Estância
Hidromineral de Poá
Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei n. 3717, de 29 de abril de 2014, do Município de
estância hidromineral de poá. Uso privativo de bens públicos. autorização e
regulamentação do uso de passeios fronteiriços. Separação de poderes. Reserva
de Administração. Procedência da ação. 1.
Lei local, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre autorização e
regulamentação de uso de passeios fronteiriços aos estabelecimentos comerciais
para colocação de toldos, mesas e cadeiras é inconstitucional por imolar a
cláusula de separação de poderes e a reserva de Administração inerente à gestão
dos bens públicos (arts. 5º e 47, II e XIV, Constituição Estadual). 2. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 3717, de 29 de abril de 2014, do Município de Estância
Hidromineral de Poá, de iniciativa parlamentar, sob
alegação de violação aos arts. 5º, 37, 47, II e XIV, 144 da Constituição
Estadual e arts. 2º, 8º,
27, 28 e 61 da Lei Orgânica do Município de Estância Hidromineral de Poá (fls.
01/14).
2. Concedida liminar (fl. 43/45), a Câmara Municipal prestou
informações (fls. 58/63) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua
intervenção (fls. 54/56).
3. É o
relatório.
4. A Lei Municipal nº 3717, de 29 de abril de 2014, de
Estância Hidromineral de Poá, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a autorização e
regulamentação de uso de passeios fronteiriço aos estabelecimentos comerciais
para a colocação de toldos, mesas e cadeiras”, tem a seguinte
redação:
“(...)
Art 1°. É permitido aos bares, confeitarias, restaurantes,
lanchonetes e similares, já instalados ou que venham a instalar-se no
Município, o uso do passeio fronteiriço ao estabelecimento para colocação de
toldos, mesas e cadeiras, obedecidas as seguintes condições:
I
– a instalação do
mobiliário nos passeios não poderá obstruir ou dificultar o acesso de veículos,
o livre trânsito de pedestres e especialmente, de deficientes físicos, bem como
a visibilidade dos motoristas na confluência das vias;
II
– a observância da
faixa mínima de 1,20 (um metro e vinte centímetros), qualquer que seja a
largura do passeio, para permitir o livre e seguro trânsito de pedestres.
§1º- Excepcionalmente, e a critério do
órgão competente do Executivo, os estabelecimentos poderão utilizar os passeios
fronteiriços de seus vizinhos laterais, desde que a presente autorização
expressa dos mesmos e promovam a manutenção e limpeza da área.
§2º- Ficam os responsáveis pelos
estabelecimentos comerciais obrigados a promover a manutenção e limpeza dos
passeios públicos, objetos da autorização de que trata esta lei.
§3º- É vedada a colocação de
amplificadores, caixas acústicas, alto-falantes ou quaisquer aparelhos que
produzam som, bem como quiosques ou estandes de venda.
Art. 2º. O não cumprimento do
disposto no artigo anterior implicará na imposição de sanções que deverá ser
regulamentada por decreto pelo Poder Executivo.
§1º- O responsável pelo estabelecimento
comercial deverá obter nova autorização, transcorrido o prazo de um ano.
§2º- Cassada a autorização por infração
ou revogada por interesse público, o responsável pelo estabelecimento comercial
será intimado, pelo órgão competente da Prefeitura para retirar o mobiliário no
prazo de trinta dias.
§3- Transcorrido o prazo do parágrafo
anterior e não ultimadas as providências, o mobiliário será apreendido e
removido.
Art. 3º- Os serviços prestados
pelos estabelecimentos comerciais nos passeios poderão estender-se até o
horário de fechamento.
Art. 4º. As despesas com a
execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias,
suplementadas se necessário.
Art. 5º. O Executivo
regulamentará esta lei no prazo de trinta dias.
Art. 6º. Esta lei entrará em
vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
(...)”
5.
Preliminarmente,
o parâmetro exclusivo para a fiscalização abstrata de constitucionalidade de
lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, ainda que reproduza
ou absorva, obrigatoriamente, preceito da Constituição Federal, não servindo a
tal propósito contraste da
lei local com demais dispositivos da Constituição Federal e/ou da Lei Orgânica
do Município (art. 125, § 2º, Constituição Federal). Neste sentido:
“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a
contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum,
independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias,
leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do
município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00,
Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
6. A lei local contestada dispõe sobre “autorização e
regulamentação de uso de passeios fronteiriço aos estabelecimentos comercias
para a colocação de toldos, mesas e cadeiras”.
7. O uso privativo de
bem público é típico ato de polícia administrativa, disciplinando a fruição
desses bens e que, em essência, reflete o exercício da gestão
administrativo sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum.
8. Sob este ângulo, denota-se a violação ao princípio da
separação dos poderes pela usurpação da reserva da administração, perceptível
dos incisos II e XIV do art. 47 c.c. o art. 5º, da Constituição Estadual,
aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.
9. Julgado
deste colendo Órgão Especial ressalta a importância do princípio da reserva de
administração no contexto da separação de poderes (TJSP, ADI 172.331-0/1-00,
Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009) ao invocar aresto do
Supremo Tribunal Federal:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
10. Com efeito, trata-se de
atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão,
de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas,
vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da
administração.
11. Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da autorização e regulamentação de uso de passeios fronteiriços aos estabelecimento comerciais para a colocação de toldos, mesas e cadeiras, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
12. É pacífico na doutrina, bem
como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
13. Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, anotando que “a Prefeitura não
pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas;
o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
14. Nesse sentido (em caso análogo), já se manifestou o
Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, nos seguintes termos:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal que normatiza o uso do passeio público - Intervenção indevida em área de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo - Violação dos artigos 5º, 37, 47, II, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo - Ação procedente (ADIN nº 125.192-0/7, Ribeirão Preto, rel. Des. Laerte Nordi, j. 26/4/2006)”.
15. Opino
pela procedência da ação por violação aos arts. 5º e 47, II e XIV, da
Constituição Estadual.
São Paulo, 16 de julho de 2014.
Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico – em
exercício
wpmj/mi