Parecer
Processo n. 2080264-82.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Taubaté
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté
Ementa: Constitucional. Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão “Com autorização Legislativa”, decorrente de emenda parlamentar, acrescida no parágrafo único do artigo 6º da Lei Complementar nº 184, de 5 de março de 2008, com a redação dada pela Lei Complementar nº 339, de 09 de maio de 2014, do Município de Taubaté. Lei tributária benéfica. Separação de poderes. reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo. Impossibilidade de sujeição de concessão de isenção tributária à autorização legislativa. Procedência da ação. 1. Não há reserva de iniciativa legislativa ao chefe do Poder Executivo em matéria tributária. Competência concorrente. 2. Ofende a reserva da Administração a exigência de autorização legislativa prévia e específica para concessão de isenção, sendo incompatível com os arts. 5º e 47, II, III e XIV, CE/89. 3. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito Municipal de Taubaté, impugnando a
expressão “com autorização legislativa” inserta, por meio de emenda
parlamentar, no parágrafo único do artigo 6º da Lei Complementar nº 184, de 5
de março de 2008, por incompatibilidade com os arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 da
Constituição Estadual.
2. Concedida a liminar (fls. 44/45),
o Senhor Procurador Geral do Estado, devidamente citado, declinou de realizar a
defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar-se de matéria de interesse
exclusivamente local (fls. 51/54).
3. O Presidente da Câmara Municipal
deixou fluir in albis o prazo que lhe
foi concedido para prestar informações sobre a inconstitucionalidade do ato
normativo impugnado (fls. 60).
4. É o relatório.
5. A ação é procedente.
6. O dispositivo legal impugnado,
contido na Lei Complementar nº 184, de 05 de março de 2008, que dispõe sobre “a
consolidação das normas relativas aos incentivos fiscais, com a criação do
Programa Ostensivo de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico do Município de
Taubaté – PROINDE e dá outras providências”, tem a seguinte redação:
“Art. 6º (...)
Parágrafo único. Nos casos de grandes empresas e indústrias
definidas como tais aquelas que o faturamento anual e a mão de obra empregada
superem o disposto nas alíneas “e” dos incisos II e III do artigo 5º desta Lei
Complementar, com autorização
legislativa poderá ser estendido o período de 15 anos das isenções
fiscais, por até mais 15 anos, mediante despacho fundamentado do Chefe do
Executivo, após parecer favorável da Secretaria de Desenvolvimento e Inovação e
do Contador do Município, e cumpridas as exigências previstas no artigo 14 da
Lei Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.”
7.
Em linhas gerais, a Lei
Complementar nº 184, de 05 de março de 2008, tem a natureza de norma tributária
benéfica, objetivando o incentivo ao desenvolvimento econômico do Município de
Taubaté.
8. De forma majoritária, o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a constitucionalidade de leis
de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais, pois versam sobre
matéria tributária.
9. Colhe-se,
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se
de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Ilustre Prefeito do
Município de Ocauçu, Estado de São Paulo, por meio da qual se questiona a
adequação constitucional da Lei Complementar Municipal nº 06, de 09 de setembro
de 2013, que “dispõe sobre a isenção do imposto Predial e Territorial Urbano e
das taxas de Serviços Urbanos e dá outras providências.” CONSTITUCIONALIDADE -
A Constituição de 1988 não veda a iniciativa do Poder Legislativo em legislar
sobre matéria tributária. A circunstância de as leis que versem sobre matéria
tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à
conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. Por sua vez,
a concessão de isenção tributária por meio de lei de iniciativa do Poder
Legislativa também não representa nenhum vício de inconstitucionalidade
Precedentes. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPROCEDENTE.”
(ADIN nº 2011272-69.2014.8.26.0000, de 14 de maio de 2014, r. Des. Roberto Mac
Cracken).
10. Tal orientação apoia-se no fato de
que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da
Constituição Federal e art. 24 da Constituição Estadual).
11. Desse modo, releva notar que não há
inconstitucionalidade pelo fato de o dispositivo legal objurgado ser decorrente
de emenda parlamentar, nem violação
ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício
fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do município.
12. Essa é, aliás, a tese que
prevalece no Supremo Tribunal Federal.
“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de
caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é
de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar]
reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se
por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa
referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em
www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).
13. Ocorre que a norma impugnada, em linhas gerais, condiciona
a concessão de isenção tributária à autorização do Poder Legislativo Municipal,
o que caracteriza usurpação da função administrativa tributária, pertencente ao
Poder Executivo (art. 5º e art. 47, incisos II, III e XIV, da CE).
14. O professor Carrazza afirma que “os incentivos fiscais
estão no campo da extrafiscalidade, que, como ensina Geraldo Ataliba, é o
emprego dos instrumentos tributários para fins não-fiscais, mas ordinatórios, isto
é, para condicionar comportamentos de virtuais contribuintes, e não,
propriamente, para abastecer de dinheiro os cofres públicos” (Roque Antonio
Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, São Paulo, 15ª
ed., p. 573).
15. Em virtude do acréscimo da expressão “com autorização
legislativa”, decorrente de emenda parlamentar, a Câmara assumiu o lugar do
Poder Executivo, a quem anteriormente competia verificar o preenchimento pelo
interessado de todos os requisitos legalmente previstos à obtenção dos
incentivos fiscais.
16. Por outras palavras,
o que antes era feito por meio de simples ato administrativo, após a
verificação prévia do preenchimento dos requisitos legais, pelo interessado, e
a subsequente efetivação do benefício mediante despacho, sob a responsabilidade
do Prefeito, após pareceres favoráveis da Secretaria de Desenvolvimento e
Inovação e do Contador do Município, tornou-se matéria de lei, condicionada,
assim, à aprovação da Câmara Municipal.
17. Como se sabe, a
função predominante da Câmara é a legislativa, que consiste na edição de normas
gerais, abstratas e obrigatórias de conduta, ao passo que o Executivo é o Poder
constitucionalmente encarregado de aplicar a lei ao caso concreto.
18. Assim, o ato
normativo impugnado subtraiu a prerrogativa do Poder Executivo de verificar o
preenchimento dos requisitos legais para a concessão de incentivos fiscais, o
que se insere na esfera de atribuição tipicamente administrativa.
19. Com efeito, emana do princípio da
separação dos poderes a proibição de interferência de um Poder sobre o outro.
Pelo desenho normativo-constitucional exposto, a concessão da isenção, ou seja,
a subsunção do caso concreto à previsão normativa, é típico ato de gestão
administrativa, elementar às funções reservadas ao Poder Executivo, e imune da
participação do Poder Legislativo.
20. A expressão “com autorização
legislativa”, portanto, é incompatível com o princípio da separação dos poderes
e com os artigos 5º, 47, II, III e XIV, e 144 da Constituição Estadual.
21. Posto isso, opino pela procedência
da ação.
São Paulo, 27 de agosto de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
mao