Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Autos nº. 2085897-74.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito
Municipal de Taquaritinga
Objeto: Inconstitucionalidade
dos §§ 6º e 8º do artigo 134 da Lei Orgânica do Município de Taquaritinga.
Ementa:
1) Ação Direta de Inconstitucionalidade. Parágrafos 6º e 8º do artigo 134 da Lei Orgânica do Município de Taquaritinga, que fixam o piso salarial do servidor público em “três salários bases”. Remuneração. Violação à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo decorrente do princípio da separação de poderes. Procedência da ação. Dispositivos da Lei Orgânica do Município, que fixam o piso salarial do servidor público em 03 salários bases são incompatíveis com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para fixação da remuneração e disciplina do regime jurídico dos servidores públicos (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4, CE/89).
2) Garantia de piso salarial equivalente a 03 (três) salários bases. Revisão da remuneração do funcionalismo público. Vinculação. Procedência. É proibida a vinculação da revisão ou reajuste da remuneração de servidores públicos a índices de reajuste adotado na órbita federal ou qualquer outro fator de indexação e, ainda, sua subordinação ao salário mínimo (art. 115, XV, Constituição Estadual).
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Senhor Prefeito Municipal de Taquaritinga, tendo como alvo os parágrafos
6º e 8º do artigo 134 da Lei Orgânica do Município, que fixam o piso salarial
do servidor público municipal em 03 salários bases, determinando reajustes
periódicos.
Sustenta o autor, em apertada síntese, desrespeito aos princípios da separação de poderes e da reserva de iniciativa, porquanto a iniciativa, em se tratando de lei que versa sobre remuneração dos servidores públicos, é reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal. Aduz, ainda, violação ao artigo 25 da Constituição Estadual, porquanto a lei municipal provoca aumento de despesa sem a necessária indicação da respectiva receita.
Indeferida a liminar (fls. 35/36), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa da lei municipal atacada (fls. 44/46).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade do ato normativo (fls. 53/55).
É a síntese necessária.
A ação é integralmente procedente.
Os parágrafos 6º e 8º do artigo 134 da Lei Orgânica do Município de Taquaritinga têm a seguinte redação:
“(...)
Artigo 134 – A revisão geral da
remuneração dos servidores públicos far-se-á sempre na mesma data.
(...)
§ 6º - O piso salarial do servidor
público municipal será de três salários bases com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo.
(...)
§ 8º - O piso salarial nunca será
inferior a três salários bases, para os que percebem de forma variável.”
Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.
A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:
“consiste um confiar cada uma das
funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos
diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos:
(a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no
exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que,
além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente
independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José
Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros,
2006, 2ª ed., p. 44).
Decorrente
do princípio da divisão funcional do poder, é explícito que as regras acerca da
remuneração e do regime jurídico dos servidores públicos são da iniciativa
legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 24, § 2º, 1 e 4,
Constituição Estadual), sendo interditado seu tratamento por lei de iniciativa
parlamentar ou pela lei orgânica municipal (RTJ 167/355).
Isso porque em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:
“as regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“(...) I. - As regras básicas do
processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos
Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
“(...) 2. A Constituição do Brasil,
ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de
autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários
princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador
estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo,
dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF,
ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo
legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva
de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros.
(...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil,
ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de
autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários
princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o
legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à
iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
Esse concerto, como se sabe, advém do caráter compulsório das regras do
processo legislativo federal (arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, Constituição
Federal) no âmbito estadual e municipal (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
Destarte,
o tratamento da matéria pela lei orgânica municipal é incompatível com o art.
24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que decorre do princípio da
separação de poderes contido no art. 5º da Constituição Estadual (e que
reproduzem o quanto disposto nos arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, da Constituição
Federal), aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144.
Por outro lado, releva notar que as regras focalizadas vinculam o reajuste da remuneração do funcionalismo público municipal ao valor do “salário base”, cuja determinação, segundo as informações do Presidente da Câmara Municipal, é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
A vinculação proibida nas Constituições Federal (art. 37, XIII) e Estadual (art. 115, XV) é, segundo a doutrina, “no sentido de ligação, que torne dependente ou sujeite às regras jurídicas que se editem sobre outro cargo” (F.C. Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967, São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo III, 1967, p. 461). Ela consiste na “subordinação de um cargo a outro ou a qualquer outro fator que funcione como índice de reajuste automático, como o salário mínimo ou a arrecadação tributária para fins de remuneração” (Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992, vol. III, tomo III, p. 199), sendo uma “relação de comparação vertical” (Pinto Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1990, vol. II, p. 377).
Nesse sentido, a Súmula 681 do Supremo Tribunal Federal enuncia:
“É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária”.
Ademais, e na conformidade da sólida jurisprudência, “é inconstitucional qualquer vinculação de salário profissional ao salário mínimo, nos termos do que dispõe o art. 7º, IV, da Constituição Federal” (STF, AgR-RE 521.332-CE, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 25-11-2010), colhendo-se, ainda, o seguinte:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI RONDONIENSE N.
256/1989. FIXAÇÃO DE VENCIMENTO BÁSICO PARA DESEMBARGADOR ESTADUAL E CRIAÇÃO DE
FÓRMULA DE REAJUSTE. 1. Prejuízo da ação quanto aos arts. 1º e 2º da Lei
rondoniense n. 256/1989 em face das alterações constitucionais posteriores.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 96/RO. 2. Inconstitucionalidade da
vinculação de reajuste de remuneração de servidores públicos ao índice de
preços ao consumidor. Descumprimento do princípio federativo e da autonomia
estadual. Precedentes. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade prejudicada
quanto aos arts. 1º e 2º da Lei rondoniense n. 256/1989 e julgada procedente
quanto aos arts. 3º e 4º desse diploma legal” (STF, ADI 285-RO, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Cármen Lúcia, 04-02-2010, v.u., DJe 19-03-2010).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
PREQUESTIONAMENTO. REAJUSTE DE VENCIMENTOS VINCULADO A ÍNDICE FEDERAL CONCEDIDO
POR LEI ESTADUAL. VIOLAÇÃO AO POSTULADO DA AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS.
PRECEDENTES. 1. O prequestionamento da questão constitucional suscitada no
apelo extremo se deu no julgamento dos embargos de declaração interpostos
contra o acórdão proferido na remessa necessária. Foram atendidos, portanto, os
ditames das Súmulas STF nºs 282 e 356. 2. A controvérsia foi corretamente
dirimida à luz dos precedentes desta Corte, que tem afirmado serem
inconstitucionais as normas locais que estabelecem o reajuste automático da
remuneração dos servidores públicos estaduais pela variação de índice federal
(IPC), por violarem o princípio da autonomia dos Estados-Membros. 3. Agravo
regimental improvido” (STF, AgR-RE 368.650-AL, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen
Gracie, 18-10-2005, v.u., DJ 18-11-2005, p. 20).
“Recurso extraordinário.
Administrativo. Constitucional. 2. Servidor Público. Reajuste salarial. 3.
Reajuste automático de salário com base na Lei Estadual n.º 10.424/90, do
Estado de Pernambuco. Índice de correção monetária fixado pela União. 4.
Firmada a jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de norma estadual
por atentar contra a proibição da vinculação de qualquer natureza para efeito
de remuneração do pessoal do serviço público ao conceder reajuste automático
por índice de correção monetária fixado pela União. Precedentes: ACO 286, 299 e
300. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para julgar inconstitucional
a Lei estadual n.º 10.424 de 24 de abril de 1990, de Pernambuco” (STF, RE
269.169-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, m.v., DJ
21-06-2002, p. 99).
Posto isso, aguarda-se seja julgada procedente a ação.
São Paulo, 06 de agosto de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
mao