Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 2082049-79.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 4.638, de 10 de maio de 2012, de iniciativa parlamentar, do Município de Taubaté, que: "Dispõe sobre o número máximo de alunos em salas de aula da Rede Pública Municipal de Ensino”.

2)     Encontra-se na reserva da administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a organização e regulamentação dos serviços públicos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar pela ausência de fonte para cobertura dos custos decorrentes das medidas exigidas (art. 25 da Constituição Estadual).

3)      Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II e XIV, e 144 da Constituição do Estado). Procedência do pedido.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei n.º 4.638, de 10 de maio de 2012, do Município de Taubaté, de iniciativa parlamentar, que: "Dispõe sobre o número máximo de alunos em salas de aula da Rede Pública Municipal de Ensino”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por conter vício de iniciativa, violar o princípio da harmonia e independência dos poderes e por criar despesas sem a indicação da fonte de custeio. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos art. 5º, 47, XIX, a e 25 da Constituição Estadual.

Foi concedida a liminar para a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fls. 40/41).

Citado regularmente, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 50/52).

Devidamente notificado (fl. 55), o Presidente da Câmara Municipal deixou fluir in albis o prazo para apresentação das informações.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.

Procede o pedido.

A Lei n.º 4.638, de 10 de maio de 2012, do Município de Taubaté, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do executivo, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º As Escolas da Rede Pública Municipal de Ensino funcionarão com salas de aula em que o número máximo de alunos matriculados em cada uma seja o seguinte:

I – 20 na educação infantil e nos dois anos iniciais do ensino fundamental;

II – 25 nos anos subsequentes do ensino fundamental;

III – 35 no ensino médio.

Art. 2º No caso de salas de aula onde haja classes multisseridas, o número máximo de alunos será igual ao menor máximo permitido no art. 1º desta Lei.

Art. 3º Em qualquer caso, a área das salas de aula corresponderá a, no mínimo, 1,5 m² por aluno, ainda que, nesse caso, o número máximo de alunos por sala de aula tenha que ser menor do que o estabelecido no art. 1º.

Art. 4º Nenhuma sala de aula será extinta, finda, desmembrada ou aglutinada a outra qualquer após o início do ano letivo, sob qualquer argumento, ainda que o número de alunos matriculados em cada uma se torne reduzido.

Art. 5º O diretor de escola é a autoridade pública que executará a presente Lei, agindo de modo a respeitá-la e impedindo que os parâmetros aqui estabelecidos sejam desobedecidos.

Parágrafo único. O Conselho de Escola deverá ser comunicado do cumprimento da presente Lei em todas em todas as vezes que se reunir ordinariamente.

Art. 6º É direito dos alunos da Rede Pública Municipal de Ensino que as salas de aula onde estejam matriculados obedeçam aos parâmetros estabelecidos no art. 1º da presente Lei.

Art. 7º As despesas que eventualmente forem geradas por esta Lei serão suportadas por dotação orçamentárias própria.

Art. 8º Os parâmetros estabelecidos pela presente Lei serão plenamente aplicáveis após cinco de sua vigência.

Parágrafo único. Da data da publicação Lei até cinco anos de sua vigência, os parâmetros nela estabelecidos serão acrescidos em cinco alunos por sala de aula, reduzindo-se em um para cada ano a contar de sua vigência, até que se atinja o número de alunos por sala aula estabelecidos nesta Lei.

Art. 9º No caso da presente Lei entrar em vigor após o início do ano letivo, aplicar-se-á tão somente no início do ano letivo subsequente ao que estiver em curso.

Parágrafo único. Aplica-se o caput deste artigo para todos os casos previstos na Lei, com exceção feita aos arts. 3º e 4º desta Lei.

Art. 10º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

 

Cuida a lei de estabelecer diretrizes sobre o número máximo de alunos em salas de aula na Rede Pública Municipal de Ensino.

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arst. 1º, 5º, 25 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

Art. 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

A matéria disciplinada pela Lei encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.

A organização dos serviços educacionais municipais é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função do estabelecimento de diretrizes sobre o número máximo de alunos em salas de aula na Rede Pública Municipal de Ensino, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do número máximo de alunos em salas de aula na Rede Pública Municipal de Ensino. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada Reserva da administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao disciplinar serviço público municipal de educação estabelecendo prazo para sua instalação, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

Criar e disciplinar serviços municipais – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada criará, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.

A norma combatida, ao impor ao Município o número máximo de alunos em salas de aula na Rede Pública Municipal de Ensino, não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias de determinada secretaria.

Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.º 4.638, de 10 de maio de 2012, do Município de Taubaté.

              São Paulo, 02 de setembro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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